Domingo de carnaval. Um dia inusitado para começar a pôr ordem numa das unidades de conservação mais maltratadas do país. No 18 de fevereiro, cerca de 30 veículos entraram na Reserva Biológica do Gurupi, a 200 quilômetros de Imperatriz, no Maranhão. Dentro deles, mais de cem homens do Ibama, Exército, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Federal desistiam dos últimos dias de folia para se embrenhar num dos únicos remanescentes de floresta amazônica do estado. Ficarão acampados lá por tempo indeterminado, com a missão de fazer com que o Estado finalmente esteja presente numa área que deveria ter sido protegida desde o fim da década de 80.
A categoria de Reserva Biológica implica em unidades com alto nível de proteção – o acesso é (ou deveria ser) muito restrito. Só se pode pisar na reserva se a finalidade da visita for pesquisa ou educação ambiental. Mas Gurupi, que tem 273 mil hectares, recebe muitas pessoas. E a maioria não carrega bloquinhos, instrumentos de medição e de coleta científica. Levam motosserras. Um estudo do início da década estimava que 20% da vegetação da reserva tinha vindo abaixo por causa da ação dos madeireiros. Para a gerente do Ibama do Maranhão, Marluze Santos, esse número pode chegar a até 30%. “Mas como estamos falando da floresta amazônica, esperamos que ela volte a crescer quando as agressões pararem”, pondera.
Depois de duas semanas de operação, foram apreendidos 13 veículos e um volume de madeira equivalente a cerca de 20 caminhões. Seis pessoas foram presas. Porém, segundo o coordenador de operações substituto do Ibama, Rodrigo Almeida, apreensão de madeira e fechamento de serrarias não são o objetivo principal dessa operação, que atua somente dentro da reserva. A idéia é fazer com que aquelas terras voltem ao domínio do Ibama, mapeando os problemas e identificando os responsáveis. “Isso, num primeiro momento”, explica. “Depois começaremos a pensar nas remoções, que são mais complicadas”. Rodrigo estima que serão necessários pelo menos seis meses de trabalho antes que a operação seja considerada terminada.
Mau começo
A história da destruição de Gurupi começa antes da criação da reserva, em 1988. Quando a unidade de conservação foi decretada, a área já estava ocupada por pessoas com os mais variados graus de legalidade na posse da terra. Muitas das propriedades eram griladas, ainda que nem sempre o crime tivesse sido cometido pelo seu atual dono. Com isso, a retirada dessas pessoas foi se complicando, uma vez que o Ibama não pode pagar indenização a quem não tem a papelada regularizada. Enquanto a situação se arrastava, estradas eram abertas e a madeira retirada sem a menor cerimônia.
Em poucos anos, a área se tornou terra sem lei, com os proprietários fazendo o que bem entendessem. A sede do Ibama na Rebio sobreviveu a intimidações e ameaças até o ano 2000, quando os dois analistas ambientais e 11 técnicos tercerizados foram removidos para um prédio novo em Piquiá, a cerca de 140 quilômetros da unidade. Desde essa época, segundo Marluze, o Ibama planeja retomar o controle da região, algo absolutamente impossível com uma dúzia de pessoas. Anos se passaram até que a ação em curso agora fosse posta em prática.
A Reserva Biológica do Gurupi fica numa área considerada importante para conservação, entre a Amazônia, o Cerrado e a Caatinga. É lar de espécies raras, como a ararajuba, a cairara-ka’apor (Cebus kaapori) e o cuxiú-preto (Chiropotes satanas). Segundo o biólogo da Universidade Federal do Maranhão Tadeu Oliveira, que faz um trabalho de mapeamento dos mamíferos da reserva, cerca de 70% a 80% da área já foram afetadas pelas atividades humanas. Entrentanto, a biodiversidade ali ainda é imensa, o que faz com que seja importante recuperar a área.
Inversão
O pesquisador teve que deixar a reserva em 2002, por conta de ameaças. “Os criminosos associam os pesquisadores com o Ibama”, explica. Ele diz que a atividade madeireira é o problema mais grave da Reserva, mas conta que também há criação de gado, trabalho escravo e até plantações de maconha. Tadeu entrou em 2004 com um pedido para que o Ministério Público Federal interviesse na situação. Desde então, o MPF pediu diversas vezes ao Ibama que retomasse o controle da área, o que só agora está sendo feito.
O biólogo acredita já ter condições de retomar a pesquisa, apesar da desordem ainda reinante até o mês passado. “Mas eu não posso voltar porque o Ibama não renovou a minha licença, por conta de problemas burocráticos”, conta. Há mais de um ano o pedido de renovação se arrasta em Brasília, apesar de toda a documentação necessária ter sido enviada. “O irônico é que se eu quisesse entrar para desmatar, entrava. Todo mundo entra”, reclama.
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