Reportagens

Destruição tropical

Relatório da FAO revela que o mundo perde uma área de floresta equivalente a duas cidades de Paris por dia. A maior parte do desmatamento ocorre na América Latina e Caribe.

Gustavo Faleiros ·
13 de março de 2007 · 18 anos atrás

A Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO, na sigla em inglês) publicou nesta terça-feira seu relatório bi-anual sobre o estado das florestas em todo mundo. Há no documento dados que suscitam esperança de que a histórica tendência de destruição florestal pode estar se revertendo. Países na Europa e na Ásia já registram um aumento em sua cobertura vegetal. Por outro lado, observou-se que as nações que detêm as maiores parcelas de floresta tropical ainda registram perdas significativas de áreas florestadas. As taxas mais altas de desmatamento ocorrem na América Latina, em especial na América do Sul, em países como Brasil, Venezuela e Bolívia.

De acordo com a FAO, entre 2000 e 2005 a taxa anual da perda de floresta tropical no continente latino-americano aumentou de 0,46% para 0,51% da cobertura total. Esse quadro contribui para que mesmo com os dados positivos em alguns continentes, a média mundial de áreas de floresta esteja em declínio. Anualmente perdem-se 0,2% dos ecossistemas florestais, ou 7,3 milhões de hectares por ano. “O mundo perde uma área de floresta semelhente a duas cidades de Paris por dia”, afirma o texto de lançamento do relatório .

A América Latina e o Caribe juntos detém 22% da cobertura florestal do planeta, e os ecossistemas mais ricos em biodiversidade. Mas nestas paragens o desmatamento não pára de avançar graças à conversão de florestas nativas em zonas de produção agrícola. Pelas contas da FAO, a região perdeu 64 milhões de hectares de florestas primárias entre 1990 e 2005, reduzindo a área de floresta nos continentes de 51% para 47%. Em termos percentuais, a América Central é a região que registra maior crescimento nos desmatamentos, 19%. Mas em números absolutos a América do Sul é a campeã mundial: 831 mil hectares apenas em 2005.

É interessante observar que ao mesmo tempo em que a pressão sobre as florestas tropicais na América Latina cresceu nos últimos 15 anos, os esforços para protegê-las também. Segundo a FAO, houve um aumento de 2% ao ano na criação de unidades de conservação no continente. Hoje, 26% das áreas florestadas são designadas como de conservação ou proteção. Isso, no entanto não siginifica que as florestas estão saudáveis. Há uma enorme quantidade de incêndios na região. Estima-se que a média entre 1990 e 2003 tenha sido de 26 mil focos de calor por ano, o que representa 5,5 milhões de hectares queimados. A média, ressalva o relatório, esconde os momentos mais dramáticos, como 1999, em que se contabilizaram 13 milhões de hectares atingidos por incêndios.

As razões para o quadro calamitoso são bem familiares para nós brasileiros. Embora reconheçam avanços importantes no campo legal em diversos países da América Latina, os autores do documento apontam que os efeitos das variações macroenonômicas, como valorização de produtos agrícolas e não florestais, são bastante danosos às áreas primárias. Além disso, há a questão da posse da terra. Em todo continente, assim como no Brasil, a maioria das áreas com floresta preservada pertece ao poder público . Como falta dinheiro para fiscalizá-las, o desmatamento vigora.

Tendências opostas

Embora a FAO tenha identificado problemas semelhantes aos da América Latina na África, onde a perda de florestas tropicais teve um aumento de 9% entre 1990 e 2005, a organização coletou dados positivos na Europa e na Ásia.. A Europa registrou um aumento de 7% em suas florestas, principalmente por conta de ganhos na Espanha e na Itália . O relatório diz que é “tentador” afirmar que o continente europeu alcançou um patamar ideal no manejo de suas florestas, mas faz um alerta para a queda de empregos e investimentos no setor.

Na Ásia, o aumento nas áreas de floresta se deve principalmente ao investimentos em largas plantações comerciais na China. De acordo com a FAO, o gigante asiático plantou 4 milhões de hectares de florestas por ano desde 1990. Porém, ainda se observa no sudeste Asiático perdas importantes de vegetação tropical em países como a Malásia e a Indonésia. Os autores ponderam que os exemplos da China e da Índia mostram que o crescimento econômico tem sido benéfico ao setor florestal, com a criação de empresas e empregos. Por outro lado, a atividade econômica aquecida tem causado problemas como desmatamento ilegal e pressionando outros países por importação de madeiras nativas.

Perspectivas

Ao examinar o futuro das florestas, o relatório enfatiza que as mudanças climáticas tendem a aumentar a incidência de incêndios e tornar as matas mais vulneráveis a pestes e espécies invasoras – que com a evolução dos transportes se espalham pela Terra numa velocidade assustadora. No caso de doenças, a FAO cita como exemplo o surto de um tipo de besouro nas florestas de British Columbia, provocado pelo aumento de temperatura. A praga concorre ao prêmio de pior catástrofe florestal da história do Canadá. Paralelamente, o aquecimento global deve alterar os ecossistemas. Por outro lado, o fenômeno deve valorizar as florestas como sequestradoras de carbono e peça-chave para o equilíbrio do clima.

Ainda sim, os desmatamentos, um dos principais fatores de emissão de CO2 na atmosfera, devem continuar, alerta o estudo. Especialmente em países em desenvolvimento onde a agricultura encontra incentivos para expansão. Uma inversão do quadro só será possível com mudanças econômicas que acabem com a dependência direta na terra. O relatório da FAO também alerta para o risco da demanda por biocombustíveis motivar mais destruição florestal. Portanto, a curto e médio prazo, as florestas continuam em risco.

  • Gustavo Faleiros

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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