Reportagens

Um erro que não tem preço

Mastercard põe no ar anúncio para fazer propaganda a favor do meio ambiente e acaba defendendo o tráfico de animais silvestres. Ambientalistas estão em pé de guerra.

Felipe Lobo ·
21 de maio de 2007 · 18 anos atrás

Um balão cai com um rapaz em uma mata próxima a Belém do Pará e de seu bolso escapa o cartão de crédito Mastercard. Ao lado dele está um papagaio Amazona aestiva que logo voa com o cartão no bico. Corta. O sujeito, desolado e sem dinheiro, vai até uma praia próxima e entra em um bar. O bicho, que pertence ao dono do estabelecimento, bebe água com a sua mais recente aquisição ao lado. Corta. Do lado de fora, vemos o homem sorridente com a ave no colo e um texto embaixo que diz: ‘Animal de estimação: R$ 60 com MasterCard’. Corta. O papagaio é solto, o seu ‘bem-feitor’ sai feliz e no letreiro se lê: “Soltar os bichos: Não tem preço”. Este é o comercial veiculado em rede aberta pela agência de publicidade McCann para o seu cliente MasterCard que, na última semana, gerou uma série de insatisfações entre a comunidade ornitóloga e os ambientalistas em geral.

Por mais que a idéia aparentemente tivesse as melhores intenções, ela incorreu em duas infrações previstas na Lei de Crimes Ambientais (Lei 9065/98). No artigo 29 está escrito que deve ter detenção de seis meses a um ano e multa “quem vende, expõe a venda, exporta ou adquire (…) espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória”. O personagem principal do filme compra um animal silvestre ilegalmente das mãos do dono do bar. O Artigo 31 da mesma lei finaliza o segundo crime: detenção de três meses a um ano para quem “introduzir espécime animal no País, sem parecer técnico oficial favorável e licença expedida por autoridade competente.”

As maiores queixas da comunidade de amantes das aves gira em torno de três questões fundamentais. Segundo eles, o comercial estimula a compra ilegal de bichos, incentiva que as pessoas os soltem Brasil afora sem qualquer estudo prévio e ainda alimenta o tráfico. “A soltura de animais silvestres sem autorização é tanto crime quanto a captura. Soltar uma espécie fora de sua ocorrência natural pode causar danos às populações originárias daquela região, além de poder condenar o indivíduo introduzido ao isolamento reprodutivo”, afirma Maria Luisa de Noronha, veterinária e bióloga especializada em ornitologia do Instituto de Medicina Veterinária Jorge Vaitsman.

Além deste problema, os profissionais também temem que a introdução de espécies leve doenças para as novas regiões, o que pode provocar um desequilíbrio na biodiversidade local. Charles Ozanick, ornitólogo da UFRJ, diz que a inserção de indivíduos pode impulsionar uma competição com outros animais por alimentos. É o caso do Mico Estrela, animal introduzido no Rio de Janeiro que depreda ninhos e impede a reprodução adequada dos bichos existentes na região em que vive.

O problema, na verdade, é ainda maior. Mesmo a libertação de seres de uma espécie em área em que ela já exista demanda cuidados e consultas a órgãos competentes. “Normalmente, os habitats tem um número máximo de lotação e eles podem superlotar o espaço. Além disso, a biodiversidade pode já estar comprometida, o que não seria bom para o animal”, lembra Maria Luisa.

O coordenador geral da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, Dener Giovanini, também entrou na discussão e disse que a Renctas vai mandar uma carta para a MasterCard com um pedido para a retirada do filme do ar. De acordo com ele, a rede sempre instrui as pessoas a não comprar nenhum bicho selvagem, por mais que se faça isso para soltá-lo. É o tipo da boa intenção que fecha o circuito do tráfico. Se há quem compra, sempre haverá quem venda. Ele se preocupa também com as possíveis falhas na educação ambiental pormovida pela publicidade. “O ideal seria se as agências procurassem as organizações ambientais sempre que fossem criar uma campanha neste sentido”, diz.

O outro lado

O site da campanha mostra que o papagaio utilizado nas filmagens pertence ao treinador Gilberto Miranda, é nascido e criado em cativeiro, tem registro e é autorizado pelo Ibama. Essas ressalvas, no entanto, não livram o anunciante de problemas, segundo Maria Luisa. “Eu também ouvi dizer isso, mas não quer dizer muita coisa porque o comercial não deixa o fato explícito”.

Vale dizer que o deslize empana o brilho de uma campanha que já produziu filmes antológicos, como o rapaz que se sente um craque por fazer centenas de embaixadas com uma bexiga de ar ou o do menino que parece estar feliz por ir viajar mas que, na verdade, comemora o fato de seus pais estarem saindo de férias. A assessoria de imprensa da MasterCard enviou um comunicado oficial a’O Eco com a posição da empresa sobre o assunto.

  • Felipe Lobo

    Sócio da Na Boca do Lobo, especialista em comunicação, sustentabilidade e mudanças climáticas, e criador da exposição O Dia Seguinte

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