Reportagens

A redenção dos bagres

Mesmo com técnicos em greve, Ibama decide liberar a licença prévia das usinas no rio Madeira. Autorização possui 33 condicionantes, entre elas algumas para salvar os peixes.

Gustavo Faleiros ·
9 de julho de 2007 · 17 anos atrás

O presidente Lula pode tirar o bode da sala. Quer dizer, o bagre. As principais obras de infra-estrutura deste seu segundo mandato, as estrelas do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), as hidrelétricas Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira (RO) acabam de ganhar sinal verde do Ibama. Nesta segunda-feira, o presidente-interino do instituto, Bazileu Margarido, e o novo diretor de licenciamento, Roberto Messias, anunciaram que as usinas foram avaliadas como ambientalmente viáveis e por isso podem receber a licença prévia. Isto permite que os empreendimentos sejam levados ao leilão de energia nova, que deve ocorrer em outubro, conforme revelou o Ministério de Minas e Energia (MME).

A licença prévia (LP) não significa que as obras poderão ser iniciadas. Antes, os empreendedores que ganharem o leilão terão de cumprir todas as condicionantes impostas pelo Ibama a fim de conseguirem a licença de instalação (LI), documento que autoriza a execução do projeto. Ao todo, a LP trás 33 condicionantes, que servirão para mitigar o impacto da barragens. “Todo empreendimento tem impactos, mas a elaboração de um bom projeto-executivo pode torná-los menores”, afirmou Messias durante coletiva no Ministério do Meio Ambiente, em Brasília.

Entre as condicionantes, as de maior complexidade são as que envolvem exatamente o personagem principal da celeuma em torno das usinas do madeira, o bagre. O texto menciona que o projeto das usinas deve prever a construção de dois canais semi-naturais nas laterais dos reservatórios para que os bagres, peixes migratórios, possam subir o rio para desovar. O sistema de transposição de peixes, no entanto, pode causar perdas na população. Por isso, outra condicionante prevê a construção de um centro de reprodução da ictiofauna. Segundo Margarido, o centro também é uma garantia de que será possível repovoar o rio com outras espécies passíveis de sofrer desequilíbrio.

A LP ainda incorporou entre suas condicionantes uma recomendação do consultor paquistanês Sultan Alam, contratado pelo MME e que demonstrou ser preciso destruir o muro de contenção da água utilizado durante o período de obras, chamado ensecadeira. A remoção do muro, espera-se, vai beneficiar a passagem de ovos, larvas e juvenis de peixes que descem o rio. Além disso vai impedir o acúmulo de sedimentos nos reservatórios. O tema dos sedimentos, aliás, foi dimensionado segundo as autoridades do Ibama. Com base nos estudos de Alam, o órgão concluiu que o acúmulo de materiais arenosos nas barragens não será significativo.

Com os dados favoráveis em relação aos sedimentos, foi descartada a possibilidade de se pedirem estudos sobre os impactos das usinas nos territórios da Bolívia e do Peru, como chegaram a fazer os técnicos do Ibama em parecer no mês de março. De acordo com Messias, a própria outorga de disponibilidade hídrica da Agência Nacional de Águas (ANA) prevê um modelo de operação das hidrelétricas que não causará efeitos transfronteiriços. Os únicos estudos adicionais que foram solicitados pelo Ibama são o monitoramento da presença de mercúrio no ecossistema e o acompanhamento do impacto sobre diversas espécies da fauna, como quelônios, répteis e psitacídeos (família dos papagaios).

E a greve?

O presidente do Ibama garantiu que a greve dos servidores do órgão não prejudicou a qualidade da licença liberada nesta quarta. “A licença é fruto de um exaustivo processo de análise que contou com especialistas de renome nacional e internacional”, ponderou Margarido. Ele explicou que após a greve, além de consultores, funcionários do Ministério do Meio Ambiente foram chamados para ajudar na ánalise de complementações apresentadas em maio pelos empreendedores.

Entretanto, informações da Associação dos Servidores do Ibama (Asibama) dão conta que seis dos oito técnicos envolvidos no licenciamento das usinas não estão trabalhando. Até mesmo os coordenadores da equipe técnica aderiram à greve. Mas Margarido observou que foram feitas algumas reuniões com a presença dos técnicos grevistas, onde eles puderam levantar pontos que precisavam de mais informações. Ainda assim, é preciso dizer, não houve um novo parecer que mostre uma mudança de posição por parte da equipe que havia negado a licença há quatro meses. A diretoria do Ibama forneceu a licença prévia a partir das opiniões de consultores e funcionários do ministério. Em última instância, os técnicos do instituto não atestaram a viabilidade do empreendimento.

As hidrelétricas do Madeira são o primeiro dos grandes empreendimentos na Amazônia a conseguir uma licença ambiental. No planejamento energético apresentado recentemente pelo governo Lula, cerca de dois terços da energia que o país precisará no futuro sairão de barragens projetadas nos caudalosos rios amazônicos, como Teles Pires e o Xingu. Margarido afirma que para gerar menos conflito nos processos de licenciamentos que estão por vir, será necessário aumentar a capacidade de pesquisa sobre o bioma. Segundo ele, o que se viu durante a tramitação do estudo de impacto ambiental de Santo Antônio e Jirau foi uma enorme falta de informação sobre as características locais. O que não diz o presidente do Ibama é que se viu também muita vontade política para aprovar um empreendimento sobre o qual pairam grandes dúvidas.

  • Gustavo Faleiros

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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