Reportagens

Floresta em pé, dinheiro no bolso

Programa de Minas Gerais paga a proprietários pelo reflorestamento de suas reservas legais. Sociedade civil apóia a idéia, mas cobra maior transparência nos investimentos.

Redação ((o))eco ·
3 de novembro de 2008 · 15 anos atrás

Entre dezembro de 2004 e janeiro deste ano, pequenos e médios proprietários de terra do estado de Minas Gerais receberam incentivos do governo estadual para recuperar suas áreas degradadas. Chamado de Projeto de Proteção da Mata Atlântica de Minas Gerais (Promata), o trabalho faz parte do Plano Estruturador de Conservação do Cerrado e Preservação da Mata Atlântica, contou com dinheiro do banco alemão KFW e gerenciamento do Instituto Estadual de Florestas (IEF). Ao todo, 883 mil reais foram doados a 263 produtores rurais em 31 municípios no entorno dos Parques Estaduais da Serra do Brigadeiro, do Rio Doce, do Itacolomi e da Serra do Papagaio. O sucesso do programa gerou o Bolsa Verde, continuação do Promata que terá sua lei regulamentada nos próximos meses.

Até agora, a iniciativa ajudou a reflorestar cerca de 5,5 mil hectares de Mata Atlântica em Minas Gerais. Mas a proposta é que este número cresça até 120 mil hectares, em três anos. Para tanto, o IEF propõe a seguinte conta: plantar mais 17 mil quilômetros quadrados de mata nativa agora em 2008, outros 32 mil em 2009 e 33 mil nos dois anos seguintes. A dúvida que fica, no entanto, é o motivo pelo qual o governo decidiu arcar com a obrigação dos proprietários: que é, justamente, manter 20% de suas terras intocadas. Para o IEF, é questão de honra. “Sabemos que é uma obrigação, mas a realidade mostra que não há replantio. Portanto, ajudamos”, diz Eduardo Grossi, coordenador do projeto no instituto.

De acordo com ele, os resultados são animadores. “Pagamos de 140 a 300 reais por hectare/ano para cada produto, dependendo da categoria. Além de um incentivo que já é tradicional no estado de Minas, como dar mudas, por exemplo, introduzimos este investimento para a recuperação de reserva legal e outras áreas de preservação permanente”, afirma. Nestes primeiros três anos de projeto, havia um limite de incentivo para cada fazenda. Em alguns casos mais sérios, portanto, não foi possível sequer recuperar a floresta que deveria estar de pé por força da lei.

Foram cinco as categorias apoiadas pelo Promata: regeneração natural, onde uma área é cercada e o proprietário precisa apenas deixar que as árvores se desenvolvam sem intromissão humana; regeneração natural induzida, em locais que precisem de algum tipo de manejo, como capina de planta invasora; plantio de espécies nativas em áreas muito degradadas, com pouca capacidade de crescimento sem o plantio artificial; manejo e enriquecimento de vegetação secundária e bosques de produção. “Neste último caso, não pagamos nem um centavo, apenas doamos os insumos. Afinal, o produtor poderá lucrar bastante com os produtos oriundos de algumas espécies depois de fazer um plano de manejo”, diz Grossi.

Críticas e elogios

Segundo Alexandre Valente, produtor rural de Cachoeira de Campo (distrito de Ouro Preto), o incentivo do governo veio a calhar. “Comprei um pedaço de terra bem degradado, usado para pasto, mas precisava ter a minha reserva legal. Só que, sozinho, não conseguiria fazer. Com a ajuda do Promata, reflorestei 18 hectares com mais de vinte espécies nativas da Mata Atlântica. Entre elas, está a candeia. Plantei 36 mil pés para o manejo futuro, que vai render óleo”, explica. Para Eduardo Grossi, a geração de renda é uma das prioridades do programa, que também verifica se a propriedade a ser investida está próxima de unidades de conservação ou de fragmentos florestais de outros terrenos, a fim de formar corredores de vegetação nativa – fato que contribui para a locomoção e multiplicação de animais e dispersão de sementes.

Apesar desses benefícios, alguns produtores crêem que o investimento ainda não é suficiente para afastar o ímpeto de desmatar, em alguns casos. Francisco Sgarbi, dono de uma propriedade em Ouro Preto, reflorestou 30 hectares durante três anos com a ajuda do governo estadual. Mas reclama de como o benefício funciona hoje. “É um programa que só ajuda pessoas com poder aquisitivo. Eu sou produtor médio, mas quem é pequeno não tem condição de plantar candeia e esperar dez anos para manejar. Vai preferir cortar madeira. Antes, o Promata pagava melhor, hoje é muito pouco. 300 reais por hectare/ano é quase nada”, diz.

Eduardo Grossi concorda com as críticas, mas explica que, com o tempo, os recursos ficaram mais escassos. “Nós pagamos um incentivo ao produtor que mantém a floresta em pé. Não estamos substituindo a atividade agropecuária dele, não é o objetivo. Queremos dar apenas mais uma opção de renda”, avisa. Além do incentivo financeiro, o Promata (e, no futuro, o Bolsa Verde) dá os insumos e materiais necessários para o plantio. “Só não pagamos a mão de obra”, completa.

Daqui para frente

Em 2009, o Promata começa sua segunda etapa. Desta vez, no entanto, o foco será desviado dos investimentos estrangeiros e passará para os acordos de parceria entre o governo de Minas e prefeituras do estado ou organizações não-governamentais. O incentivo do alemão KFW continuará, mas deve servir como um dos doadores do fundo ambiental que será criado junto ao Bolsa Verde – cujo projeto de lei foi sancionado em 13 de agosto. “O Promata tinha limitação de recursos, mas serviu como um projeto piloto. Agora, vamos procurar a iniciativa privada e entidades internacionais para investir no Bolsa Verde, que chegará a todo o estado. Porém, manteremos os critérios de recomposição de recarga hídrica e formação de corredores ecológicos como primordiais nas escolhas das propriedades”, afirma o coordenador do IEF.

A superintende-executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente, Maria Dalce Ricas, não parece muito animada com a proposta. Segundo ela, a sociedade civil apóia a idéia do Bolsa Verde, mas é necessário que a transparência nas ações seja o carro-chefe do governo. “Não dá para ficar à mercê de políticos. Por exemplo, investir recursos em proprietários de uma cidade só porque o prefeito é parceiro. Precisamos ter parâmetros ambientais e, é claro, relatórios claros de como estão sendo feitos os investimentos, o que não acontece”, avalia.

Aliás, esta é uma das principais preocupações de Ricas. Ela afirma que o maior problema é a falta de divulgação na aplicação dos recursos. “Não sabemos se ele obedece a um projeto ambiental. A maior parte das matas nativas de Minas Gerais são pequenos fragmentos. É preciso que o Promata e o Bolsa Verde tenham como objetivo e referência as áreas prioritárias de conservação da biodiversidade. Não há recursos para reflorestar o estado inteiro”, garante.

Em outras palavras, investir em proprietários espalhados e em suas reservas legais pode apenas aumentar o número de pequenos nacos de florestas, sem ganhos representativos para a biodiversidade.

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