O Ministério de Minas e Energia (MME) conduz uma pesquisa sobre o potencial hidrelétrico da Amazônia que não poupa nem os cursos d’água que cortam ou nascem em unidades federais de conservação. Documentos oficiais mostram que o governo quer inventariar a capacidade de geração de energia de rios que estão em Parques e Florestas Nacionais, Reservas Biológicas e Estações Ecológicas. Pressionado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão que planeja a produção de energia, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o recém-criado Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Chibio) já concederam autorizações para que estudos fossem realizados em pelo menos duas unidades de proteção integral amazônicas.
A série de ofícios da EPE ao MMA começaram no ínicio desde ano. Em documento datado de 19 de janeiro, o diretor de Estudos de Energia Elétrica da EPE, José Miranda de Farias, pede ao então diretor de Ecossistemas do Ibama, Marcelo Françozo, que autorize a entrada de uma equipe de quatro técnicos na Reserva Biológica do rio Trombetas e na Floresta Nacional de Saracá-Taquera. De acordo com o ofício, os estudos “tem como objetivo avaliar o potencial hidrenergético desta bacia hidrográfica”. Quase sete meses depois, no dia 12 julho, um novo ofício de Farias, chegou ao mesmo Françozo, agora transmutado em diretor de Proteção Integral do Chibio.
Trazia os mesmos argumentos e solitação. A única diferença eram as unidades de conservação. Agora ele pedia a liberação para trânsito e pesquisas no interior de oito reservas federais, todas na bacia do Rio Branco, entre Roraíma e o Amazonas. Farias achou melhor não esperar por uma avaliação técnica do pedido pelo pessoal que trabalha com Françozo. No dia seguinte, mandou mensagem ao secretário-executivo do ministério do Meio Ambiente e presidente do Chibio, João Paulo Capobianco, listando os pedidos e lembrando que, aparentemente, já estava tudo acertado entre ele, Capobianco, e Mauricio Tolmasquim, o chefão da EPE.
Ao final do ofício, Farias dá mais uma razão à Capobianco para andar logo. “Reiteramos de que as solicitações pedidas sejam concedidas no menor prazo possível, na medida em que temos um prazo para concluir os trabalhos que inclusive estão contemplados e acompanhados no Plano de Aceleração do Crescimento – PAC”, escreveu Farias, revelando as digitais de Dilma Roussef, a chefe da casa Civil, nos pedidos. Capobianco entendeu o recado. Em duas semanas, o Chibio enviou ofício à EPE autorizando a entrada em pelo menos duas unidades de conservação no Mato Grosso, o Parque Nacional do Juruena e a Estação Ecológica do Iquê.
Papo de burocratas
Para resguardar a natureza, Françozo, do Chibio, pede oficialmente à EPE que atenda às normas do plano de manejo do Parque e da Estação. É pura enganação burocrática. Nem o Iquê e nem o Juruena tem planos de manejo. A EPE não vê nada demais em prospectar o potencial hidrelétrico de áreas onde, por lei, fora pesquisa ou visitação, é vedada qualquer tipo de atividade humana. Vai ver porque ela acredita que a proibição talvez não seja tão para valer. Através de sua assessoria de imprensa, ela diz que a realização de inventários de bacia é um procedimento normal. As unidades de conservação para as quais autorizações foram solicitadas estão em bacias listadas no Plano Decenal de Energia 2007-2016.
Os inventários foram incluídos no PAC para receberem mais recursos e permitir o planejamento da entrada de 14 mil megawatts no Sistema Interligado Nacional. A bacia do rio Juruena, por exemplo, onde está localizado o Parque Nacional, surge com o potencial de gerar 5 mil megawatts. Os documentos da EPE no entanto não esclarecem se as quedas da água que poderiam gerar tal energia estão dentro das unidades de conservação. Técnicos do Ibama e do Chibio que conhecem o Juruena contam que o trecho do rio que corta o parque tem corredeiras e quedas d’água. No entanto, ainda é cedo para dizer se alguma delas preenche um pedaço da vontade do governo de salpicar a Amazônia com hidrelétricas.
As equipes liberadas no último dia 30 de julho ainda não chegaram ao Parque Nacional. Um técnico do Ibama garante que a decisão veio de cima. “Ninguém nos consultou”, diz. O diretor de Licenciamento e Avaliação Ambiental Estratégica do MMA, Volney Zanardi, afirma que estes estudos estão visando um planejamento de longo prazo. De forma que entrar em unidades de conservação faz parte da avaliação de impactos gerais na bacia. “O Ministério vê de forma muito positiva os inventários de bacia, e percebe que setores de infra estrutura do governo estão saindo da visão restrita de projetos específicos”, diz, sugerindo que os técnicos da EPE talvez estejam no Iquê ou no Juruena para fazer análises de impacto ambiental. É difícil de acreditar. O Ministério das Minas e Energia não quis se pronunciar sobre o caso.
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