É época de seca e a vegetação rala que margeia a estrada de terra entre as vilas de Visconde de Mauá e Maringá, nas montanhas do sul fluminense, está coberta de pó. Em alguns pontos, nem se vê o verde, escondido atrás de uma camada espessa de marrom acinzentado. Mas pode ser que no inverno que vem isso não volte a acontecer. O governo do Rio de Janeiro prometeu asfaltar essa estrada, desde seu início, no sopé da serra, em Penedo, no início de 2008. E isso pode provocar um aumento no número de turistas que procuram o local para temporadas de contato com a natureza, amantes das diversas cachoeiras e da Mata Atlântica razoavelmente abundante do entorno do Parque Nacional de Itatiaia. Se isso acontecer, elevam-se também as preocupações com a saúde do rio Preto, o principal do vale, ameaçado por lançamento de esgoto e inúmeras construções em suas beiradas.
Essa região fica há 210 quilômetros da cidade Rio de Janeiro e a 300 de São Paulo, exatamente na divisa do estado do Rio com Minas Gerais. Basta atravessar uma das inúmeras pequenas pontes que cruzam o rio Preto e se está em outro estado. A quantidade de locais que oferecem hospedagem impressiona a partir do número de placas que começam a aparecer na estrada logo após a primeira vila, Visconde de Mauá, a mais pacata se comparada às vizinhas Maringá e Maromba. Os nomes dos hotéis e pousadas são ecléticos e muitos prezam por bons trocadilhos, como “Filho da Truta” e “Verde Novo”. Ao todo, eles contabilizam em torno de 145, mas o número flutua, porque com qualquer quarto ou chalé sobrando, os proprietários logo resolvem entrar no negócio.
O problema é que, com isso, não houve controle algum do crescimento das construções no local. Chalés foram erguidos na beira dos rios, assim como casas e hotéis inteiros. Visconde de Mauá fica dentro da Área de Proteção Ambiental da Mantiqueira, o que faz com que qualquer construção precise de autorização do Ibama, que tem embargado uma série de novas obras em áreas de proteção permanente, como na margem dos rios. A legislação requer ao menos trinta metros de distância de qualquer edificação. Mas como a maioria dos moradores chegou lá antes da lei e do Ibama, as coisas continuarão como estão, uma vez que o que está lá pode permanecer – só não são permitidas obras novas.
A promessa do governo é que a reforma da estrada não saia antes de serem instaladas por lá três estações de tratamento de esgoto, uma para cada vila. Essa tem sido uma reivindicação antiga de vários moradores preocupados com a limpeza dos cursos d’água abundantes na região. Aliás, sua principal atração turística. Hoje eles estão à mercê das fossas nem sempre bem construídas de cada casa e pousada.
Poluição de pouco em pouco
Denúncias apontam que alguns estabelecimentos jogam o esgoto in natura nos rios. E uma fossa coletiva mantida pela prefeitura de Itatiaia, em Maromba, está subdimensionada para a quantidade de pessoas que freqüentam a vila. Nos períodos de maior movimento, ela transborda para o rio Preto. Quem está lá há muito tempo percebe claramente que, apesar de ainda limpo, seu curso apresenta sinais de poluição. “A água fica turva e há lodo nas pedras”, diz Norma Bühler, descendente de alemães que aportaram na região no início do século XX, quando o governo instalou ali um núcleo de colonização européia para produção de alimentos. A empreitada não deu certo, e foi seguida por uma produção de leite hoje pouco significativa e pelo turismo, que segura o sustento do local.
Norma comanda com mais três irmãos um dos estabelecimentos mais antigos de Mauá, o hotel de 75 anos que leva o seu sobrenome. Sentada numa das mesas do bar da piscina, decorado em estilo rústico, ela fala da situação como se estivesse de fora, sem querer atrair a atenção dos vizinhos. Não se posiciona nem contra nem a favor do asfaltamento. Mas acha que será necessário um olhar especial do governo para o local depois que isso acontecer. “Por mim, asfaltar nem é tão necessário”, diz ela. “Desde que a estrada de terra se mantenha em boas condições”.
Mauá é destino turístico certo de nove entre dez paulistas e cariocas que gostam de passar férias no mato. Há muitos locais para prática de esportes de aventura, além de diversas trilhas e cachoeiras. Além disso, o clima ameno da montanha atrai quem quer simular no Brasil a sensação de estar num inverno de verdade. A boa quantidade de opções gastronômicas (com as trutas liderando os pedidos) coroa os atrativos turísticos. Há quem goste do isolamento, mas urbanos desavisados nem sempre cumprem felizes o percurso. Muita gente chega reclamando dos buracos encontrados no caminho. “Principalmente os turistas paulistas, que têm um carinho maior pelo carro”, diz Elizabete Bessa, produtora de eventos e secretária de uma agência de esportes de aventura em Maringá. “Tem gente que chega a dizer que nunca mais volta”, completa ela.
Quase nova
Em meados de agosto, a estrada que sobe a Serra da Mantiqueira, praticamente a única que leva até Mauá (é possível chegar por Minas Gerais, mas o caminho é muito mais longo), está em condições razoáveis. Segundo os moradores, é a melhor que já houve, apesar dos buracos já aparecerem. Ela foi ajeitada em maio passado, quando o governador do Rio, Sérgio Cabral, fez uma visita para inaugurar um programa de informática e anunciar o asfaltamento e o saneamento básico. Hoje é possível fazer o percurso de 20 quilômetros em cerca de uma hora. Mas em momentos mais críticos, os buracos podem fazer a viagem quase dobrar de duração.
O mecânico industrial Luiz Alves pede que a esposa, Regiane, sirva um casal que esperava para ser atendido em seu restaurante, o Olho D’Água, e senta-se para uma entrevista. Era uma tarde de sábado e o movimento, já não tão bom quanto o das férias de julho, ainda não chegava à penúria da época das chuvas que antecedem o verão, em setembro. “As pessoas não associam muito bem chuva e montanha”, diz ele. Alves se diz otimista com o asfaltamento da estrada. Principalmente pelo fato de que a obra será antecedida pelo saneamento. E, também, porque o projeto de reforma incluirá medidas que façam da via uma “estrada-parque”.
De fato, se o projeto original for seguido, a vegetação em ambos os lados da estrada será protegida, dutos para animais selvagens passarem de um lado a outro instalados e mirantes estruturados. Uma cancela deve marcar o início do percurso, e estuda-se até a cobrança de pedágio. Alves acha que não tem cabimento um local turístico tão conhecido só ser até hoje alcançado por uma precária estrada de terra. “E não há condições do governo mobilizar de dois em dois meses 100 homens por 40 dias, com diversas máquinas, para consertar a estrada, como fez da última vez”, diz.
Para ele, o importante é que a população local esteja organizada de forma a levar em conta a preservação do meio ambiente nas atividades econômicas locais. Como, de certa forma, acontece hoje. “O turista usa o sanitário que nós oferecermos a ele e joga o lixo na lixeira que colocarmos à disposição”, diz. “A responsabilidade continuará sendo nossa”. Deles e das três prefeituras que regem a vida política local. Mauá não só está localizado no limite de dois estados, mas também é dividido em três municípios que nem sempre se entendem: Itatiaia (RJ), Resende (RJ) e Bocaina de Minas (MG). A divisão gera problemas, fazendo com que as ações conjuntas variem de acordo com a simpatia de um prefeito com o outro.
Vilas minúsculas, trânsito caótico
Alves chegou em Visconde de Mauá há 23 anos. Nasceu em Resende, mas foi estudar em São Paulo, trabalhou e casou por lá. Só depois resolveu mudar de ramo e investir no turismo. Começou, em Mauá, alugando um restaurante. Trabalhou até conseguir comprar o atual, que também funciona como pousada, com alguns poucos quartos. Ele mesmo atende os clientes, e a mulher responde pela cozinha (a recepção ostenta diversos prêmios em concursos gastronômicos no nome dela). Seu negócio é um exemplo repetido às dezenas na região, que cresceu por obra de pequenas empresas.
Até demais. Alves não tem dúvidas de que a oferta turística por lá, hoje, excede muito a procura. A freqüência caiu bastante de três anos para cá. Por isso o ânimo local com o asfaltamento da estrada. Mas, apesar disso, há quem se preocupe com a preservação do meio ambiente nas vilas, justamente por consciência de que a maioria dos turistas busca a região atrás de um certo contato com a natureza. Para Norma Bühler, de nada adianta uma Visconde de Mauá cheia de hotéis e pousadas e de fácil acesso, sem que o entorno esteja em bom estado. “É o que muita gente acha, que basta ele ter um bom estabelecimento, que o cliente aparece”, diz. “Mas o turista escolhe antes o local para onde vai, depois o hotel onde vai ficar”.
Por isso a necessidade de estruturar melhor a região para receber um número maior de turistas. O jornalista Sergio Rezende, dono da pousada e restaurante japonês Warabi, levanta a questão da locomoção interna difícil nas estações de maior movimento. “O trânsito fica caótico”, diz ele, para quem a solução seria proibir o estacionamento em alguns pontos, como em Maringá, a vila de maior movimento, onde se concentram diversos restaurantes e lojas. As prefeituras não fazem um controle eficiente do trânsito e os carros param em qualquer lugar, principalmente na beira das ruas, impedindo a circulação em mão dupla. Assim como não fiscalizam, hoje em dia, os sistemas de fossa, filtro e sumidouro que deveriam garantir a limpeza do rio.
Bühler acredita que, se não houver o cuidado devido, corre o risco da região ganhar muito mais durante os cinco primeiros anos, mas depois, com a sujeira, cair no esquecimento. “Hoje em dia, quem vem para Mauá precisa escolher vir para cá, não há como passar, simplesmente, por aqui”, diz ela, lembrando que, por isso, a região precisa manter o charme que tem hoje. “A pior coisa que tem é aquele lugar asfaltado e pobrinho”, diz. “Todo mundo passa direto”.
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