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Vôos mais altos

Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais quer se tornar centro internacional de monitoramento de florestas tropicais, transferindo tecnologia para países em desenvolvimento.

Eric Macedo ·
18 de setembro de 2007 · 17 anos atrás

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) está em polvorosa esta semana. Acontece aos trinta minutos da próxima quarta-feira (19) o lançamento do mais novo satélite construído pelo órgão em parceria com a China, o CBERS 2B (a sigla em inglês equivale a Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres). O equipamento entra em órbita para cobrir um intervalo entre o fim do prazo de validade do seu similar CBERS 2, que entrou em funcionamento em 2003, e a terceira fase do programa, que terá uma tecnologia mais avançada. Mas ele é também promessa de um passo mais largo, que começa a tomar forma no instituto de uns meses para cá: a ambição de se tornar um centro mundial de monitoramento de florestas tropicais, expandindo pelo mundo a tecnologia usada por estas bandas com o Programa Amazônia.

Por enquanto, tudo não passa de algumas negociações. E idéias, muitas idéias. A princípio, o que se está tentando fazer são acordos com estações de recepção de dados na África, Ásia e Oceania, para que elas recebam e distribuam as imagens geradas pelos CBERS 2 ao passar pelos continentes. E a possibilidade de fazer do instituto um centro de treinamento para o trabalho com as imagens, ou de produção de conhecimento sobre todos os continentes (isso ainda não está totalmente definido). Há, além disso, a promessa do Banco Mundial de que financiará a iniciativa, desde que a intenção se torne uma política de governo do Brasil: o monitoramento será peça importantíssima em futuras negociações de crédito de carbono gerados por desmatamento evitado.

Nesta segunda-feira, durante o simpósio do Grupo Internacional de Observação da Terra (GEO) que acontece em Angra dos Reis, no sul-fluminense, o Inpe anunciou que disponibilizará a quem estiver interessado o software usado para realização do Prodes (o projeto que gera o número anual de desmatamento da floresta Amazônica brasileira), chamado TerraAmazon. Como explica Dalton Valeriano, o coordenador do Programa Amazônia, a distribuição gratuita do software no site do instituto faz parte de uma política de abertura da tecnologia, que resulta na democratização do sensoriamento remoto. “O software é um lado. Por outro, queremos trabalhar para disponibilizar dados”, diz ele.

Leia-se “dados” como imagens de satélite. O CBERS 2 tem tido imagens da América do Sul distribuídas de graça. E, desde que isso passou a acontecer (para outros países, no início de 2006), houve grande procura pelos dados. No caso brasileiro em especial, a distribuição de software gratuito para manipulação e interpretação de imagens, além do próprio conteúdo, gerou uma proliferação enorme de pesquisas de sensoriamento remoto, antes restritas a poucos grupos, por diversas instituições do governo e universidades.

Demanda alta

O satélite sino-brasileiro atualmente em órbita não tem um “gravador a bordo”. Suas imagens precisam ser enviadas para a Terra imediatamente, no momento em que são geradas, enquanto ele roda em torno do planeta. Por isso, há a necessidade de que uma estação de recepção tenha sua antena apontada para o equipamento na hora mesmo em que ele a sobrevôa. No momento, há apenas uma estação no Brasil (em Cuiabá) e três na China fazendo esse serviço. O resultado é que a cobertura fica limitada: mesmo na América do Sul, por exemplo, fica faltando boa parte da Colômbia, Chile e Argentina.

A idéia é negociar com estações que atualmente só trabalham com dados do satélite Landsat (cujo conteúdo é vendido) para receberem as imagens do CBERS 2B: uma na África do Sul, uma espanhola nas Ilhas Canárias, uma no Sul da Itália e outra italiana na Etiópia. Com isso, cobriria-se toda a África tropical, com excessão de um pequeno quadrado no centro, onde há floresta. O novo satélite, no entanto, carregará um gravador de dados digital, que poderá guardar (e, depois transmitir) as imagens dessa área. O segundo passo será conversar com os governos locais, que serão os usuários dos dados. Mas, segundo Valeriano, há demanda.

José Bacelar, que coordena o desenvolvimento de estações de recepção no Inpe, concorda. “Muitos países com florestas tropicais já se mostraram interessados na nossa tecnologia”, diz ele. A idéia, segundo Bacelar, é ter até o final do ano “memorandos de entendimento” assinados entre o projeto sino-brasileiro e as estações que cobrirão a África. Também está em vista uma estação na Austrália, que unida a uma das chinesas poderá fazer a cobertura da Indonésia (que também já demonstrou interesse no sistema brasileiro). Mas Valeriano garante que não há prazo. “Ainda é preciso vender a idéia para o nosso próprio governo”, diz ele.

“Let’s go global”

A iniciativa de tornar o Inpe “global” teve o ponta pé inicial há poucos meses. Tem tido algum resultado o programa de transferência de tecnologia para os outros países amazônicos, levado em parceria com a OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica) e o Ministério das Relações Exteriores, o que já é o início de uma experiência. E, em junho, Valeriano leu em uma nota da seção Salada Verde, aqui em O Eco, que o diretor do Serviço Florestal Brasileiro, Tasso Azevedo, estava em Gana para divulgar os projetos do Programa Amazônia, o Prodes e o Deter. De pronto, sugeriu ao presidente do Inpe, Gilberto Câmara, que o instituto alçasse vôos mais altos. “Let’s go global”, disse ele ao presidente.

Câmara concordou, e o primeiro passo foi o anúncio numa reunião do Banco Mundial em Paris, que aconteceu logo depois, da idéia de expandir o uso da tecnologia nacional para monitorar florestas. O banco procurava projetos que dessem suporte a redução de emissões por combate ao desmatamento e degradação de florestas. No evento, segundo Valeriano, diversas instituições européias também prometiam o monitoramento de florestas tropicais, mas sempre com o pagamento dos serviços. O anúncio do instituto fez sucesso, e o banco disse que financiaria a idéia quando ela virasse uma política de governo.

Com o TerraAmazon disponível e a cobertura gratuita do CBERS 2B de toda a faixa tropical do planeta, só ficará faltando a capacitação de pessoal de outros países para usar os instrumentos, trabalhando com as imagens e fazendo a interpretação. O Inpe se tornaria um centro internacional, ou funcionando como uma espécie de universidade que oferecerá cursos de treinamento, ou com a aplicação, ele mesmo, da tecnologia em todo o mundo, mas recebendo pesquisadores visitantes para treinamento. A intenção é oferecer uma cooperação Sul-Sul, dando a possibilidade para que os países usuários adquiram eles mesmos a tecnologia de sensoriamento remoto, com dados, software e treinamento. “São os pobres se ajudando”, brinca Valeriano.

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