Reportagens

Registros vivos do clima

Os corais de Abrolhos estão sendo usados por pesquisadores para decifrar séculos de variação climática e entender os impactos que elas provocaram no meio ambiente.

Felipe Lobo ·
21 de setembro de 2007 · 17 anos atrás

“Pesquisadores de duas universidades cariocas têm se debruçado sobre os corais de Abrolhos, na Bahia, para tentar entender como estas espécies marinhas se adaptam às mudanças climáticas ao longo dos anos. As condições do clima deixam marcas nos corais e podem ser decifradas por uma disciplina chamada paleoclimatologia. O assunto é estudado pela bióloga e aluna de doutorado em geoquímica ambiental da Universidade Federal Fluminense (UFF), Danielly Godiva. Orientada pelos professores Abdel Sifeddine, da UFF e IRD/França, e Heitor Evangelista, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, eles querem saber qual a influência do fenômeno El Niño nos corais do Atlântico Sul.

“O estudo do clima no passado é importante porque, a partir dos resultados obtidos é possível reconhecer suas modificações e calibrar os modelos climáticos que fazem as previsões de alteração futura”, diz Godiva. Trabalhos como este já aconteceram em corais da Austrália e de outros locais no oceano Pacífico, mas é a primeira que algo semelhante ocorre em Abrolhos. A pesquisa começou há um ano e meio e se concentra na espécie Favia leptophylla, um coral pétreo (ou cérebro, como também é conhecido) encontrado no fundo do complexo de Abrolhos. Já se pode identificar diversas variações no meio ambiente ao longo do tempo de acordo com a resposta destes seres marinhos a elas.”

A escolha por esta família não foi aleatória. Os corais pétreos são considerados bons monitores do ambiente oceânico tropical. Eles têm linhas escuras e claras – chamadas bandas – que representam o crescimento do coral durante o inverno e o verão, respectivamente. “Eles crescem na razão de milímetros a centímetros por ano, e incorporam em suas bandas de crescimento vários compostos químicos que atuam como indicadores de fenômenos oceânicos e atmosféricos”, explica Godiva.

Existem três classificações possíveis para os compostos químicos que, por sua vez, representam diretamente algumas alterações climáticas. Enquanto o primeiro grupo de elementos se associa à temperatura superficial do mar, o segundo reflete as alterações na concentração de partículas e sedimentos na coluna d’água. Por último, outro fator que auxilia a descoberta das características climatológicas em determinadas épocas é a analogia com fatores como temperatura, insolação e precipitação, entre outros.

A partir de uma amostra do esqueleto da colônia – chamada pelos pesquisadores de “testemunho do coral” – é possível perceber a quantidade e o tamanho das bandas. Uma radiografia pode ajudar bastante no processo de contar o número de faixas dispostas no exemplar e, assim, se descobrir a idade do coral. Além disso, elas também mostram as diferenças entre as densidades de crescimento anuais dos corais que ocorrem em virtude das variações sazonais, permitindo a observação das alterações químicas e físicas no ambiente marinho ao longo do tempo.

Corrente santa

O foco das análises é o impacto causado pela ocorrência do El Niño, um processo natural verificado com intervalos entre três e sete anos. Conhecido por causar um aquecimento anormal nas águas do Oceano Pacífico Equatorial, também pode causar alterações em outras partes do globo, dependendo de sua intensidade. É exatamente o que acontece com o Atlântico Sul, que já verificou taxas maiores de temperatura, entre outras coisas, durante a ocorrência de um El Niño.

A origem do nome vem de pescadores que costumavam chamar a presença de águas mais quentes durante a época de natal na costa norte do Peru de “Corriente de El Niño” (Corrente do Menino Jesus). Quando ele acontece, as frentes frias que vêm tanto da Antártica quanto dos Andes desvia e não passa por Abrolhos, o seu percurso natural. Com isso, Danielly e seus orientadores perceberam, através de estudos com esqueletos coletados na década de 80 pela Universidade Federal da Bahia, que durante os anos de 1940 e 1975 as condições abióticas mudaram durante a passagem do El Niño interferindo no padrão de crescimento dos corais.

Diminuição da turbidez da água, da cobertura de nuvens e das precipitações de chuva, pequeno aumento da temperatura das águas e do ar e acréscimo na irradiação solar foram alguns aspectos diagnosticados que diferenciam a influência dos anos de El Niño em Abrolhos para outros sem ele. Na verdade, o fenômeno do El Niño não influencia diretamente os corais. Ele propicia a modificação da estrutura climática que, por sua vez, altera a disponibilidade dos elementos químicos presentes na água. “Ao serem absorvidos pelo tecido dos corais, esses elementos funcionam como indicadores das variações”, conta Godiva. Por enquanto, o único resultado a que se chegou foi a boa reação da Favia leptophylla a estes efeitos, já que apresentaram um aumento da taxa de crescimento durante o período.

Em março último, a equipe de pesquisadores foi até a Bahia para recolher amostras recentes de corais. Os próximos passos serão diagnosticar a idade e as variações de compostos químicos nestes esqueletos. Será possível entender, portanto, a diferença climática durante o tempo e também a influência nos corais dos anos de 1997 e 98, quando há registros de um El Niño forte. Ainda assim, Godiva diz que não pode afirmar com certeza que as alterações causadas por este fenômeno fazem bem a todas as colônias, já que apenas uma foi estudada até o momento. Ao final dos estudos, ela espera confirmar com absoluta precisão o impacto causado nos indivíduos de Abrolhos, Búzios e Atol das Rocas.

  • Felipe Lobo

    Sócio da Na Boca do Lobo, especialista em comunicação, sustentabilidade e mudanças climáticas, e criador da exposição O Dia Seguinte

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