O Departamento de Infra-estrutura de Transportes (Dnit-PR) recolocou em pauta um projeto da década de 80, de construir um ramal da BR 101 cortando o litoral paranaense pela Serra do Mar e por áreas de mangue localizadas junto à Baía de Paranaguá. A idéia deixou os ambientalistas em alerta. A Federação Paranaense de Montanhismo promoveu no último dia 19 de outubro uma palestra com o professor emérito da Universidade Federal do Paraná (UFPR) João José Bigarella, cuja opinião é de que, se tal projeto vier a se concretizar, as perspectivas são desastrosas para o meio ambiente – e até para a economia estadual.
Bigarella, que tem 84 anos de idade, não é um professor qualquer. Com formação em geologia, química e física, foi fundador de uma ONG de defesa do meio ambiente em 1974, em plena ditadura e quando esse tipo de iniciativa ainda estava longe de ser corriqueira no Brasil. Faz pesquisas no litoral paranaense desde a década de 40, quando iniciou a catalogação de sambaquis da região. Foi um dos principais ativistas pelo tombamento da Serra do Mar e pela criação do Parque Estadual do Marumbi.
O cientista traçou um histórico da formação geológica da região que, segundo ele, tem forte tendência ao assoreamento natural, processo que pode ser acelerado com a intervenção do homem. Com vales estreitos e profundos, a Serra do Mar tem paredões com alta instabilidade. A vegetação que cobre as montanhas (floresta plural, mata de neblina e campos de altitude) não está sobre solo comum, mas sim sobre uma fina camada de sedimentos vegetais e minerais depositados sobre rochas.
Experiências anteriores de construção de rodovias nessa região já comprovaram o perigo de desabamentos. “A construção da BR 277 e as ocupações irregulares que ocorreram ao longo da rodovia provocaram diversos deslizamentos. As obras de contenção que foram exigidas se revelaram extremamente caras. Onde está o benefício econômico de um projeto assim?” questionou.
Bigarella, ainda na década de 60, fez estudos sobre o processo de sedimentação na Baía de Paranaguá. Na época, madeireiras do interior do estado, que viram suas reservas se esgotando, tinham interesse em extrair matéria-prima da Serra do Mar. Na ocasião, ele concluiu que a retirada da cobertura vegetal provocaria o assoreamento da baía em tal quantidade que inviabilizaria a atividade portuária. “A única alternativa para a Serra do Mar é a preservação total. Não acredito em manejo sustentável nessa região porque, para isso, é preciso muita tecnologia e investimentos. E não é esse o caso das intervenções que são feitas ali”, sentenciou.
Histórico de desastres
O professor Renato Eugenio de Lima, do Centro de Apoio Científico em Desastres, da UFPR, lembrou que, em se tratando da Serra do Mar, calamidades ambientais não são coisa do passado. Ele citou como exemplo duas inundações que ocorreram em Morretes, em 2004 e em 2005. Na primeira, apesar da chuva ter sido mais intensa, os prejuízos foram menores. “Em 2005, em apenas dois dias, houve 48 deslizamentos, todos em áreas de intervenção humana, locais em que recentes construções alteraram a dinâmica das vertentes da serra. Foi interessante observar que, nas partes mais isoladas, em que não há presença do homem, não houve nenhum desabamento”, afirmou Lima.
O projeto de construção do trecho paranaense da BR 101, ligando Santa Catarina a São Paulo, foi anunciado em setembro. Segundo o Dnit-PR, a Rodovia Translitorânea vai facilitar o acesso aos Portos de Paranaguá e Antonina e impulsionar a construção do futuro Porto do Mercosul, que será localizado em Pontal do Paraná. A estrada terá 170 quilômetros, partindo da Variante do Alpino, na BR 116, divisa do Paraná com São Paulo, passando por Antonina, e chegando a Garuva, divisa do Paraná com Santa Catarina.
O Dnit-PR está elaborando do Estudo de Viabilidade Técnica Econômica e Ambiental. O projeto inclui também a construção de uma ponte rodoferroviária de 1.400 metros sobre o Rio Nhundiaquara. O engenheiro Emerson Cooper Coelho, do Dnit-PR, que fez uma apresentação do projeto ao Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas do PR (Setcepar), diz acreditar que, pelo traçado sugerido e pelo volume de tráfego estimado, a estrada deverá se viabilizar economicamente, beneficiando todos os setores ligados à movimentação portuária.
Ele, entretanto, reconhece que o ramal paranaense da BR-101 vai atravessar uma região complicada do ponto de vista ambiental, incluindo áreas de mangue e de preservação. “Somente após a conclusão do estudo é que poderemos ter uma idéia concreta dos impactos. Mas é importante ressaltar que o traçado exclui a área de Guaraqueçaba, justamente para evitar essa área de proteção ambiental (APA)”, afirma o engenheiro.
Além dos impactos ambientais, os custos da obra também só serão informados após a conclusão do estudo de viabilidade, que não tem prazo para ser concluído. Na opinião do presidente do Setcepar, Fernando Klein Nunes, além de encurtar o trajeto para quem vai de Santa Catarina para Paranaguá (e que hoje precisa passar por Curitiba), a obra vai baratear os custos de transporte, pois será uma estrada pública, sem cobrança de pedágio. “Acho que é possível conciliar o progresso com o meio ambiente. Precisamos de alternativas de transporte e encurtando distâncias estamos economizando combustível e diminuindo a emissão de poluentes”, defende.
*Romeu de Bruns é jornalista free-lancer em Curitiba (PR).
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