De tempos em tempos surgem notícias na imprensa de que o Ministério Público Federal de Santa Catarina está requisitando à Polícia Federal a instauração de inquérito para apurar a destinação de dinheiro público entregue à Coalizão Internacional da Vida Silvestre (IWC/Brasil – Projeto Baleia Franca), presidida pelo ambientalista José Truda Palazzo Júnior. A nota à imprensa do MPF, de julho de 2006, circulou novamente esse ano. O procurador da República da cidade de Tubarão Celso Antonio Tres diz que entre 2003 e 2005, a Petrobras desembolsou 1,45 milhão de reais em favor da Coalizão, e que não há qualquer comprovação de valor técnico-científico do trabalho desenvolvido pela entidade.
Tres ainda argumenta que Truda Palazzo, não tem formação acadêmica em ciências ambientais. Por isso, defende que o emprego de verbas públicas à pesquisa e preservação das baleias deveria ser endereçado a órgãos “sabidamente qualificados, a exemplo das universidades públicas federais, as quais mantêm cursos próprios como biologia e oceanografia), dotadas de corpos docentes e de pesquisadores idôneos”.
O MPF também parece não concordar com o fato do Projeto Baleia Franca (PBF) ter recursos enquanto a própria Área de Proteção Ambiental (APA) da Baleia Franca, instituída por decreto presidencial em 2000 e proposta pelo próprio projeto, subsiste na miséria. O procurador acha também um absurdo os números apresentados pela IWC na prestação de contas à Petrobras: R$150 mil anuais pela inserção da logomarca Petrobras no veículo da entidade, mais R$ 150 mil para 10 placas de sinalização nos pontos de observação das baleias, além do “extraordinário” volume de vôos de helicóptero, cerca de 100 horas por temporada (julho a outubro). Tres acredita que se a Petrobras quer publicidade, é obrigada a promover uma licitação para serviços de publicidade. “Também é óbvio que a Coalizão da Vida Silvestre não é agência de publicidade, tampouco veículo de comunicação de massa (rádio, jornal, televisão)”, diz a nota.
Truda Pallazo, o presidente da IWC/Brasil, garante que a prestação de contas foi aprovada e que nunca foi intimado a depor. Inclusive o contrato com a Petrobras foi renovado por mais três anos recentemente. “Como ambientalista com quase 30 anos de ativismo, estou farto da perseguição política difamatória contra o Projeto Baleia Franca sem ter jamais nos permitido qualquer direito de defesa, usando a imprensa sistematicamente como veículo de difamação. Esperamos que efetivamente o tema seja levado à Justiça, para que seja possível enfim nos defendermos dessa campanha sórdida, que “por coincidência” começou com a atuação decisiva do Projeto contra interesses empresariais aqui na região centro-sul de Santa Catarina”.
Ele ainda complementa. “Se o procurador ao menos soubesse usar o Google, já saberia há tempos dos resultados sérios e efetivos de trabalho do Projeto Baleia Franca. Estamos tomando providências legais para a defesa de nosso patrimônio moral e, ao mesmo tempo, aguardando que enfim sejamos ouvidos em Juízo a respeito dessa bobajada toda”.
Redescoberta das francas
Truda, que participou ativamente para a criação de diversas unidades de conservação, entre elas o Parque Nacional de Fernando de Noronha e a Reserva Ecológica Ilha dos Lobos, acredita que há muita “coincidência” para as épocas de acusações. “Os press-releases do procurador são lançados sempre às vésperas de reuniões importantes do Conselho Gestor da APA da Baleia Franca, onde o Projeto Baleia Franca tem um papel importante e onde eu sou Conselheiro Honorário, eleito por unanimidade”.
O ambientalista é um autoditada da conservação. Não chegou a concluir o curso de Ciências Biológicas, mas já publicou vários livros e artigos e ocupou diversos cargos em instituições conservacionistas – desde a antiga Secretaria Especial de Meio Ambiente até a Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza. Para ele as informações do MPF são disseminadas por pessoas que teriam interesse em abrandar as regras para observação de baleias na costa catarinense.
O Projeto Baleia Franca redescobriu há 25 anos a população reprodutiva sobrevivente de baleias francas no Brasil. Desde então, vem trabalhando na pesquisa da espécie e na conscientização para sua preservação e do ambiente marinho. Esse trabalho é reconhecido por entidades congêneres de atuação internacional e pelo próprio Estado brasileiro, pois mantém ao longo de distintos governos um Acordo de Cooperação através do Centro Mamíferos Aquáticos/Instituto Chico Mendes.
Karina Groch, Ph.D. em francas, atual Coordenadora do Projeto, chefia a delegação oficial do Brasil na Comissão Internacional da Baleia. Ela conta que o Catálogo Brasileiro de Fotoidentificação das Baleias Francas mantido pelo Projeto conta, atualmente, com 332 baleias identificadas e a estimativa é de que cerca de 495 baleias francas freqüentem alternadamente a costa brasileira. Esse número, somado às estimativas nas outras áreas de ocorrência das francas no Hemisfério Sul (um total de 8000 indivíduos), representa menos de 10% da população original de francas que se acredita que havia antes da caça comercial. “Apesar de todo o nosso esforço para proteção da espécie e dos resultados obtidos, estamos apenas no início de uma longa caminhada, e há muito o que fazer ainda”, estima a doutora.
O monitoramento terrestre consiste de observações feitas a partir de terra, em pontos fixos estrategicamente localizados ao longo de cerca de 130 km de costa em SC, onde são acompanhadas diariamente 18 praias pertencentes à APA da Baleia Franca, e quatro praias em Torres (RS). O trabalho é feito com auxílio de estudantes de biologia e oceanografia (que neste ano são 18). Essa rotina proporciona aos estudantes de diversas universidades brasileiras a oportunidade de vivenciar a pesquisa de cetáceos por meios não-letais. Possibilita ainda a aplicação dos resultados em ações de educação e de conscientização do público com relação a conservação da segunda espécie de baleia mais ameaçada no mundo.
O monitoramento aéreo é outra atividade desenvolvida pelo projeto. A metodologia adotada busca informações relevantes para a conservação da espécie com um mínimo de perturbação dos indivíduos, procurando não interferir em suas atividades normais. No início da década de 70 descobriu-se que as francas possuíam calosidades na cabeça, que serviam como uma impressão digital de cada indivíduo. Isso se tornou um marco de referência na pesquisa não-letal de cetáceos, em uma época que ainda se lutava para a proibição definitiva da caça às baleias, o que, no Brasil, só aconteceu em 1986.
Pesquisadores indignados
A reportagem do ECO tentou durante dois meses ouvir a opinião do procurador Celso Tres sobre as razões que o levaram a acusar o Projeto Baleia Franca de irregularidade. Apesar dos diversos telefonemas e mensagens eletrônicas, o membro do MPF não retornou os pedidos de entrevista.
As acusações do MPF provocaram a indignação de pesquisadores de cetáceos.
“É um absurdo observar uma organização com 25 anos de atuação pela pesquisa e conservação das baleias francas, sendo perseguida e difamada pelo próprio Ministério Público de Santa Catarina, que deveria ser um aliado nas ações de conservação desta e de outras espécies”, ataca Márcia Engel, diretora do Instituto Baleia Jubarte. Márcia garante que acompanha o crescimento científico de Karina Groch, atual diretora científica do PBF, desde que ela estagiou no Instituto Baleia Jubarte, em 1994. “Ela já publicou vários artigos científicos e coordenou pesquisas científicas importantes, tendo por seus méritos sido recentemente nomeada chefe da delegação brasileira no Comitê Científico da Comissão Internacional da Baleia”.
Já com relação a Truda, Márcia defende: “é um ativista de renome internacional na conservação de baleias, participando dos principais foros nacionais e internacionais de discussão, sempre brigando pela abolição permanente da caça comercial de cetáceos e pela busca de geração de renda para as comunidades locais através de métodos não-letais como o turismo de observação. Tenho interagido com ambos em inúmeros foros de pesquisa e conservação e posso atestar a contribuição fantástica do Projeto Baleia Franca/IWC-Brasil para a pesquisa e conservação não somente das baleias-francas brasileiras como de várias outras espécies de cetáceos.”
Diego Taboada, Presidente do Instituto de Conservação das Baleias da Argentina lamenta ter que defender os poucos que fazem um trabalho sério e profissional para proteger a natureza. “O PBF/Brasil é um dos pioneiros na investigação e conservação de cetáceos na América do Sul. Desde a década de 80, nossa equipe tem trabalhado com o PBF em diversos projetos científicos, como a comparação de catálogos de fotoidentificação de baleias francas do Brasil e Argentina e o intercâmbio de informação técnica entre nossas organizações tem resultado a publicação de trabalhos científicos em co-autoria.”
O especialista também diz que o seu instituto tem se beneficiado com “a vasta experiência” dos pesquisadores do PBF. “Os diretores do PBF mostraram sempre elevada capacidade para o trabalho regional, guiados pelo único objetivo de assegurar a conservação das baleias na América do Sul e no mundo”, salienta o pesquisador, que realiza ações de conservação há 25 com o PBF.
Elsa Cabrera, Diretora Executiva do Centro de Conservação de Cetáceos de Santiago, Chile, diz que quando conheceu Truda, em 2001, as baleias francas em seu país eram praticamente desconhecidas e não existiam ações de conservação. “O trabalho realizado por Truda no Projeto Baleia Franca, não só posicionou o Brasil como líder em investigação e conservação de cetáceos a nível mundial, como também tem servido como um verdadeiro semeador para realização de projetos similares na região.” A pesquisadora informa ainda que o apoio de Truda para iniciar e desenvolver o Projeto Baleia Franca no Chile desde 2003, têm permitido evidenciar que a população do Pacífico Sul Oriental se encontra em perigo crítico.
Já Maria Elizabeth Carvalho da Rocha, Chefe da Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca, agora subordinada ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, diz que tomou conhecimento da posição do MPF apenas através da imprensa. “Como entidade conselheira da APA e consultora técnica para os assuntos relativos à baleia franca, não temos nenhum reparo ao comportamento sempre ético e respeitoso do Projeto Baleia Franca e seus membros em relação à gestão desta unidade de conservação”. Para ela a distorção entre o orçamento da unidade e o orçamento do PBF relativo ao convênio com a Petrobrás é facilmente explicada pelo histórico descaso do Estado brasileiro pelas suas áreas ambientalmente protegidas por lei. “É papel do Estado corrigir essa distorção e não só em relação à APA da Baleia Franca, mas também em relação à todas as outras unidades de conservação do país”.
* Sílvia Franz Marcuzzo é jornalista em Porto Alegre.
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