Acusada de ser “irresponsável e criminosa” por não cumprir prazos de investimento em combustível menos poluente, a Petrobras respondeu à declaração de guerra da sociedade civil com uma espécie de manobra evasiva. Em coletiva de imprensa realizada na terça-feira em São Paulo, o diretor de abastecimento Paulo Roberto Costa procurou explicar a posição da empresa. Ele reiterou o compromisso assumido em Brasília na semana passada de que a Petrobras fornecerá o óleo diesel com 50 partes por milhão (ppm) de enxofre quando os veículos que precisam desse combustível estiverem no mercado.
A legislação brasileira prevê que isso aconteça em janeiro de 2009. A fase P-6 do Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve) estabelece que os veículos pesados (ônibus e caminhões) vendidos no mercado brasileiro devem seguir os mesmos padrões adotados pela norma Euro IV da União Européia. As tecnologias necessárias para atingir esses padrões requerem diesel com baixo teor de enxofre, mas a Petrobras alega que a resolução do Conama que estabeleceu as normas de emissões (Resolução 315/2002) não diz nada sobre a especificação do combustível necessário para o funcionamento dos novos motores.
Essa especificação cabe à ANP, que definiu em outubro de 2007 a qualidade do diesel de 50 ppm – eliminando, assim, um dos argumentos que a Petrobras usava para justificar sua inação. A virada da mega-empresa, no entanto, é menor do que parece à primeira vista. A nota à imprensa publicada pela empresa afirma que o combustível será fornecido até 2009, mas não foi bem isso o que Costa disse na coletiva. Ele indicou repetidamente que a Petrobras só fornecerá o combustível se e quando os veículos com tecnologia Euro IV estiverem no mercado, dando a entender que a direção da empresa não acredita que a Resolução 315 será cumprida.
Costa procurou delimitar a responsabilidade da Petrobras. Disse que a empresa disponibilizará o diesel para as empresas distribuidoras de combustível, mas que não pode garantir a logística de distribuição e de revenda. Essa logística, de fato, deve ser complicada e cara. Para oferecer o diesel 50 ppm os postos serão obrigados a implantar novos tanques e novas bombas, segregados. Além disso, será necessário criar uma estrutura de distribuição de uréia, aditivo necessário para o funcionamento dos catalisadores que equiparão os novos caminhões e ônibus.
Os veículos com tecnologia Euro IV não podem ser abastecidos com o diesel comum, pois o seu alto teor de enxofre causaria danos aos equipamentos anti-poluição. Sendo assim, não é possível introduzi-los sem que o diesel 50 esteja disponível em todo o território nacional. Acontece, no entanto, que os distribuidores de combustível não são obrigados a distribui-lo, e os postos de gasolina não são obrigados a vendê-lo.
Bate-cabeça
Ao anunciar que disponibilizará o diesel 50, a Petrobras parece cumprir a letra da resolução 315, afastando a possibilidade de ação legal. Mas isso não quer dizer que o assunto está encerrado. A estrutura de distribuição segregada custará caro. A melhora na qualidade do ar num primeiro momento será mínima, pois os veículos atuais continuarão queimando diesel sujo. Faltam ainda, segundo a Petrobras, definições quanto ao preço e à tributação do novo combustível. A Anfavea, por sua vez, diz que seus representados têm três anos para se adaptar ao novo combustível apenas regulamentado no mês passado.
Além das dúvidas quanto à produção distribuição e vendas do diesel 50 e dos veículos Euro IV, fica no ar uma questão: como foi que chegamos a esse impasse? A resolução Conama que criou o Proconve, lá nos idos de 1986, criou uma Comissão de Acompanhamento e Avaliação (CAP), com competência para, entre outras atribuições, “identificar e propor medidas que otimizem o programa”, “deliberar sobre a aplicação de penalidades, bem como outras ações necessárias para o acompanhamento do Programa”, assim como “supervisionar a fiscalização do atendimento ao estabelecido nesta Resolução, sem prejuízo da competência dos órgãos envolvidos.” Há um evidente problema de coordenação, indicando que os órgãos responsáveis estão batendo cabeças. Cabe a eles agora encontrar uma solução para a confusão criada — uma solução que privilegie a saúde pública.
A terça-feira trouxe pelo menos uma boa notícia para a petrolífera brasileira. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) divulgou a nova composição da carteira de empresas do seu Índice de Sustentabilidade Empresarial – ISE, e a Petrobras continua dentro. Os representantes da Bovespa e da Fundação Getúlio Vargas, responsável pela metodologia do índice, explicaram que a representação de governos estaduais e ONGs pela >exclusão da empresa foi recebida e analisada pelo conselho do índice que, após considerar a resposta da Petrobras, decidiu que ela continuava elegível. E a avaliação dos questionários não viu razão para excluí-la. A empresa continua, portanto, figurando como uma das mais sustentáveis do país. Quem sabe, a prova de fogo seja o compromisso em fornecer o diesel menos poluente.
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