Reportagens

Súditos do Rainha

Concurso na PUC-Rio premia alunos que propuseram seqüestrar carbono através do replantio da mata ciliar do Rainha, rio que corta a universidade. Projeto começa em janeiro.

Felipe Lobo ·
4 de dezembro de 2007 · 17 anos atrás

Estudar o rio Rainha, pequena lâmina d’água que nasce límpida na Ponta das Andorinhas, no Maciço da Tijuca, no Rio, e termina desasseada no canal da rua Visconde de Albuquerque, no Leblon, pode ser uma tarefa difícil. Apesar de sua curta extensão, ele é escondido por tubulações em grande parte do percurso de seu leito e tem contato direto com a poluição levada pelas redes de esgoto da Rocinha e da Gávea. Para quatro alunos da PUC-Rio, no entanto, o Rainha é a principal fonte de inspiração. São eles os vencedores do I Concurso Soluções Ambientais para o Campus, promovido pelo Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente (Nima) da universidade e que distribuiu dez mil reais para o primeiro colocado. O projeto do grupo prevê a recuperação da mata ciliar do rio e o conseqüente seqüestro de carbono pela sua biomassa.

A idéia parece simples, mas demandou esforços que começaram em maio do último ano, algum tempo antes da premiação entrar na pauta dos departamentos de cada curso. Na época, o mesmo grupo de estudantes, com o apoio do professor Marcelo Motta e do vice-reitor Padre Josafá Siqueira, conseguiu patrocínio da PUC para iniciar um trabalho de reflorestamento simples da vegetação de Mata Atlântica originalmente disposta às margens do Rainha.

Os resultados dessa empreitada começam a ser vistos pelos freqüentadores das Araras, nome pelo qual é conhecido o bosque por onde passa o maior trecho aberto do rio. No local, algumas contenções de bambu já são percebidas com clareza. “Elas ajudam a diminuir o fluxo de energia da água e também formam um patamar plano ideal para o plantio, já que existe um declive”, afirma Felipe Cunha, aluno de geografia e um dos autores do projeto.

Além dele, a equipe é composta por Laura Penna, também estudante de geografia, Diogo Zaverucha, de engenharia ambiental e Sanny Purwin, que cursa desenho industrial. Quando surgiu o concurso os quatro se reuniram e tiveram a idéia de incrementar o propósito do trabalho anterior. O objetivo do novo projeto é basicamente neutralizar parte das emissões de gases estufa realizadas dentro do espaço da universidade ou em trechos análogos a ela, como nas distâncias percorridas pelos carros até o seu estacionamento.

Inventário de emissões

Para tanto, a expectativa dos estudantes é criar um inventário do lançamento de carbono equivalente no campus em todo o ano de 2007, ou pelo menos em metade dele. A educação ambiental também é um ponto chave da proposta. De acordo com Cunha, existe a intenção de convidar as escolas públicas da redondeza para ensinar técnicas de manejo aos seus alunos e a importância do cuidado com os processos naturais do rio e de seu entorno. Apenas assim, avalia, será possível ajudá-los a não degradar no futuro.

As etapas do trabalho já foram definidas, assim como o orçamento de cada uma delas, e devem começar agora em janeiro. O tempo previsto de duração são quatro meses. Em primeiro lugar, será necessário mapear os canteiros, encostas e entorno da mata ciliar do Rainha, além de verificar quais espécies originais da Mata Atlântica local já existem no banco genético da PUC. Aliás, ele pode estar bem perto de receber um aumento significativo em sua quantidade e variedade, já que outras plantas serão incorporadas pelo grupo. Entre os tipos escolhidos para o replantio estão o mogno, o cedro e o açaí.

Sob a coordenação de Motta também nessa etapa, a equipe expôs no último dia 29 de novembro uma maquete do Rainha, acompanhada por um painel explicativo sobre seqüestro de carbono e um guia de como será feito o reflorestamento da mata ciliar. Os outros serviços gratuitos prestados pela mata também serão lembrados, como adiantou o texto enviado para a comissão julgadora do concurso. Segundo o tópico que retrata o diagnóstico local, as espécies da flora nativa “desempenham papéis de proteção, como filtragem de sedimentos e controle no aporte de nutrientes, controle da erosão nos depósitos fluviais das margens e controle da temperatura no ecossistema aquárico”.

Vem mais por aí

Os responsáveis pelo tratamento do rio apenas se sentirão completos depois que algumas ações forem executadas. Uma das principais preocupações do grupo é encontrar estudos que forneçam informações sobre a capacidade de retenção de carbono de cada uma das espécies que escolhidas para o plantio. Mas não será uma tarefa simples. “Existem poucas pesquisas sobre isso”, informa Cunha. O empecilho é que apenas com esses dados em mãos será possível verificar o quanto as plantas vão conseguir seqüestrar do principal gás do efeito estufa ao longo de seu crescimento. O resultado dirá o volume de emissão a ser neutralizada. “É possível que só dê para compensar as atividades de um departamento, por exemplo. Mas já ficaremos satisfeitos. Queremos dar um exemplo do que é possível fazer”, lembra.

As boas intenções não param por aí. Serão espalhadas pelo campus novas placas para informar a origem de cada espécie replantada, o seu nome científico, a família a qual pertence, os cuidados necessários na hora da implementação e outros benefícios, como a qualidade da madeira e seu potencial para a medicina. O plano, com isso, é formar um público cada vez mais consciente e interessado no correto manejo do solo e na sua importância para a preservação do ciclo hidrológico do leito contra o assoreamento e a erosão.

Quem está chateado por não ter concorrido nessa primeira edição, pode começar a pensar em uma boa sugestão ambiental para a PUC-Rio. Quem dá o recado é Isabel Sollberg, aluna de geografia e uma das organizadoras responsáveis pelo evento. Ela garante novos concursos neste e nos próximos anos. “Estamos trabalhando duro para este ano ficar muito melhor, já que 2007 foi praticamente uma experiência”, diz. Junto com ela, que também atua na equipe de produção da semana de meio ambiente da faculdade, estão o coordenador da Mostra PUC, professor Luiz César Monnerat Tardin (responsável pelo patrocínio) e o diretor do Nima, professor Luiz Felipe Guanaes. Mas, enquanto outros locais não são beneficiados, quem agradece é o Rainha.

  • Felipe Lobo

    Sócio da Na Boca do Lobo, especialista em comunicação, sustentabilidade e mudanças climáticas, e criador da exposição O Dia Seguinte

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