Reportagens

Proteção frouxa

Período de defeso da lagosta começou no dia 1º de janeiro em todo o Brasil. Apesar das mudanças nas regras da pesca, o Ibama nacional não sabe quando começam as fiscalizações.

Felipe Lobo ·
10 de janeiro de 2008 · 17 anos atrás

No início do ano passado, o governo federal decidiu aumentar a proteção das lagostas. Um pacote de medidas duras para regularizar a atividade pesqueira e a comercialização do animal começou a ser implementado em janeiro e só teve fim no segundo semestre. No primeiro dia de 2008, cerca de seis meses depois, o período de defeso (época em que a captura é proibida) da espécie recomeçou. Será a primeira grande prova de fogo para saber se as novas regras estão sendo cumpridas pelos pescadores e se a fiscalização do Ibama ganhou em eficiência. Mas, até agora, o instituto não declarou nenhuma medida em âmbito nacional para controlar a ilegalidade nesse mês.

O processo só foi possível graças à parceria entre a Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca (Seap) e o Ibama de Brasília. Baseados em documentos elaborados pelo Comitê de Gestão de Uso Sustentável de Lagostas, os dois institutos decidiram recadastrar todas as embarcações com licenças para a captura da espécie. O período do dia 1º de fevereiro a 17 de março de 2007 foi o escolhido para que todos os pescadores interessados na concessão se inscrevessem. Aqueles que tinham a permissão anteriormente foram renovados automaticamente. “Essa idéia serviu para um redimensionamento da frota. Algumas das 1200 embarcações que tinham a licença, por exemplo, já haviam encerrado suas atividades”, explica Eloy de Souza Araújo, assessor especial da Seap.

De acordo com estudos técnicos elaborados pelo comitê de gestão, o esforço máximo para manter a pesca em índices sustentáveis é de 30 a 40 milhões de covos/dia. Em outras palavras, há quantidade e peso limitados para as capturas, o que também restringe o número de barcos. Portanto, é imprescindível saber quais aqueles ainda em atividade para liberar as permissões ao número correto de pescadores.

Entre as novas normas, que servem de pré-requisitos para a concessão, estão proibidas as pescas com rede de caçoeira, a menos de 7,2 quilômetros da costa e por mergulho de compressor, que facilita o trabalho por oferecer oxigênio aos caçadores. Tudo para impedir a detenção das lagostas miúdas que ainda não chegaram à fase reprodutiva. Além disso, apenas barcos com mais de quatro metros puderam se inscrever e só receberiam a licença se comprovassem a atuação na pesca da espécie em no mínimo dois meses por ano no período de 2002 a 2005.

O processo, na verdade, só chegou ao fim entre os meses de outubro e novembro de 2007. Na época, a Seap recolheu 12 mil quilômetros de redes caçoeiras e 517 compressores mediante pagamento de indenização. “Apenas cerca de 20% dos pescadores em todo o Brasil não entregaram as redes, o que diminui os riscos de pesca ilegal. O compressor de ar, no entanto, ainda é um problema enorme, já que muitos não foram recolhidos”, confirma Eloy.

Fiscalização

Mas isso não significa que a pesca ilegal terminou. De acordo com o Ibama, ela diminuiu bastante em 2007, já que a fiscalização melhorou com a injeção de mais recursos na área. Apesar disso, o trabalho é longo e precisa ser mantido. Para se ter uma idéia, antes do recadastramento das embarcações, cerca de 1200 pescadores tinham a licença para caçar lagostas. As estimativas da Seap, no entanto, mostram um número bem maior no mercado da ilegalidade: entre quatro e cinco mil pessoas retiravam indivíduos da espécie das águas sem permissão.

“Anteriormente, a fiscalização do Ibama nas lagostas era muito incipiente, deixava brechas. Mas, em 2007, houve um forte incremento. Em linhas gerais, 200 quilômetros de rede caçoeira foram aprendidos, assim como inúmeras embarcações que não tinham licença. Acho que nunca existiu uma intensificação tão grande nesta área”, informa Rafael de Oliveira Santana, analista ambiental do Ibama. Ele completa dizendo que a medida do instituto veio em excelente hora, já que a lagosta está sobreexplotada, ou seja, ainda não pode ser considerada em extinção, mas caminha a passos largos para entrar na lista.

Infelizmente, o Ibama nacional não começou o ano com o pé direito na luta contra a pesca ilegal. De acordo com Santana, janeiro é um mês em que as repartições públicas começam a receber os recursos do ano, e só a partir daí podem realocá-los para as operações. Em suma, não há nenhum processo de fiscalização engatilhado em âmbito nacional para o início de 2008, justamente a época em que começa o primeiro período de defeso da lagosta depois da reestruturação elaborada pelo governo a fim de preservar a espécie.

Essa decisão soa, no mínimo, estranha. Afinal, o procedimento de vigia em terra e mar de 2007 começou no dia 15 de abril e só terminou em 31 de dezembro. Um dia após essa data, a notícia: não há mais nenhuma previsão de quando as verificações vão continuar, apesar de haver um consenso em relação à necessidade de aprimorar cada vez mais o trabalho dos fiscais. “O trabalho feito pelo Ibama foi bom em 2007, mas sabemos que ainda precisa melhorar bastante. O combate a pesca de mergulho com compressor principalmente. É uma concorrência desleal”, avalia José Alberto de Lima Barreto, vice-presidente do Movimento Nacional dos Pescadores, direto do Ceará.

É justamente esse o problema ressaltado por René Shärer, fundador do Instituto Terramar. Segundo ele, não há dúvidas de que a pesca ilegal com o auxílio do compressor esteja acontecendo neste momento na costa brasileira, justamente porque os profissionais da área sabem que a fiscalização é falha nesta época do ano. “É quase impossível fiscalizar a captura com este artifício. Um barco pescando com manzuá, com rede caçoeira não tem como fugir porque o material está no mar. Já aqueles que possuem compressor são muito ágeis e têm boa comunicação. Quando a fiscalização sai do porto, eles já ficam sabendo”, diz. Caso não dê tempo de voltar para a terra firme, o equipamento é jogado no fundo do mar e, mais tarde, com a ajuda de um GPS, é recolhido.

Integrante do comitê de gestão da lagosta, Shärer tem boas expectativas para 2009. Uma das sugestões que o grupo irá encaminhar para o governo federal é a criação do Guia de Origem da Lagosta (GOL). Com isso, o exportador terá de mostrar a procedência de sua lagosta. Além disso, deverá existir uma conversa com as empresas de pesca. O intuito é que elas parem de comprar produtos coletados irregularmente. “Tudo para fechar um pouco mais o cerco”, garante.

Ainda há muito a fazer

Em âmbito estadual os trabalhos de investigação já começaram. O escritório regional do Ibama no Ceará, maior produtor de lagostas do Brasil, começou na última segunda-feira o processo de monitoramento em terra. Quem garante é o superintendente em exercício, Francisco João Moreira Juvêncio. “Estamos esperando alguns recursos chegarem para ter o suporte com helicóptero, mas temos um barco próprio, outro alugado e nossos fiscais. No final de janeiro, já devemos começar a fiscalização em mar aberto”, afirma.

Por enquanto, os profissionais vão investigar se os estoques de lagosta das empresas e restaurantes são condizentes com o total declarado três dias após o início do período de defeso, como determina a lei. Mas o histórico, de acordo com Eloy de Souza Araújo, mostra que os dois primeiros meses do período de defeso da lagosta apresentam baixos índices de irregularidades, justamente porque os pescadores vêm de um período ininterrupto de cinco a seis meses de trabalho.

Apesar dos bons resultados obtidos e da perspectiva de diminuição da ilegalidade, ainda não há muito o que comemorar. Embora satisfeita com o rumo das negociações, a comunidade de pescadores artesanais também apresenta críticas à Seap e ao Ibama. José Alberto Barreto, por exemplo, acha que o trabalho de divulgação do recadastramento feito pelo governo foi mal feito. “Por isso, muitas embarcações tomaram conhecimento tarde demais e não conseguiram a licença. Além disso, todos os pescadores do Brasil, inicialmente, só tinham 30 dias para se cadastrarem. Depois de muito esforço, conseguimos aumentar o tempo para 45 dias. Mas o ideal era o dobro disso”, conta.

O processo de emissão das licenças demorou para ser concretizado, assim como o tempo necessário para que os pescadores se adequassem às novas regras. Para azeitar as relações, as partes envolvidas decidiram aumentar o período de defeso no último ano em 45 dias. Desta forma, daria tempo de resolver todas as pendências.

Mas as reações positivas foram além. De acordo com uma pesquisa realizada pela Monape, os pescadores de lagosta que vão do Amapá até o Espírito Santo gostaram da idéia de aumentar o período sem pesca, porque as lagostas ficam mais robustas e eles acabam tendo maior lucro na hora da comercialização. Mesmo com menos tempo de trabalho. “Queremos que nos próximos três anos continue assim, para depois avaliarmos se o fenômeno é verdadeiro ou se durou apenas um ano”, encerra Barreto. Resta saber se o Ibama vai se prevenir para que seus próprios esforços sejam em vão.

  • Felipe Lobo

    Sócio da Na Boca do Lobo, especialista em comunicação, sustentabilidade e mudanças climáticas, e criador da exposição O Dia Seguinte

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