As derrubadas vinham crescendo devagar em agosto de 2007 e, em setembro, deram sinais de que tinham ganhado fôlego. Já em novembro e dezembro, provaram que chegaram para estourar a boca do balão. O Ministério do Meio Ambiente demorou a reconhecer, mas agora não há mais dúvida: o desmatamento na Amazônia, após três anos de queda consecutiva, voltou a crescer. Nesta quarta, a própria ministra Marina Silva e membros de sua equipe, além do diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Gilberto Câmara, convocaram a imprensa em Brasília, para mostrar que apenas entre os meses de agosto e dezembro de 2007, cerca de 7000 mil km2 de floresta foram derrubados.
O número é extremamente alto, pois representa 64% de tudo o que havia sido desmatado entre o período de agosto de 2006 e julho de 2007, 11 mil km2. O INPE fecha o número anual de desflorestamento usando o sistema Prodes, que utiliza imagens com melhor resolução espacial do satélite americano Landsat. No caso dos dados sobre o segundo semestre de 2007, as imagens usadas provém do sistema Deter (Detecção do Desmatamento em Tempo Real), que possui uma resolução menor, porém indica a tendência do desmatamento. O monitoramento do Deter, efetivamente registrou derrubadas de 3235 Km2, mas como ele representa, em média, 40% do desmatamento real, chega-se à estimativa de 7000 km2.
Além do crescimento acelerado da degradação na floresta, os números do INPE confirmaram uma triste suspeita. O estado do Mato Grosso, que já há dois anos, estava conseguindo reduções recordes em suas taxas de desmatamento, foi quem puxou os números para cima. Sua participação no desmatamento entre agosto e setembro de 2007 foi 53,7%. Logo após vêem os estados do Pará, com 17,8% de participação, e Rondônia, 16%.
O que realmente ligou o alerta geral do desmatamento no governo foram as altas taxas de desflorestamento registradas nos meses de novembro e dezembro. Nesta época chove na Amazônia e, por isso, não se captavam grandes desmatamentos. Tradicionalmente, as motos-serra e machados entram em ação a partir de maio e trabalham duro até setembro. Mas em 2007 foi diferente: novembro e dezembro juntos concentraram a perda de 2000 km2 dos 3235 km2 desmatados no segundo semestre. “Posso dizer que nunca o INPE havia registrado desmatamentos como esse nestes meses”, disse o diretor do órgão, Gilberto Câmara.
Uma das possibilidades aventadas pelo Ministério do Meio Ambiente é de que com a estiagem se prolongando pelo segundo semestre de 2007, alguns desmatamentos programados para este ano tenham sido adiantados. A dúvida primordial, no entanto, é se além da estiagem, o preço das commodities tenha imprimido um novo ritmo ao desmatamento. Se isso se confirmar, o crescimento das taxas de desflorestamento anual entre agosto 2007 e julho e 2008 é praticamente certo. Ainda mais considerando que o período usual de derrubadas ainda está por acontecer.
“Nós não vamos pagar para ver, medidas estão sendo tomadas”, garantiu a ministra Marina Silva. Uma reunião emergencial de ministros ocorreu com o presidente Lula na manhã desta quinta-feira, dia 24, onde se definiu a estratégia de combate ao desmatamento.
Comando e controle
Entre as medidas que estão sendo tomadas para coibir a gana dos desmatadores a principal e mais imediata foi a publicação de uma portaria nesta sexta-feira com o nome de 36 municípios que estão liderando as derrubadas na Amazônia. Os três primeiros são São Felix do Xingu (PA), Cumaru do Norte (PA) e Colniza (MT), todos pólos produtores de carne e soja. Com a publicação da lista, ficarão proibidas quaisquer licenças para novos desmatamentos até que a propriedade faça um cadastro com informações georeferenciadas no INCRA. Mesmo os órgão estaduais de meio ambiente serão proibidos de conceder a licença.
A moratória, explicou o secretário-executivo do Ministério, João Paulo Capobianco, tenta coibir o mal-uso das licenças feitas pelos proprietários rurais. A falta de fiscalização permite que os desmatamentos licenciados sejam ilegalmente ampliados ou feitos em regiões proibidas. Com a publicação de um decreto presidencial no último mês de dezembro se tornará obrigatória que todos os imóveis na Amazônia façam um cadastro com imagens de satélite no governo. Além disso, está sendo liberado o embargo de propriedades. Fiscais do Ibama serão a partir de agora obrigados a embargarem empreendimentos agropecuários que tenham cometido crime ambiental. Posteriormente, um sistema de rastreamento de produtos será montado de forma que os compradores também sejam responsabilizados criminalmente.
O pesquisador do Instituto do Meio Ambiente e do Homem da Amazônia (Imazon) Adalberto Veríssimo afirma que não há dúvidas que estamos em uma fase de retomada do desmatamento. Ele acha que a alta em novembro é “surpreendente”. Em geral, o desmatamento é baixo nesse mês. “Eu acho que o ritmo veio para ficar. Os preços das commodities agrícolas, carne e soja, estão em alta e creio que vamos ter um desmatamento num patamar muito superior ao do período 2006-2007.
A ministra Marina Silva não quis apontar o dedo diretamente para o setor agrícola. Disse que o ministério “vai dar um zoom” nas regiões onde estão ocorrendo as derrubadas para determinar com precisão quais as atividades econômicas pressionando a floresta. Segundo ela, a “hipótese” mais provável é que o aumento do preço das commodities agrícolas esteja por trás do desmatamento. “É o mais provável, uma vez que Mato Grosso e Rondônia, que foram os estados que apresentaram maiores aumentos, estão montados em uma economia à base de carne e soja”.
Todas estas fortes medidas de fiscalização já haviam sido anunciadas nas últimas semanas de dezembro, em uma solenidade cheia de pompa no Palácio do Planalto, com a presença de Lula. Naquele momento, o desmatamento já vinha comendo solto há cinco meses. Institutos de pesquisa conceituados tinham alertado que o ritmo de desmatamento já subia deste agosto e principalmente no Mato Grosso. Demorou para o governo reconhecer a verdade. Pior demorou ainda mais implementar as medidas. Agora é correr atrás do prejuízo.
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