Reportagens

Nada de novo

Plano ‘emergencial’ de Lula contra o aumento do desmatamento na Amazônia recicla velhas idéias. Uma é puro marketing. Outras, para funcionar, dependem da vontade do governo.

Manoel Francisco Brito ·
25 de janeiro de 2008 · 17 anos atrás

A decisão do governo federal de suspender as emissões de licenças para derrubar vegetação em 36 municípios da Amazônia rendeu manchete de jornal. De certo modo, esse era o principal objetivo da medida. Ela é puro marketing, porque ninguém pede licença à órgãos de governo para sair serrando árvore na região. “Aqui no Pará, quase 100 % dos desmatamentos detectados ocorreram sem licenciamento”, conta Valmir Ortega, secretário de meio ambiente do estado. No ano passado, sua secretaria concedeu sete licenças para desmatar. Juntas, elas legalizaram o corte de apenas 12 km2 de floresta – cerca de 2% dos 5569 km2 de mata que tomabaram no Pará entre agosto de 2006 e julho de 2007.

A situação não é muito diferente no Mato Grosso. “Na média, 87% dos desmatamentos no estado ocorreram sem licença oficial”, diz Adalberto Veríssimo, do Imazon, ONG que desde agosto de 2006 monitora mensalmente, com o auxílio de imagens de satélite, a saúde da floresta no estado. Segundo o Greenpeace, a estimativa do volume médio de desmatamentos não autorizados em toda a Amazônia chega a 95%. “Proibir o licenciamento, portanto, não vai trazer nenhum grande resultado”, diz Marcelo Marquesini, ativista da ONG na região.

As outras duas medidas anunciadas pelo governo – o recadastramento de propriedades e a suspensão do financiamento de bancos oficiais – são as que, de acordo com ambientalistas, têm mais chances de gerar resultados. O recadastramento pode atacar o que Paulo Barreto, outro pesquisador do Imazon, qualifica como uma questão crucial para o futuro da Amazônia: acabar com sua bagunça fundiária. O corte no financiamento, pode ajudar a reduzir o dinheiro oficial que acaba sendo investido na derrubada da floresta. Ainda assim, por conta do histórico do governo na Amazônia, a possibilidade das duas medidas produzirem consequências positivas é vista com cautela.

Mais do mesmo

Barreto diz que sem uma estratégia para forçar a adesão de quem está em cima da terra na Amazônia ao recadastramento, o governo vai repetir seus fracassos anteriores. Em dezembro de 2004, o Incra baixou uma portaria obrigando o recadastramento de imóveis rurais acima de 500 hectares na Amazônia. Na época, quem não se recadastrasse ficaria ameaçado de não conseguir financiamento oficial para suas atividades. O prazo inicial do cadastro era de oito meses, depois passou a um ano e depois um ano e meio. Até hoje não se sabe qual foi de fato seu resultado. Mas o fato de Brasília voltar com a idéia de novo recadastramento serve como forte indício de que a última tentativa fracassou. E não teve impacto na intensidade do desmatamento na região.

Barreto suspeita que o recadastramento não avançou naquela época porque faltou ao governo vontade de impô-lo goela abaixo dos produtores rurais. Naquela época, e é provável que isso se repita agora, a ameaça de suspender financiamentos não produziu grandes resultados. “Tem muita gente com atividade rural na Amazônia que, na prática, nunca precisou recorrer a financiamento de terceiros”, diz ele. Não é incomum achar na região fazendeiros que nunca pagaram pela terra, em geral pública, que estão ocupando.

“Além da terra de graça, eles ganham recursos naturais de graça, no caso as árvores, que ele cortam para vender e se capitalizar. Por isso, não há razão para esse sujeito se preocupar com bancos. Ele nunca precisou recorrer a eles”, continua Barreto. Ele acha que se o governo decidisse de fato enfrentar essa questão fundiária na Amazônia, levantando quem ocupa o que na região, e obrigasse aqueles que estão em cima de terra pública a pagarem por ela ou simplesmente a deixarem de lado, muita gente iria embora da Amazônia. A ocupação tranquila de terras públicas na região é, como diz Barreto, uma espécie de subsídio oculto, que incentiva o desenvolvimento de atividades em regiões nas quais, se o solo tivesse um preço, elas seriam economicamente inviáveis.

Além de não haver, digamos, grande interesse popular no recadastramento de terras, o Incra, órgão responsável pelo assunto, nunca demonstrou empenho no tema. As informações georeferenciadas só podem ser fornecidas por técnicos e equipamentos (estação total e teotólito) autorizados pelo órgão. E para a dimensão verdadeiramente amazônica das terras griladas, o recadastramento não sai do lugar se não contratar mais mão de obra. O assessor de Políticas Públicas do Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN), Nilo D´Avila afirma que o governo não deixou claro como vai forçar o cadastramento nos 36 municípios que mais desmatam. “Do jeito que estão falando só se botarem o exército na praça”, observa. E ele não está brincando, ao lembrar que existe, em Manaus, um centro de engenharia do Exército, cheio sargentos especializados em topografia.

Financiamento próprio
No caso específico da suspensão de financiamentos, Barreto lamenta também que o governo federal tenha olhado para apenas uma parcela, a menor, dos subsídios oficiais que sustentam a derrubada sistemática da floresta. De fora do último pacote de ações anti-desmatamento, ficou o dinheiro do Fundo Constitucional da Região Norte (FNO). Criado em 1989, ele distribuiu até 2007 mais de 3,2 bilhões de dólares para o desenvolvimento de projetos agropecuários na Amazônia. O governo se recusando a mexer no FNO e alega que ele não existe para financiar desmatamento, porque seu dinheiro só pode ser aplicado em áreas já abertas, para melhorar sua produtividade.

Na teoria, é tudo muito bonito. Na prática, ele acaba, como qualquer subsídio, provocando distorções econômicas graves, ajudando a expandir a atividade agropecuária muito além do que seria possível caso ela estivesse sendo financiada a juros de mercado. Um produtor, por exemplo, pode estar muito bem legalizado em cima de sua terra, mas comprar mais bois do que ela teria condições de sustentar simplesmente porque o dinheiro do FNO torna atraente crescer o rebanho. Esse excedente acaba se esparramando para cima de área de floresta.

As vantagens financeiras desse tipo de subsídio aumentam à medida que seu beneficiário cai na escala social. Por exemplo, quem pega dinheiro através do Programa para a Agricultura Familiar, financiado pelo FNO, a juros entre 1% e 4% ao ano. Caso pague as parcelas em dia no primeiro ano, ganha de cara 25% de desconto nessas taxas. Com dinheiro tão barato, fica uma sopa expandir rebanho e, por tabela, o desmatamento. Um estudo do próprio Imazon mostra que a taxa de desmatamento em assentamentos na Amazônia, onde o dinheiro do Pronaf corre a rodo, foi quatro vezes maior do que fora deles entre a sua data de criação e 2004.

Fiscalização ineficaz

Ortega, secretário de meio ambiente do Pará, acha que das medidas recentes do governo federal contra o desmatamento, a que talvez tenha maior impacto veio num decreto presidencial assinado por Lula no último dia 22 de dezembro. Ela reza que se um produtor rural for flagrado desmatando ilegalmente, ele não vai mais poder simplesmente pagar uma multa e colocar boi em cima de terra que era de floresta. Será obrigado a recuperar a área, pode ficar proibido de comercializar o gado e estão previstas inclusive punições a um terceiro que pretenda comprá-lo.

“Isso ataca diretamente o bolso do desmatador”, diz Ortega. Mas ele sabe que, para a coisa funcionar, os governos estaduais e o federal precisam ter gente e recursos no campo, onde está acontecendo o desmatamento. A Policia Federal anunciou que terá um efetivo de 800 homens se deslocando para a Amazônia. “Mas por quando tempo eles ficarão lá?” pergunta D´Ávila, do ISPN. O governo, diz ele, erra ao anunciar medidas que entram em campo depois que o estrago já foi feito. “Não adianta falar que vai cortar o crédito de propriedades que desmataram. Tem que vacinar, ver o movimento de compras de motosserras, de combustível, de trator madeireiro”, aponta. Marquesini, do Greenpeace, segue na mesma trilha. “Plano precisa de pessoas e de equipamento. E a presença do governo na Amazônia ainda deixa muito a desejar”, diz.

Veríssimo acha que a atmosfera de Brasília contribui muito para essa dimensão de faz de conta de praticamente todos os planos de combate ao desmatamento urdidos no plano federal. “O desmatamento tem uma dinâmica própria, que é muito variada, mas sobre a qual já existe não só muito conhecimento, mas também meios de detectar até antes do corte raso acontecer”, diz. Apesar disso, o governo está sempre correndo atrás do prejuízo. E aparentemente, com seu pacote lançado nesta quinta, ele continuará tentando apenas trancar porta que já foi arrombada e deixando o futuro da Amazônia, como convém à ministra Marina Silva, nas mãos de Deus.

*colaborou Gustavo Faleiros.

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