Tesouro é o nome de uma pequena cidade no sudeste de Mato Grosso que abrilhantava os olhos de garimpeiros instalados aos milhares nas margens do rio das Garças em busca de diamantes nos anos 1950. Hoje o município abriga cerca de três mil habitantes numa área de 401.726 hectares, um dia totalmente cobertos por Cerrado. Até 26 de agosto de 2009 mais de 178 mil hectares estavam sob alguma proteção legal garantida por Áreas de Preservação Ambiental (APAs) criadas em 2001 pelo ex-prefeito Luiz Fernando Marques Pereira (PSDB), já falecido. No dia seguinte, uma canetada do atual administrador municipal Ilton Ferreira Barbosa (PP) acabou com elas. Ninguém se importou.
De acordo com informações da Secretaria do Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema), entre 2002 e 2007 Tesouro arrecadou R$ 1.722.186,27 só de ICMS Ecológico em função da existência das APAs Morro de Santa Luzia; Ribeirão da Aldeia; Rio Danta e Morro Verde; e Rio das Garças e Furnas do Batovi, além de uma outra APA, um parque e um monumento natural municipais que não foram revogados mas juntos não somam nem mil hectares. O imposto surgiu como um incentivo às prefeituras para que elas investissem na criação e na manutenção de áreas protegidas. Mas só na teoria. “Quem determinou a criação dessas áreas na época não tinha conhecimento. As quatro APAs estão sobre áreas de agricultura consolidadas há mais de 30 anos. Fizeram tudo sem audiências públicas, sem regulamentação, sem mapas”, disse o assessor jurídico da prefeitura, Elimar Pelinazzo.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2006 existiam 140 mil hectares de áreas de “matas e florestas” no município de Tesouro. Na carta em que o ex-prefeito Luiz Fernando Marques Pereira envia na tentativa de convencer os vereadores sobre a criação da APA Santa Luzia, por exemplo, ele ressalta a existência de “remanescente de uma floresta de beleza exuberante e ímpar, com espécies raras em evolução e em contato com o que restou do cerrado em transição”, descreveu. Sobre a APA Ribeirão da Aldeia, o administrador alegou em 2001 que a área é de “vital importância na ocupação regional (…) dado a fragilidade do bioma, danificado pela garimpagem e pelo uso intensivo do solo sem a devida técnica de manejo”, por isso diz que “os ocupantes (…) traçarão metas, objetivos e medidas emergenciais visando a recuperação das áreas fragilizadas com base na legislação, promovendo a educação ambiental e protegendo a micro bacia do Ribeirão da Aldeia”.
Não precisava ser tão grande
Nada disso pareceu convencer o atual administrador. “Nosso município está inviabilizado na questão produtiva porque criaram essas áreas com muitos hectares. Segundo o nosso assessor jurídico, as APAs iam atrapalhar nossa produção de soja e pecuária, o grão não ia ter saída, ninguém ia comprar. Então onde nós achamos que não havia necessidade de um tamanho tão grande a gente pediu para revogar. Mas foi tudo feito dentro dos conhecimentos técnicos”, assegura o prefeito Ilton Barbosa.
Apesar da exclusão de 99,43% da área protegida no município, o prefeito garante que se interessa pela preservação e pelo turismo. “Além da soja e da pecuária, queremos alavancar o turismo. Temos várias cachoeiras e nosso festival de praia no rio das Garças”, disse Barbosa. Quando questionado que as áreas protegidas restantes somam menos de mil hectares, o prefeito respondeu: “Mas são áreas bem significativas para nós. A gente está aqui para fazer o que é certo, e a gente gosta da preservação”, declara.
Sem as áreas protegidas, Tesouro vai perder uma mina de ouro, que é a arrecadação do ICMS Ecológico. E agora? “Isso é uma questão mais técnica, eu pedi para que o nosso assessor jurídico fizesse o acompanhamento disso”, informou o administrador municipal. “As áreas de agricultura vão produzir mais receitas para o município”, resumiu o advogado Pelinazzo.
Por mais que o status de proteção das APAs seja dos mais permissivos dentro do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), restrições burocráticas às atividades agropecuárias podem ter sido o estopim para a sua revogação. “Os municípios criam e descriam suas unidades de conservação pelo pressuposto do ganho. Essa relação parece muito oportunista e nos leva a questionar até que ponto a descentralização ambiental é válida sem responsabilidade e controle da sociedade”, pondera Andrea Azevedo, pesquisadora em políticas e gestão ambiental e presidente da Associação Rondopolitana de Preservação Ambiental (ARPA).
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