Economista sênior do Banco Mundial, o mineiro Gunars Platais vem estudando e ajudando a implementar sistemas para pagamento por serviços ambientais em vários países do continente americano. Ainda escassos no Brasil, eles são “arranjos econômicos” montados para regular o uso e manter a qualidade da água e de outros recursos naturais, evitar erosões e assoreamentos de rios, reduzir as chances de desastres e manutenção e salvar belezas naturais com apelo turístico. “São instrumentos de conservação e de melhoria de vida das populações. Funcionam com a cobrança de quem usa um recurso natural e pagamento para quem o fornece”, disse.
Parques e fazendas com florestas conservadas são excelentes fornecedores de água e abrigos para animais e plantas. Mas essas fábricas de água ainda não são pagas pelos serviços que prestam no Brasil. Afinal, quanto mais poluída estiver a água, mais caro será seu tratamento. E à medida que ela se afasta das nascentes e ganha espaços nas regiões metropolitanas, a situação se torna mais crítica com despejo de esgotos e químicos.
“No Quênia, 150 mil dólares são gastos todo ano por uma empresa de água para remover sedimentos da barragem Sasamua e tratar a água contaminada por agrotóxicos. No Espírito Santo, a pequena usina Suíça gera parte da energia da capital Vitória. Em 2005, foi esvaziada para limpeza da imensa quantidade de sedimentos, que chegou a quebrar uma de suas comportas”, comentou Platais.
Conforme o especialista, parte da solução para esse tipo de problema passa pelo pagamento de produtores rurais, para que adotem técnicas menos agressivas às matas e rios, como cultivar em curvas de nível, manejar pastagens e manter matas ciliares. “Essas mudanças produtivas trazem custos que são compensados pelo pagamento de serviços ambientais, e esse pagamento é menor que os custos impostos à população rio abaixo com poluição ou redução da quantidade de água. O uso equilibrado da água rio acima ajuda a manter o abastecimento em casas, agricultura, geração de energia, pesca e recreação”, disse o economista.
As commodities do meio ambiente
Conforme o holandês Ivo Mulder, da consultoria Triple E, definir valores para os serviços fará com que sejam percebidos pelo mundo das finanças. “Nosso modelo econômico global exige que mercadorias e serviços sejam tratados como commodities,
para as quais um preço é estabelecido. Se não for assim, serão deixadas de fora das demonstrações financeiras”, disse.
Ainda insipientes no Brasil, esses sistemas vêm fazendo a diferença lá fora. Exemplo mais observado no continente americano, a Costa Rica está recuperando suas florestas com esses pagamentos. Pouco maior que o Espírito Santo, o país só tinha um quarto de suas matas em 1983, tudo restrito a unidades de conservação. Hoje, a cobertura já passa dos 50%. A fórmula usada foi cobrar de geradoras de energia, irrigação, hotelaria, residências e engarrafadoras, investindo em recuperação do verde em áreas públicas e privadas. Além disso, 3% da venda de combustível é revertido para reservas ambientais.
Proprietários rurais sem documentação tiveram que provar ao governo da Costa Rica que eram donos de direito das áreas. Não houve titulação facilitada de terras. Assim, puderam receber pagamentos.
Na Colômbia, o rio Cauca está menos sufocado pela sedimentação graças ao sistema de cobrança por serviços ambientais. O mesmo ocorre na África do Sul, onde a cobrança vem ajudando a erradicar eucaliptos de regiões secas, aumentando a disponibilidade de água. No México, o modelo adotado movimenta mais de US$ 200 milhões anuais, beneficiando até comunidades indígenas.
No Rio de Janeiro, a Secretaria Estadual de Agricultura obteve empréstimo de US$ 36 milhões do Banco Mundial para implementar um programa de pagamento por serviços ambientais em cerca de vinte municípios do norte fluminense. No Espírito Santo, governo e Instituto Bioatlântica organizaram modelo de pagamento para áreas particulares preservadas no município de Alfredo Chaves. Os desembolsos serão feitos anualmente pelo banco de desenvolvimento daquele estado.
“Quem gera energia precisa de quantidade de água, mas quem engarrafa para vender ou produzir cerveja, água limpa vale ouro. A empresa reduz custos com tratamento de água e há ganhos do ponto de vista da conservação. É uma maravilha”, ressaltou.
Caminho das pedras
Além de bom conhecimento científico para medir o tamanho dos serviços prestados por cada propriedade ou unidade de conservação, cada país, estado ou município interessado em implementar esses sistemas precisa de legislação sólida que torne os arranjos atrativos para os produtores rurais. “Os pagamentos por serviços ambientais têm que ter um retorno financeiro significativo frente à agropecuária”, comentou Platais.
A corda aperta quando adentra o campo das áreas protegidas. O pagamento pelos benefícios gerados por essas áreas nem sempre é bem visto por empresas de geração de energia e tratamento de água. “Há um pensamento de que as unidades de conservação foram criadas justamente para fornecer esses serviços. Assim, não deveriam deveriam receber por eles”, comentou o economista.
“Sim, as áreas protegidas foram criadas com esse fim, mas a legislação federal também prevê que companhias de energia e de abastecimento paguem pelo recurso natural que vem dessas unidades de conservação”, disse Manoel Serrão, especialista em Mecanismos Econômicos e Financeiros do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade.
No Brasil, a legislação nacional de áreas protegidas ainda não foi regulamentada. Assim, não existem regras básicas para a implementação de sistemas de pagamento por serviços ambientais. Um projeto de lei foi enviado em junho ao Congresso e tramitará primeiro na Comissão de Agricultura da Câmara, graças a movimentos do presidente da casa, deputado Michel Temer (PMDB/SP). A comissão também avalia outras propostas da área ambiental, como a revisão do Código Florestal Brasileiro. Veja aqui.
Confira entrevista em áudio com Gunars Platais, do Banco Mundial, onde ele avalia que o pagamento por serviços ambientais pode reduzir conflitos pelo uso da água e efetivamente ajudar na recuperação de matas em áreas privadas e públicas.
Leia cobertura completa do CBUC 2009 em http://www.oeco.com.br/cbuc-2009 ou no Twitter
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