Os maiores compradores de soja do País, governo federal e organizações não-governamentais assinaram nesta terça um acordo que estende por mais um ano a moratória da soja. Ela começou em julho de 2006, sem o governo, quando as associações Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove) e Nacional dos Exportadores de Cereais (ANEC) se comprometeram a não comercializar a oleaginosa vinda de áreas desmatadas na Amazônia por um período de dois anos. A soja é o peso-pesado das exportações e exerce forte pressão para a abertura de novas áreas de produção, tanto na Amazônia quanto no Cerrado.
Segundo dados sobre desmatamentos colhidos entre agosto/2005 e agosto/2007, baseados em imagens de satélite do Prodes/Inpe e vistorias em campo, cerca de 40 mil hectares de floresta tombaram nos quarenta municípios que mais plantam soja, no Mato Grosso, Pará e Rondônia. Isso contando apenas derrubadas com mais de cem hectares. Somando-se desmates menores, a devastação chega a quase 49 mil hectares, avisa Paulo Adário, coordenador da Campanha Amazônia do Greenpeace. Mato Grosso lidera o corte de matas, com 33,5 mil hectares. Ainda não se sabe quanto das derrubas são ilegais ou autorizadas pelos governos. “Há muito desmatamento em áreas menores, para pecuária e grãos”, revela.
Conforme o presidente da Abiove, Carlo Lovatelli, não foi verificado plantio de soja em todas essas áreas. Uma avaliação mais a fundo aconteceu em três municípios mato-grossenses que desmataram pouco mais de 8 mil hectares no período – Feliz Natal (2,2 mil ha), União do Sul (5,1 mil ha) e Vera (608 ha). Também não se viu soja. “Não tinha um só pé de soja nessas áreas, mas estavam desmatadas”, diz.
Para Adário, o maior desafio é evitar plantios nas áreas abertas com a disparada dos preços das commodities no mercado internacional. Vários desmates aconteceram ao lado de lavouras de soja, projetando novos cultivos. “É pouco provável que plantem rosas ou tulipas nesses locais. O desmatamento na Amazônia vinha caindo por três anos. Agora, voltou a crescer, junto com os preços da oleaginosa”, lembrou Adário.
Em 2006, quando começou a moratória, a saca de soja era vendida por US$ 10; hoje vale US$ 23, em média. Esta semana a soja bateu recorde de cotação na BM&F, registrando quase 150% de alta nos últimos 24 meses, como divulgou o jornal Valor Econômico. O preço da arroba do boi subiu mais de 85% no mesmo período. Preços favoráveis estimulam desmatamentos. Complicando a situação da floresta tropical, a safra de grãos estadunidense deve sofrer quebra por excesso de chuvas, elevando a procura pelo produto verde-amarelo.
“Foi fundamental renovar a moratória nesse momento de alta dos preços das commodities e debates sobre crise dos alimentos. É uma mensagem clara para os produtores de que não será comprado produto de áreas desmatadas”, afirmou Afonso Champi, gerente de assuntos corporativos da Cargill.
Sinuca de bico maior é justamente evitar a compra de soja produzida em locais que perderam o verde desde o início da moratória. Conforme a Abiove, isso não será problema. “Ficaremos atentos para que nenhum de nossos associados adquira produtos dessas áreas. Soja plantada em área irregular será isolada”, disse Lovatelli, presidente da entidade. Abiove e ANEC representam as maiores compradoras de soja do País, como Bunge, Amaggi, Cargill.
Apesar das aparências, não foram só flores para a assinatura do acordo que estendeu a moratória da soja por mais um ano na Amazônia. A medida, na verdade, quase não sai. Tudo porque as compradoras de soja enviaram o texto ao Ministério do Meio Ambiente “em cima do laço” e sem consultar entidades civis. Além disso, as ongs queriam citar “fazendas desmatadas” e não “áreas desmatadas” como alvos da moratória. Isso ampliaria sua margem de atuação. Abiove e ANEC bateram pé e os ambientalistas não levaram.
Rastreabilidade
Adário, do Greenpeace, lembra que não há um sistema de rastreabilidade e nem certificação para a produção de soja. “O esforço é colocar sistemas para isso em prática, mas o prazo de um ano é curto. Talvez não dê para resolver todos os problemas, como a falta de cadastramento e de licenciamento para propriedades rurais”, ressalta. Segundo ele, Mato Grosso tem por volta de 120 mil fazendas, mas menos de dez mil registradas pelo governo.
A inexistência de métodos para rastrear a procedência da soja na Amazônia é um dos motivos que levam Glauber Silveira, presidente da Associação de Produtores de Soja de Mato Grosso (Aprosoja) a não acreditar na efetividade da moratória. Para ele, em nenhum momento esta medida limitou a produção de soja na Amazônia, que, no caso de Mato Grosso, equivale a 1% da área de lavoura de grãos no estado. “Isso é um oba-oba de trading. Mesmo que o produtor tenha desmatado dentro do bioma, não tem como identificar. Tem produtor que nem sabe que existe isso”, revela Silveira.
A Aprosoja garante que ultimamente tem sido inviável abrir novas áreas para plantar soja. De acordo com o presidente, na última safra a área plantada foi de 5,7 milhões de hectares, contra 6,2 milhões da safra anterior. “Não é a moratória que impede a abertura de novas áreas, mas o custo desse trabalho. Mas no dia em que valer a pena, o produtor vai abrir mesmo. Se a lei brasileira permite que ele use 20% de sua área na Amazônia, é um direito dele desmatar”, afirma Silveira.
Carne e madeira
Completando três semanas à frente do Ministério do Meio Ambiente, o ministro Carlos Minc informou que começou nesta terça a notificação de frigoríficos e de madeireiras para que informem ao governo sobre seus fornecedores de carnes e toras. Eles têm 60 dias para repassar os dados. Em julho, esses setores adotarão moratória semelhante a da soja, evitando insumos de novos locais desmatados. “Quem não se certificar será embargado, pois não pode haver concorrência desleal entre produtores legais e ilegais”, disse Minc.
Pelas características desses setores, como menos tecnologia e maior dispersão, o coordenador da Campanha Amazônia do Greenpeace avalia que concretizar uma moratória para carnes e madeiras será bem mais complicado. “A produção é mais difusa e menos ligada ao mercado internacional. O processo será mais complicado, mesmo começando pelos grandes frigoríficos”, disse.
O ministro também prometeu que a Amazônia finalmente terá um zoneamento-ecológico econômico (ZEE) em 2009. Isso distribuiria as terras entre voltadas à produção e para conservação, com potencial para reduzir os eternos conflitos de terra regionais. Acre e Rondônia têm ZEEs estaduais, enquanto Maranhão, Pará e Mato Grosso devem fechar a lição de casa este ano. “Sem regularização funciária não há política pública na Amazônia”, disse.
*Colaborou Andreia Fanzeres
Leia também
COP da Desertificação avança em financiamento, mas não consegue mecanismo contra secas
Reunião não teve acordo por arcabouço global e vinculante de medidas contra secas; participação de indígenas e financiamento bilionário a 80 países vulneráveis a secas foram aprovados →
Refinaria da Petrobras funciona há 40 dias sem licença para operação comercial
Inea diz que usina de processamento de gás natural (UPGN) no antigo Comperj ainda se encontra na fase de pré-operação, diferentemente do que anunciou a empresa →
Trilha que percorre os antigos caminhos dos Incas une história, conservação e arqueologia
Com 30 mil km que ligam seis países, a grande Rota dos Incas, ou Qapac Ñan, rememora um passado que ainda está presente na paisagem e cultura local →