Reportagens

Desmatamento zero possível

Em artigo publicado na Science, pesquisadores argumentam que Brasil pode superar a meta de 80% de redução de desmatamento proposta para 2020. O REDD poderia ajudar a zerar as derrubadas .

Gustavo Faleiros ·
4 de dezembro de 2009 · 15 anos atrás

Artigo publicado nesta sexta-feira na revista Science por um grupo de pesquisadores de diversas organizações brasileiras e internacionais sustenta que é possível ao Brasil acabar de vez com o desmatamento da Amazônia. Ao contrário do que propõe o governo Lula – reduzir em 80% o desflorestamento em 2020 – os autores do documento “O fim do desmatamento na Amazônia brasileira” argumentam que existe neste momento uma “janela de oportunidade” para zerar as derrubadas já no fim da próxima década.

(Foto: IISD)

A publicação foi coordenada pelo pesquisador Daniel Nepstead, do Centro de Pesquisa Woods Hole, e contou com a participação de especialistas do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia e das Universidades Federais de Minas Gerais e Pará, entre outros. Nela, eles explicam que a criação de áreas protegidas e atual quadro econômico tornaram possível uma realidade de baixo desmatamento.

O cálculo principal do estudo demonstra que com investimentos de US$ 7 bilhões a US$ 18 bilhões por ano até 2020 seria possível compensar produtores rurais, extrativistas e agricultores familiares por não utilizarem áreas com floresta nativa. Os recursos financeiros para o pagamento destas compensações seriam gerados pelo mecanismo REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), que neste momento é negociado na Convenção das Mudanças Climáticas das Nações Unidas. Com isso, acreditam, o fim do desmatamento poderia contribuir com uma redução de 2% a 5% nas emissões globais de carbono.

Nesta entrevista o autor principal da proposta de desmatamento zero na Amazônia, Daniel Nepstad, explica porque o Brasil conquistou a posição favorável para terminar de vez com a destruição da floresta. Ele também dá sua visão sobre como será a produção sem derrubadas. “ O fim do desmatamento vai ser viável com uma intensificação agrícola e pecuária na área já abertas, uma recuperação florestal para fins econômicos e ecológicos em áreas degradadas”, diz.

“O Brasil tem que se preparar para a volta dos lucros altos da soja e da pecuária. Até lá, tem que consolidar o novo modelo de desenvolvimento rural da Amazônia, que mantenha a floresta em pé. “

No artigo, menciona-se esta janela de oportunidade para a redução do desmatamento. Por que esta janela foi aberta neste momento, e quais as razões que podem reverter essa onda positiva?
Daniel Nepstad –
Esta janela foi aberta por 3 processos. O primeiro foi o avanco da capacidade de governança do governo na fronteira agrícola da Amazônia. O segundo foi a mudança nas indústrias de carne e soja na Amazônia, motivada pelos riscos reputacionais das empresas compradoras desses produtores, para excluir da cadeia fornecedores cujos produtores estão abrindo novas áreas. E o terceiro é o recuo das indústrias de carne e soja através do cenário econômico, gerando uma diminuição da área de soja plantada e do rebanho bovino brasileiro. Esses três processos são frágeis e inter-dependentes. O primeiro depende da vontade política (embora o aumento maçiço de área totais de áreas protegidas não vai recuar). O segundo depende do risco reputacional associado ao desmatamento na Amazônia continuar e do surgimento de mecanismos transparentes e baratos para identificar os produtores “responsáveis”. O terceiro poderia se reverter em breve quando a lucratividade dessas indústrias voltar. O Brasil tem que se preparar para a volta dos lucros altos da soja e da pecuária. Até lá, tem que consolidar o novo modelo de desenvolvimento rural da Amazônia, que mantenha a floresta em pé.

O  custo de reduzir o desmatamento de 6 a 18 bilhões de ano foi obtido com que cálculo? Quais foram os custos de oportunidade considerados?
  Nepstad –
O nosso estudo se diferencia da maioria dos outros estudos porque é uma estimativa dos custos programáticos de reduzir o desmatamento, saindo da premissa que o orçamento atual do governo para defender/manejar a floresta amazônica vai continuar. A maioria dos outros estudos estimam o custo econômico desse redução, em outras palavras, o custo total para a sociedade. O problema destas estimativas econômicas é que eles subestimam (ignoram) os benefícios da conservação florestal. No caso da Amazônia, esses benefícios incluem a proteção do sistema pluviométrico, o regime hidrológico (descarga dos rios), a conservação do solo, da fauna e da flora, a proteção de água e ar limpo. A nossa estimativa se baseia na questão: qual seria o custo de um programa para zerar o desmatamento? Nós incluímos os custos de oportunidade em nossos cálculos, mas apenas para uma fatia de produtores – aqueles que tem floresta em 50% das suas áreas e com propriedades regularizadas. Além dessa compensação de custos de oportunidade – de lucro da soja ou pecuária que esses produtores deixariam de ganhar – estimamos entre meio a um salário mínimo o custo de apoio de um programa de desenvolvimento socioeconômico rural para povos indígenas, populações tradicionais e agricultores familiares (para todas as famílias da Amazônia) que mantenha a floresta em pé. Estimamos também o custo médio por hectare para manejar as áreas protegidas e para aumentar a fiscalização da fronteira. Apostamos que uma vez sendo reconhecidos e premiados pelo bom desempenho ambiental, as forças motrizes do desmatamento vão procurar cada vez mais respeitar a legislação e buscar a gestão ambiental. Achamos que o REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal) pode ajudar a acabar com a grilagem e a ilegalidade. Agora a nosso estimativa não é o que o mercado vai pagar. Esse valor poderia ser muito maior.

“Achamos que o REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal) pode ajudar a acabar com a grilagem e a ilegalidade.”

A compensação por emissões por desmatamento (REDD) pode ocorrer na visão de vocês (autores) através de que forma, apenas mercado, ou fundos de governo, ou ambas as opções?
Nepstad –
Achamos que a compensação vai ser mais viável a longo prazo se for através de mecanismo de mercado atrelado no sistema de compensação dos países desenvolvidos (essa compensação seria uma pequena fatia do total de emissões que esses países vão assumir como compromisso – apenas 5% no caso da legislação aprovada na Câmara americana). Esse mecanismo poderia gerar os recursos necessários a longo prazo. É robusto e não depende tanto da boa vontade desses países. A curto prazo, um mecanismo de doação vinculado ao desempenho, como a doção do governo da Noruega, poderia funcionar mais rápido.

Vocês descrevem que o Brasil poderia servir de modelo a outros países se obter desmatamento zero em 2020. Descreva como você imagina uma economia na Amazonia sem desmatamento. Como seria a pecuaria e a agricultura? Haveria outras atividades econômicas de relevância?
Nepstad –
O REDD é criticado por alguns como um programa que “pagar para não produzir”, mas a nossa visão é bem diferente. O fim do desmatamento vai ser viável com uma intensificação agrícola e pecuária na área já abertas, uma recuperação florestal para fins econômicos e ecológicos em áreas degradadas (terras com pedra e areia, solos ruins que nunca deveriam ter sido abertos), e uma grande economia onde novos produtos baseados nas florestas nativas com beneficiamento dentro da Amazônia para agregar valor. O grande desafio do produtor da Amazônia é a distância, a falta de rede de transporte, sistema de comercialização, mão de obra qualificada, além das condições de concorrência desiguais para produtos que podem ser produzidos fora da Amazônia. O modelo de desenvolvimento da Amazônia tem que superar essas restrições. Vislumbramos o REDD como uma injeção de capital e renda que viabiliza as economias que dependem de florestas nativas, mantendo a conservação da vegetação em terras particulares e unindo os setores pelo interesse comum em manter esta entrada de dinheiro ativa durante muitos anos.

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  • Gustavo Faleiros

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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