(foto: Paulo Faria/ICMBio)
Com 23 votos a favor, duas abstenções e um contra, o Conselho Estadual de Meio Ambiente de Mato Grosso (Consema) aprovou a dispensa de estudo de impacto ambiental no processo de licenciamento das obras de duplicação da MT-251, que liga Cuiabá a Chapada dos Guimarães. A recomendação pela não apresentação foi feita por técnicos da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), responsável pelo licenciamento da obra, iniciada em novembro passado sem licença de instalação e também sem que o órgão tenha tomado qualquer atitude para fiscalizar e interromper a irregularidade. De acordo com a argumentação da Sema, essa obra de duplicação não tem nível de significância suficiente para requerer estudo de impacto ambiental. “Um plano de controle ambiental é suficiente. Estamos considerando o licenciamento dos 16,2 quilômetros da estrada, que ficam fora da zona de amortecimento do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães”, defendeu um engenheiro da secretaria convidado a explicar o teor do parecer.
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Esta não é uma obra qualquer. Para duplicar os 60 quilômetros de estrada até a cidade turística de Chapada dos Guimarães, as obras cruzarão a zona circundante de uma reserva particular do patrimônio natural, a Área de Proteção Ambiental Estadual de Chapada dos Guimarães e o parque nacional. As intervenções ocorrerão inclusive nos trechos decretados hoje como estrada-parque, categoria de unidade de conservação estadual. Alguns, no interior do parque nacional, são considerados extremamente frágeis, passam por rios, nascentes, paredões rochosos que já foram considerados pela Defesa Civil como pontos com risco de desabamento, penhascos além de outras áreas de preservação permanente e de regiões com alta incidência de atropelamentos da fauna de grande porte ameaçada do Cerrado. E, não menos importante, as obras começaram sem licença de instalação, razão pela qual elas foram embargadas em dezembro de 2009 pelo Instituto Chico Mendes (ICMBio).
O governo estadual dividiu o licenciamento da obra em etapas, como se cada trecho não tivesse relação com o outro. Dessa maneira, tem evitado a discussão sobre outras alternativas de trajeto para melhorar o acesso à Chapada dos Guimarães, que eventualmente não pressionassem tanto as unidades de conservação, como ressaltou o coordenador regional do ICMBio, Eduardo Barcellos. O próprio representante da Secretaria de Estado de Infra-estrutura (Sinfra), Alexandre Mello, chamou de “esdrúxula” a maneira com que a obra foi dividida, mas defendeu o governo. “O governo de Mato Grosso fez o projeto visando atender as necessidades da população. Nossa intenção é focar a partir de onde a Sinfra entende que não há interferência no parque”. Sobre a execução das obras sem licença de instalação, ele não se explicou. “Não vou falar aqui sobre começar a obra sem licença porque não há o que falar. Tenho que me desculpar”.
Dividir para confundir
Nascentes foram encontradas no meio das obras (foto: Paulo Faria/ICMBio) |
Conforme alguns membros do próprio Consema relataram na reunião, eles sequer conhecem o projeto completo para poder opinar sobre ele. “Nós não sabemos o que é esse projeto e agora ficam nos empurrando pareceres para votarmos em regime de urgência”, destacou Mauro Donizeti Ribeiro, do Instituto Ecológico e Sócio-Cultural da Bacia Platina (IESCBAP). Ele foi voto vencido ao pedir que numa reunião extraordinária o projeto completo fosse detalhado aos conselheiros, com mapas e localização exatos. Mas na hora da votação, apoiou a dispensa de estudo de impacto ambiental para o trecho inicial do empreendimento. Nem mesmo o representante da Procuradoria Geral do Estado, Patryck Ayala, estava seguro sobre se a discussão envolvia zona de amortecimento do parque nacional ou não. Ele resolveu abster-se na votação.
O único voto contrário foi do superintendente do Ibama em Mato Grosso, Ramiro Hofmeister de Almeida Martins-Costa, atribuindo-o ao princípio da precaução. Ele convidou o ICMBio para explicar o motivo do embargo da estrada, após aguardar, em vão, que a secretaria de meio ambiente tomasse alguma atitude. Mas como não tem assento no conselho, o órgão federal que cuida das unidades de conservação não teve direito a voto.
Durante o período em que o assunto esteve em pauta, não faltaram pressões da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato) e da Secretaria de Indústria, Comércio, Minas e Energia (Sicme) pedindo a realização da votação rapidamente, sem a necessidade de delongas nas discussões.
Explicações rasas
Paulo José dos Santos, da Associação Rondonopolitana de Proteção Ambiental (Arpa), tentou levar o debate para uma esfera mais abrangente, com questionamentos que deixaram os demais conselheiros mudos. “Por que a Sema não parou as obras que estavam sem licença ambiental? O governo precisa dar o exemplo. Impossível com todo esse debate hoje em dia que o governo ainda não tenha pessoas que dêem a devida importância à variável ambiental. O licenciamento não é só um papel, é através dele que o órgão ambiental vai dizer quais são as medidas mitigadoras e compensatórias. Desse jeito, a mitigação não está no pacote de projetos”, explanou dos Santos, que acabou votando a favor da dispensa de estudo de impacto ambiental para o primeiro trecho da obra.
Salatiel Alves Araújo, secretário-adjunto da Sema, que presidia o conselho, não prestou esclarecimentos, mas fez uma mea-culpa. “Eu poderia responder como secretário-adjunto, mas na próxima reunião do Consema posso trazer alguém para dar essas explicações. Como o técnico da Sinfra disse, o que aconteceu é indesculpável”.
O conselho de meio ambiente do estado, instância máxima para discussão pública sobre questões ambientais em Mato Grosso, reduziu assim sua competência neste caso para deliberar sobre um detalhe perto de irregularidade tão mais relevante. “Acho pertinente a dispensa do estudo de impacto ambiental. Se a obra começou na hora errada não vem ao caso”, afirmou Jair de Freitas, do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).
“Nós temos que ser favoráveis à aprovação desse parecer. O impacto desse trecho não é significativo, a duplicação da estrada não vai causar grandes alterações ambientais. Além do mais, o parque tem 33 mil hectares, a rodovia não vai alterar praticamente nada. Os impactos já aconteceram quando a rodovia foi aberta”, disse José Juarez Pereira de Faria, da Sicme, se antecipando ao que o estudo de impacto ambiental deveria responder. Exaltado, ele creditou à duplicação da estrada a solução para tantos acidentes na estrada. “Todos os órgãos falam tanto da questão ambiental, mas ninguém condenou quem causou mortes por causa das estradas perigosas. Eu conheço vários países da Europa, lá as estradas são duplicadas e não têm nem ‘reserva permanente’. Por que aqui no Mato Grosso temos que criar tantos imbróglios para aprovar qualquer obra?”, reclamou.
Antes de falar em duplicação de uma estrada que corta unidades de conservação sem pensar em mais alternativas menos impactantes ao meio ambiente, outros governos já demonstraram que a inserção de radares nas rodovias e fiscalização mais rigorosa inibem excessos e salvam vidas. No Rio de Janeiro, a Lei Seca reduziu em 30% o número de vitimas em acidentes de trânsito.
Bathilde Abdalla, que representou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) com a experiência de quem já ocupou cargos no alto escalão da secretaria de meio ambiente de Mato Grosso, resolveu, ao final da discussão, falar com franqueza. “Existe pressa para aprovar dispensas de estudos de impacto ambiental, já votamos vários projetos nesse sentido. A secretaria vai precisar deste plenário para aprovar projetos para a Copa do Mundo, então não dá para ficar dispensando dessa maneira. É preciso bom senso”. Abdalla votou pela dispensa.
Antes, porém, sugeriu a criação de uma comissão temporária para que membros do conselho acompanhem o processo de licenciamento e saibam melhor sobre o que estão decidindo. A sugestão foi aprovada por unanimidade. Mas, a julgar pelas outras comissões instaladas pelo Consema, é difícil que dê frutos. “Entre 2008 e 2009 foram instaladas diversas comissões. Nenhuma deu resultado. Estão todas paralisadas. Se querem mais uma, tratem, conselheiros, de se comprometer”, solicitou o secretário-geral do Consema, José Valter Ribeiro.
Leia mais:
Licença ambiental, para quê?
Parecer da Sema recomendando dispensa do estudo de impacto ambiental do primeiro trecho da MT-251
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