Criado em 1921 pelo emigrante russo Ernest Beaux, a pedido da estilista francesa Coco Chanel, o renomado perfume “número 5” ganhou o mundo feminino e movimenta hoje um mercado bilionário. Em freeshops, 50 ml custam cerca de oitenta dólares, ou 150 reais.
Passadas quase nove décadas, um dos estimados oitenta ingredientes da fórmula ainda é o óleo essencial do pau-rosa, árvore típica das florestas tropicais da América do Sul. Outros perfumes, como Ungaro Pour Homme, também usam a matéria-prima, que tem sido substituída gradualmente por sintéticos. Em alguns países, é usada para inalações, banhos e massagens. Índios aproveitam o óleo para curar feridas e combater doenças de pele.
O negócio internacional exala um aroma agradável, mas boa parte da extração do pau-rosa (Aniba rosaeodora) em países amazônicos é historicamente ilegal. Números do governo apontam que as derrubadas da espécie superaram em mais de 500% a extração autorizada entre os anos de 2003 e 2008 .
Além disso, na produção do óleo a árvore é derrubada e triturada, ao contrário do que ocorre com o látex da seringueira ou o óleo da copaíba. Para se extrair em média dez quilos de essência, é necessária uma tonelada de pau-rosa, cuja madeira é raramente usada para móveis e canoas. “Já foi tentada a extração da essência de folhas e galhos, mas sem resultados muito positivos”, disse José Humberto Chaves, diretor de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas do Ibama.
Os primeiros registros de exploração vêm de 1883, quando a espécie foi coletada na Guiana Francesa e seu óleo destilado em Paris. O Brasil é hoje o único fornecedor mundial, mas a produção vem caindo e os preços disparando. Na década de 1980, chegou a 450 toneladas anuais, não ultrapassando cinquenta toneladas no início dos anos 2000.
Dados do Ministério da Indústria e Comércio mostram que, só no ano passado, o Brasil exportou 1,8 milhão de dólares, ou 17 toneladas do produto. Os maiores compradores foram, nessa ordem, Estados Unidos (1,3 milhão de dólares), França, Japão, Reino Unido e Alemanha. Nos dois primeiros meses deste ano, foram vendidas 3,2 toneladas, rendendo 379 mil dólares. O consumo interno é insignificante frente às exportações.
O pau-rosa faz parte da lista do Ibama de espécies em perigo de extinção desde 1992. Estima-se que em décadas de exploração, mais de oitocentas mil árvores tenham sido derrubadas no país. A espécie pode chegar a trinta metros de altura e dois de diâmetro, mas tem crescimento lento e muito disperso pelas florestas.
Antes fartamente encontrada em matas nativas da Venezuela, Colômbia, Equador, Guiana Francesa, Guiana, Peru e Suriname, além dos estados brasileiros do Pará e Amapá, o pau-rosa se restringe hoje praticamente ao Amazonas. E também a áreas de difícil acesso na fronteira entre o Amapá e a Guiana, próximo à nascente do rio Curua-Una, no Peru, e ainda a pequenas quantidades nas cercanias de Belém e ilha do Marajó, no Pará. A exploração desenfreada provocou o extermínio da árvore na maioria das regiões onde existia em maior quantidade.
Para tentar evitar o mesmo futuro que o descaso impôs à espécie em outras paragens, o Brasil vai propor seu controle mundial na próxima reunião trienal da Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Silvestres Ameaçadas de Extinção (Cites), que começou neste sábado (13), no Qatar (África). O acordo foi aprovado em Washington (Estados Unidos) em 1973. Tem hoje a assinatura de 175 países e reconhece que as compras e vendas globalizadas podem ameaçar a sobrevivência de animais, plantas e outras espécies. É dividido em três graduações, que trazem restrições brandas, rígidas ou extremamente fechadas às negociações. A inclusão de espécies pode ser sugerida por países importadores e exportadores, motivada quase sempre pelo comércio ilegal.
Controle positivo
Antes de voar para terras africanas, José Chaves comentou a O Eco que os países amazônicos declararam apoio ao controle do pau-rosa, com exceção da Guiana Francesa, e que a medida irá melhorar o gerenciamento sobre a extração e poderá ampliar a proteção de áreas com remanescentes da árvore. Em 2001, foi criada a floresta nacional do pau-rosa, em Maués (AM), com quase 830 mil hectares. “A aprovação do controle na Cites ampliará o uso racional e a fiscalização da espécie, pois os países signatários assumem compromissos com sua comercialização baseada em licenças ligadas à convenção”, disse.
Países da América Central e do Caribe também devem apoiar o movimento brasileiro, mas além da Guiana Francesa, há dúvida sobre o posicionamento dos grandes compradores de óleo essencial brasileiro, como Estados Unidos e França. Afinal, pressão sobre ilegais pode elevar preços da matéria-prima. Mas Chaves avalia que o mercado não será impactado de forma negativa, já que a proposta do Brasil prevê inclusão da espécie no chamado Anexo 2 da Cites, onde o comércio não é proibido, mas atrelado ao manejo de madeireiro regulado por órgãos oficiais.
Segundo Chaves, a proposta brasileira tem apoio dos produtores e do Ministério da Indústria e Comércio. “Quem respeita as regras não tem o que temer. A medida deve ajudar a eliminar a concorrência desleal dos ilegais e estimular o plantio da espécie”, comentou.
Outras espécies na CITES
Famílias inteiras de bromélias e cactos brasileiros figuram na listagem da Cites, além do xaxim, jacarandá-da-Bahia e mogno. As duas árvores emblemáticas cuja madeira é usada na produção de móveis e instrumentos musicais têm restrição a seu comércio internacional desde 1992 e 1998, respectivamente, mas não por iniciativa nacional. A proposta veio de países como Nicarágua e Guatemala. Em 2008 o pau-brasil também passou a sofrer restrições no comércio internacional, desta vez pela mão do Brasil.
De acordo com Paulo Adário, coordenador de Amazônia do Greenpeace, a listagem das árvores praticamente eliminou seu comércio ilegal. “O contrabando se complica tanto que os ilegais acabam buscando outras espécies”, disse. Por isso ele vê como positiva a iniciativa brasileira sobre o pau-rosa, mas avisa que a fiscalização deverá ser reforçada, sobre essa e outras espécies. “A inclusão na Cites mostra que o Brasil está se abrindo à indústria legal madeireira, mas também admite que o comércio internacional está impondo condições que o país não é capaz de controlar por si só”, ressaltou.
O governo também já pediu a inclusão do cedro-cheiroso (Cedrela odorata), mas no anexo menos restritivo da convenção, que não depende da aprovação dos países-membros. A madeira tem sido alvo da indústria pela escassez de outras espécies, por fiscalização ou extermínio. “Nas próximas reuniões da convenção devemos encaminhar propostas para outras espécies, como arraias de água doce da Amazônia”, informou Chaves.
Segundo Adário, há anos o cedro vem sofrendo forte pressão das madeireiras, por isso o movimento brasileiro deve ser acompanhado com atenção. “É uma sinalização de que há problema. Incluir a espécie no Anexo 3 não garante controle no mercado internacional, porque isso pode ser feito unilateralmente por qualquer país, enquanto as exportações não dependem de análises profundas sobre sustentabilidade da extração. Acendeu uma luz amarela sobre o cedro”, disse.
Estudo publicado na revista Nature, em maio de 2007, mostrou que o simples anúncio da entrada de uma espécie na Cites pode provocar um aumento de sua extração de até 400%, pois os exploradores fazem estoques do bicho ou planta, prevendo dificuldades futuras para seguirem com a ilegalidade. Conforme Richard Thomas, da Traffic, organização sediada no Reino Unido e dedicada a monitorar o comércio internacional de espécies, essa é uma realidade que precisa ser acompanhada de perto. “Sim, há indicativos do aumento de coletas antes das novas regras, mas igualmente novas espécies são alvo de coletores e colecionadores quando elas são logo descritas. O papel da Cites é justamente esse, proteger as especies do comércio excessivo”, comentou.
Listagem crescente
A Cites relaciona atualmente cerca de 33 mil animais e plantas cujo comércio internacional deve ser controlado para não colocar em risco sua sobrevivência. O mercado é bilionário e movimenta cerca de 350 milhões de espécimes por ano, conforme a IUCN (sigla em inglês para União Internacional para Conservação da Natureza). A ameaça cresce com desmatamento e outras formas de perdas de habitat, sem falar nas alterações do clima.
Para Thomas, da Traffic, listar animais e plantas na convenção pode realmente ser efetivo. Segundo ele, um dos melhores exemplos vêm da África. “Isso salvou rinocerontes da extinção, que estavam sendo eliminados nos anos 1970. Seus números aumentaram. Mas hoje há uma nova onda de caça”, contou.
O Brasil deve apoiar propostas de outros países para incluir na lista ursos polares, tigres, elefantes africanos, tubarões, atum-azul, gorilas, rinocerontes, antílopes e crocodilos. “Mesmo que algumas propostas não estejam bem fundamentadas, o Brasil as apoiará, até porque não tem comércio desse tipo de produto com países africanos, por exemplo”, comentou Chaves, do Ibama.
Mas essa posição depende da condução diplomática brasileira e das influências de ministérios como o da Pesca e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. A proteção dessas espécies contra sua comercialização desregrada também balança com as pressões político-econômicas de países ricos sobre mercados exportadores e importadores. O conjunto de propostas para a reunião da Cites pode ser conferido aqui.
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