Quem já quis opinar sobre uma palestra em andamento e teve que guardar o comentário para depois? A Conferência Internacional sobre Cidades Inovadoras, que aconteceu em Curitiba, começou “inovando” pela maneira de promover seu próprio debate, colocando comentários em tempo real dos “twitteros” que participavam do evento em telões laterais as mesas de discussão, o que volta e meia roubava a cena dos palestrantes. Por causa disso, o evento figurou entre os assuntos mais comentados no Brasil dentro da plataforma na semana passada.
A capital paranaense aproveitou a oportunidade para mostrar mais uma vez os resultados de investimentos em mobilidade urbana, iniciados ainda nos anos 80 com o sistema TransMilênio de corredores próprios para ônibus otimizados. O tópico foi reconhecido pelas prefeituras de Bengaluru, na Índia, Londres, Austin, nos EUA, e Lyon, na França, que também expuseram suas iniciativas de sustentabilidade consideradas inovadoras. Ao todo, 72 representantes de prefeituras ao redor do mundo participaram do encontro.
Segundo o ex-prefeito de Curitiba e urbanista Jaime Lerner, responsável pelo projeto do TransMilênio, foi desenvolvida uma “metronização do sistema de ônibus da cidade”. Ele ressaltou a necessidade da boa eficiência de mobilidade na superfície, em vez da aplicação dispendiosa de obras por novas linhas de metrô.
A Sytral, companhia de organização urbanística de Lyon, na França, deu um passo além. E mostrou que 70% da malha de transporte público local, composta por sistemas de metrô, Funicular, Tramway, Trolleys e mini-ônibus, é abastecida por energia elétrica. A maioria dos veículos é alimentado por painéis solares instalados nos tetos das garagens, e nenhuma obra viária é feita na cidade (de quase dois milhões de habitantes), sem que haja conexão com as redes de metrô ou ônibus.
Para Lerner, um exemplo do custo reduzido de uma inovação viária seriam as “ruas portáteis”, que trazem vitalidade a áreas urbanas em degradação. A idéia é usar módulos desmontáveis, que em questão de horas “encorpam” as laterais da rua, podendo servir de base para cafés, livrarias e lojas de flores. “Criatividade é cortar um zero do custo de um projeto, sustentabilidade é não custar nada”, pregou. A proposta das ruas portáteis deve virar realidade para revitalizar a região da pinacoteca de São Paulo, segundo Lerner.
“As cidades devem que ser projetadas para o convívio, estimulando a criação de cultura social, que molda o comportamento humano”, disse Adalberto Maluf, da Fundação Clinton. Ele apresentou soluções bem-sucedidas de urbanização na cidade de Nova Iorque, e enfatizou que o problema da mobilidade será resolvido com o investimento em soluções inovadoras e não através do aumento de infra-estruturas de circulação.
Mapas, sistemas de geo-referenciamento e acesso à internet foram considerados auxílios necessários a mobilidade do futuro. Mas o futuro pode ser bem mais simples. “Mais que nada, as pessoas têm que ser felizes em suas cidades. Para mim, uma boa cidade é a que eu possa ir de bicicleta para o trabalho”, disse Oscar Diaz, diretor de programas do ITPD (Institute for Transportation and Development Policy).
No quesito inovações em infra-estruturas, o prefeito de Austin, Will Wynn, trouxe o exemplo do sistema subterrâneo de resfriamento de água, feito por uma usina que armazena 33 mil toneladas de gelo e funciona como um ar-condicionado central da cidade texana. Segundo ele, o processo economiza 500 kw/h, dos aparelhos que as pessoas utilizariam individualmente.
Pequena grande cidade
Levando em conta os conceitos de cooperação social, o palestrante Augusto de Franco, articulador do site Escola de Redes ning.com, relacionou a tendência do surgimento de cidades-região e cidades-coligação, como a área metropolitana de Shutoken no Japão (formada por Tóquio, Kanagawa, Chiba e Saitama), como novas unidades econômicas significativas.
Essa tendência seria funcional para o fortalecimento de cidades de pequeno porte, e interessante para o Brasil, onde 80% dos municípios têm menos de 10 mil habitantes. A idéia é que as cidades continuem pequenas, mas estejam cada vez mais antenadas e envolvidas com assuntos globais.
Isso seria facilitado pela crescente popularização das ferramentas on-line de discussão e articulação social. Exemplos citados pelo professor americano de Efeitos Econômicos e Sociais das Tecnologias, Clay Shirky, foram o Kick Starter.com, site de busca de micro-patrocínios, e o Ushahidi.com, site de mapeamento de crises, como o terremoto no Haiti.
Jonas Rabinovich, da ONU, destacou nessa área a tendência do sistema de governo eletrônico, no qual cidadãos poderão “conversar” com o governo através de plataformas de serviço acessadas por telefone celular. Vale lembrar que 4 a cada 10 africanos já têm acesso ao aparelho, segundo a revista The Economist.
A Conferência deu espaço privilegiado às discussões sobre desenvolvimento social a partir da observação da natureza e do mundo virtual. Segundo Steven Johnson, estudioso da tecnologia digital, “a concorrência e a competitividade não são a força motriz principal da inovação”, e sim a criatividade e o senso de adaptação, observados nos ecossistemas.
O pensador francês da cybercultura, Pierre Lévy, pregou a necessidade de melhores instrumentos de filtragem da informação virtual. Segundo ele, só assim poderá se desenvolver uma espécie de inteligência coletiva ordenada, mas rejeitou a idéia de um futuro “robótico” explicando que “a cidade verdadeira emerge de um ciclo sensor, motor, criativo e não deixa de ser uma experiência perceptiva”, possibilitada apenas pela presença física das pessoas no meio social.
A Conferência terminou com o lançamento oficial de dois projetos: Curitiba 2030, ano em que a administração pretende que a cidade seja “uma das metrópoles mais sustentáveis do mundo”, e a Rede Global de Cidades Inovadoras, um domínio on-line criado para estimular discussões e articulações dentro do tema.
* Gabriela Machado André é jornalista em São Paulo.
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