Reportagens

“O Brasil não está preparado”

Diante de acidente com plataforma no Golfo do México, geógrafo Jules Souto volta a alertar para os riscos de se explorar o petróleo da camada pré-sal.

Gustavo Faleiros ·
12 de maio de 2010 · 15 anos atrás

Em setembro de 2009, o geógrafo Jules Souto balançou o auditório do V Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação ao criticar a estratégia brasileira de explorar o petróleo da camada pré-sal. Agora frente ao massivo vazamento de petróleo no Golfo do México (saiba mais aqui), ele se mostra ainda mais preocupado com a capacidade do Brasil enfrentar possíveis desastres ambientais em projetos costeiros. “Tanto a Bacia de Campos quanto a de Santos possuem unidades de produção relativamente próximas da costa, que não permitem tempo para a organização de medidas eficazes de contenção”, alerta. Professor da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), em Santa Catarina, Souto é estudioso de ambientes marítimos ultra profundos e também curador do Ecomuseu da instituição. Leia abaixo entrevista completa onde fala sobre a necessidade de preparar a marinha para lidar com a infra-estrutura do pré-sal e também sobre os riscos ao turismo e à pesca.

Quais são as implicações deste acidente no Golfo do México para a exploração de petróleo em profundidade.

Considero que praticamente nenhuma, pois este tipo de acidente já é contabilizado pelas empresas da mesma forma que uma empresa aérea possui uma comissão de crise em caso de queda de uma aeronave. Logicamente que há um impacto financeiro mas isso não afeta as ações da empresa como podemos imaginar visto que o produto da indústria petroleira é bastante estanque à opinião pública. Consumimos petróleo e seus derivados sem saber exatamente quem e onde foi produzido. O sistema de resseguros, assim como na indústria naval, atenua em muito os prejuízos da empresa afetada.

Você mencionou que a Petrobras não está preparada para explorar com segurança o pré-sal. Por que?

Porque ela utiliza os mesmos parâmetros de segurança das demais petroleiras, que são visivelmente deficientes e muito longe do ideal. É muito parecida com a tecnologia da espacial ou mesmo de “fórmula 1”, explorando os limites incessantemente e com isso carregando muitas indústrias na esteira. Quando aprendemos a explorar com segurança a uma determinada faixa, automaticamente passamos para outra. Na década de 1970 a Petrobrás explorava no limite o que hoje é “feijão com arroz”. O pré-sal é um salto macro, onde é necessário enterrar os parâmetros de segurança que até então foram estabelecidos.

Quais os investimentos ou medidas deveriam ser adotadas a partir de agora (com o acidente) para incrementar a segurança de exploração de petróleo nos oceanos?

Não é só agora, pois diversos protocolos foram redigidos com base na catástrofe do Exxon Valdez, só que os protocolos são incrementados com base principalmente em catástrofes, como na aviação, o problema é que algumas catástrofes são anunciadas pelas leis de probabilidade. O Brasil não teve a sua catástrofe, mas a probabilidade é que venha a ter. Ao meu ver, o primeiro passo é parcialmente desvincular a ação da empresa envolvida, criando comitês externos, treinamentos e equipamentos a instituições diversas. Sabemos que nossos IBAMA, ICMBio e demais órgãos ambientais estaduais e municipais não estão preparados para praticamente nenhuma situação de derrame massivo. Acredito que a única instituição que poderia atuar de forma organizada e imediata em nosso país seria a Marinha do Brasil, contudo ela precisaria receber instruções de técnicos especializados nestas crises ambientais de grande porte no oceano, sem falar em equipamentos! Como pequeno exemplo, lembro que de todas as 8 principais potências continentais do mundo, apenas o Brasil não possui um minisubmersível tripulado para profundidades elevadas, mesmo com a costa que tem e com tantos pleitos relativos a Zona Econômica Exclusiva. Tal equipamento deve ser incluído nos planos de nossa marinha o mais rápido possível.

No plano internacional é possível prever novas regulações ou normas para plataformas em alto mar?

O problema já está sendo tratado como um caso isolado, claro que reflete em revisões de medidas de segurança mas decididamente nada que impacte os orçamentos das empresas como eu acredito que deveria ser.

Considerando as características físicas e biológicas de nossos mares qual seria o impacto de um acidente como esse na costa brasileira. Por exemplo, o óleo chegaria rapidamente às nossas praias? Algum setor econômico seria duramente afetado?

Quando exponho estas questões tenho sido rotulado de catastrofista, isso é bem de nossa cultura, pois o brasileiro é otimista por natureza, uma identidade que ele formou com a adversidade financeira interna em décadas e por isso não gosta de planejar o que é ruim. O fato é que sempre tivemos mais sorte que juízo, essa é a verdade! A maior parte de nossas principais cidades estão no litoral ou muito próximas da costa, isso cria um colapso nas comunidades de baixa renda costeiras, assim como na pesca e principalmente no turismo. Tanto a Bacia de Campos quanto a de Santos possuem unidades de produção relativamente próximas da costa que não dariam tempo para a organização de medidas eficazes de contenção. Não tenho dúvida que nosso maior investimento de ação deva ser já considerando o óleo na praia, para isso não podemos contar com improvisos e sim com um batalhão de profissionais previamente treinados nas mais variadas áreas que incluem dos Centros de Reabilitação de Animais Marinhos até o mais básico que seria o destino do óleo retirado e principalmente a forma de transporte, questão nevrálgica nestes casos. Devemos lembrar que a maior perda seria ambiental e não econômica.

Saiba mais
Canivetes contra tanques de guerra – reportagem sobre críticas de Jules Souto ao plano brasileiro de explorar o pré-sal

  • Gustavo Faleiros

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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