Reportagens

As vozes do Jardim Botânico

Os raios do sol envolvem plantas, bichos e flores, colorindo o dia. Os pássaros dão início à lida diária, para deleite de quem está ali apenas para os observar.

Cristiane Prizibisczki ·
9 de junho de 2010 · 16 anos atrás

A cambacica voou ligeira por entre os galhos sobre os olhos atentos. Inconfundível, com seu canto forte e monótono, trazia um graveto fino no bico, pronta para fazer o ninho de pernoite, desengonçado e frouxo. Cambacica ou chupa-mel, chiquita, sebito, papa-banana ou cabeça-de-vaca. Tantos nomes para um único pássaro, tão comum quanto os lugares que habita. Tinha de estar também ali, no jardim paulistano.

Persistente em meio ao concreto, o Jardim Botânico de São Paulo, que já é bonito durante o dia, se mostra ainda mais sedutor nas primeiras horas da manhã. Gostoso de ver. Aos poucos, os raios do sol envolvem plantas, bichos e flores, colorindo o dia, dissipando a névoa e o sono de seus habitantes. Os pássaros dão início à lida diária, para deleite de quem está ali apenas para os observar.

Somos poucos, uma dúzia, no máximo.  Número bom para desvendar trilhas a que apenas alguns têm acesso, descobrindo os cantos que compõem a voz do Botânico. Logo no início da caminhada, por entre a mata fechada, o trinca-ferro cantou, atraindo olhares e ouvidos. Poucos o viram, todos o escutaram, peça rara na natureza da cidade. Traído pelo próprio canto, não ficou imune à cobiça do homem. Por que não se calou, trinca-ferro?

Os limites da área confundem. Em um deles, as vozes das aves, primatas e outros bichos se misturam. Não estão soltos, uma pena. Vivem sob a guarda do zoológico, vizinho barulhento do Botânico. Será que o trinca-ferro fugiu de lá? Viveria ele em bando ou sozinho,  perguntavam-se os atentos dos observadores, ansiosos pelo que encontrariam a seguir.

A lista oficial do Parque Estadual Fontes do Ipiranga, onde o Botânico está inserido, aponta 88 espécies, de 33 famílias. Deste total, apenas 15% delas são tipicamente florestais, o que indica que a maior parte da avifauna não é dependente de florestas e também pode ser encontrada em bairros um pouco mais arborizados da cidade. Mesmo assim, vale a pena um passeio.

Biguá, sabiá-laranjeira, quero-quero, periquito-rico, frango-d´água, irerê, pula-pula, bem-te-vi, tibira, pichororé, flautim. Todos estavam lá. A risadinha cantou notas agudas e descendentes, motivo de seu nome. O pica-pau-de-banda-branca martelou a árvore até saciar a fome e a marreca-ananaí  coloriu de verde e azul-brilhante o lago das ninféias.

Você viu, dona Marilena?

– É difícil focalizar no binóculo, disse Marilena Gugliotta, 72 anos, resumindo a dificuldade mais comum de quem é iniciante na observação. A paulistana, que há trinta anos vive em Itapecerica da Serra, há três decidiu conhecer melhor as aves. Faz bem.

Durante o passeio, até um jacupemba apareceu, para deleite de íris e câmeras. Papo vermelho e canto esquisito, deixou-se fotografar, descansando sobre um galho de palmeira, mordiscando algum alimento, mostrando sua beleza contestável.

A espécie, assim como tantas outras – naturais dali ou não, sobreviventes de caça e desmatamento, ainda desconhecidas para a área ou comuns na paisagem – encontrou no Botânico o seu jardim. Um bom lugar para se visitar.

PS: Clique na galeria para ir passando as fotos.

 

Serviço:

Passeio  – Trip on Jeep Ecoturismo e Aventura
Contatos: (11) 5543-5281
http://www.triponjeep.com.br/br/

* Fotos: Cristiane Prizibisczki e Wikipedia

Veja também
Vídeo – Um dia de birdwatcher
Fotografia – Avistar 2010: fotos vencedoras do concurso de observação de aves

  • Cristiane Prizibisczki

    Jornalista com quase 20 anos de experiência na cobertura de temas como conservação, biodiversidade, política ambiental e mudanças climáticas. Já escreveu para UOL, Editora Abril, Editora Globo e Ecosystem Marketplace e desde 2006 colabora com ((o))eco. Adora ser a voz dos bichos e das plantas.

Leia também

Notícias
19 de dezembro de 2025

STF derruba Marco Temporal, mas abre nova disputa sobre o futuro das Terras Indígenas

Análise mostra que, apesar da maioria contra a tese, votos introduzem condicionantes que preocupam povos indígenas e especialistas

Análises
19 de dezembro de 2025

Setor madeireiro do Amazonas cresce à sombra do desmatamento ilegal 

Falhas na fiscalização, ausência de governança e brechas abrem caminho para que madeira de desmate entre na cadeia de produção

Reportagens
19 de dezembro de 2025

Um novo sapinho aquece debates para criação de parque nacional

Nomeado com referência ao presidente Lula, o anfíbio é a 45ª espécie de um gênero exclusivo da Mata Atlântica brasileira

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.