A cambacica voou ligeira por entre os galhos sobre os olhos atentos. Inconfundível, com seu canto forte e monótono, trazia um graveto fino no bico, pronta para fazer o ninho de pernoite, desengonçado e frouxo. Cambacica ou chupa-mel, chiquita, sebito, papa-banana ou cabeça-de-vaca. Tantos nomes para um único pássaro, tão comum quanto os lugares que habita. Tinha de estar também ali, no jardim paulistano.
Persistente em meio ao concreto, o Jardim Botânico de São Paulo, que já é bonito durante o dia, se mostra ainda mais sedutor nas primeiras horas da manhã. Gostoso de ver. Aos poucos, os raios do sol envolvem plantas, bichos e flores, colorindo o dia, dissipando a névoa e o sono de seus habitantes. Os pássaros dão início à lida diária, para deleite de quem está ali apenas para os observar.
Somos poucos, uma dúzia, no máximo. Número bom para desvendar trilhas a que apenas alguns têm acesso, descobrindo os cantos que compõem a voz do Botânico. Logo no início da caminhada, por entre a mata fechada, o trinca-ferro cantou, atraindo olhares e ouvidos. Poucos o viram, todos o escutaram, peça rara na natureza da cidade. Traído pelo próprio canto, não ficou imune à cobiça do homem. Por que não se calou, trinca-ferro?
Os limites da área confundem. Em um deles, as vozes das aves, primatas e outros bichos se misturam. Não estão soltos, uma pena. Vivem sob a guarda do zoológico, vizinho barulhento do Botânico. Será que o trinca-ferro fugiu de lá? Viveria ele em bando ou sozinho, perguntavam-se os atentos dos observadores, ansiosos pelo que encontrariam a seguir.
A lista oficial do Parque Estadual Fontes do Ipiranga, onde o Botânico está inserido, aponta 88 espécies, de 33 famílias. Deste total, apenas 15% delas são tipicamente florestais, o que indica que a maior parte da avifauna não é dependente de florestas e também pode ser encontrada em bairros um pouco mais arborizados da cidade. Mesmo assim, vale a pena um passeio.
Biguá, sabiá-laranjeira, quero-quero, periquito-rico, frango-d´água, irerê, pula-pula, bem-te-vi, tibira, pichororé, flautim. Todos estavam lá. A risadinha cantou notas agudas e descendentes, motivo de seu nome. O pica-pau-de-banda-branca martelou a árvore até saciar a fome e a marreca-ananaí coloriu de verde e azul-brilhante o lago das ninféias.
Você viu, dona Marilena?
– É difícil focalizar no binóculo, disse Marilena Gugliotta, 72 anos, resumindo a dificuldade mais comum de quem é iniciante na observação. A paulistana, que há trinta anos vive em Itapecerica da Serra, há três decidiu conhecer melhor as aves. Faz bem.
Durante o passeio, até um jacupemba apareceu, para deleite de íris e câmeras. Papo vermelho e canto esquisito, deixou-se fotografar, descansando sobre um galho de palmeira, mordiscando algum alimento, mostrando sua beleza contestável.
A espécie, assim como tantas outras – naturais dali ou não, sobreviventes de caça e desmatamento, ainda desconhecidas para a área ou comuns na paisagem – encontrou no Botânico o seu jardim. Um bom lugar para se visitar.
PS: Clique na galeria para ir passando as fotos.
Serviço:
Passeio – Trip on Jeep Ecoturismo e Aventura
Contatos: (11) 5543-5281
http://www.triponjeep.com.br/br/
* Fotos: Cristiane Prizibisczki e Wikipedia
Veja também
Vídeo – Um dia de birdwatcher
Fotografia – Avistar 2010: fotos vencedoras do concurso de observação de aves
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