Nascido e criado em Copacabana, um dos bairros mais tradicionais do Rio de Janeiro, Marcelo Szpilman descobriu desde cedo a sua vocação para viver em contato com o mar. Ainda jovem, deslizava pelas ondas do Posto 6 em cima de uma prancha de surfe. Biólogo marinho formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele logo aposentou o instrumento para se dedicar a um mundo ainda mais distante da realidade urbana: a imensidão azul do interior dos oceanos.
Diretor do Instituto Ecológico Aqualung desde 1994, quando ele foi criado, Szpilman é especialista em tubarões. Em entrevista para o site O Eco, ele fala sobre a fobia de tubarões, os poucos registros de ataques a humanos e o declínio populacional assustador de diversas espécies nos últimos 20 anos em função do mercado de barbatanas. Predador topo da cadeia, sua ausência pode causar desequilíbrio não apenas debaixo d’água, mas também acima dela.
Confira, abaixo, a entrevista completa.
Os tubarões, em geral, vivem no imaginário de todos como seres perigosos, os maiores predadores do oceano. Esta fama faz sentido ?
Marcelo Szpilman: O filme do Steven Spielberg foi um divisor de águas. O medo do tubarão, na verdade, é fobia. A maiorias das pessoas que dizem ter medo, nunca, de fato, ficarão de frente com um. No mundo, há cerca de 400 espécies de tubarões conhecidos. No Brasil, este número cai para 88. Cinco são potencialmente perigosos: tubarão Branco, tubarão Tigre, Galha-Branca Oceânico, Mako e Cabeça-Chata. O macho deste último, aliás, é o bicho com maior testosterona do mundo, e trata-se da única espécie que entra e pode permanecer em água doce. As fêmeas parem o filhote ali, e este só faz o caminho de volta quando se sente seguro. Ele já foi visto no rio Amazonas, por exemplo. O tubarão não ataca homem por falta de peixe. Muitas vezes é erro de identificação. Os registros de ataques de cobras no mundo chegam a 250 mil por ano. De hipopótamos, 400 por ano. Os tubarões atacam os seres humanos, em média, 80 vezes por ano.
Na década de 90, Pernambuco entrou em estado de alerta em função de uma série de ataques de tubarões a surfistas e banhistas. Qual a explicação para estes incidentes?
Szpilman: Quando o Porto de Suape foi construído (na foz do rio Ipojuca, entre os municípios de Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho), as obras aconteceram em cima de um mangue, grande fonte de vida e alimento, inclusive para os tubarões. Além disso, fecharam as bocas de dois rios, usados historicamente pelas fêmeas da população de cabeças-chata da região para o parto. Isto deslocou a população para a grande Recife, especificamente na praia de Boa Viagem (uma das mais tradicionais da capital). O encontro destes animais com os seres humanos, uma novidade para ambos, gerou os ataques no início da década de 90. Houve um aprendizado de ambos, e os acidentes diminuíram muito. É preciso fazer um trabalho de educação ambiental.
Quais são, hoje, os principais impactos para os tubarões nos oceanos ao redor do planeta, e o quanto eles estão ameaçados?
Szpilman: Atualmente, estima-se que cerca de 100 milhões de tubarões são mortos nos oceanos. Os principais problemas são a pesca predatória, aquela feita de maneira incorreta, como rede de arrasto, e sobrepesca, a correta, mas feita muito além do limite de reposição natural da espécie. Lá fora até existe cota de pesca e há fiscalização. Aqui no Brasil a pesca só é limitada quando o animal encontra-se na lista de ameaçados de extinção. Mesmo assim, o controle não é feito.
Quais os principais objetivos destas atividades, por que o mercado do tubarão é tão valioso?
Szpilman: Na pesca predatória existe, por exemplo, a cápsula de cartilagem de tubarão. Na Costa Rica, uma fábrica apenas usa 235 mil tubarões por mês. Dizem que é anti-cancerígeno, mas não existem bases científicas que comprovem isto. Além disso, o mercado de barbatanas cresce cada vez mais. São cerca de 120 países envolvidos, e a maioria vende para a China. De 20 anos para cá, o país colocou 300 milhões de pessoas na classe média. Lá, sopa de barbatana é considerada status. Por isso, todo mundo quer consumir, mostrar poder de compra. Um quilo de barbatana é vendido por 50 dólares. Um quilo de carne, por sua vez, pode ser comprado por 1 dólar. O Brasil é um dos maiores pescadores de barbatana. Existe uma normativa do Ibama que proíbe ter mais de 5% de barbatana no peso dos produtos da embarcação. Caso contrário, significa que ele pegou apenas a barbatana, que é cerca de 5% do peso do animal, e jogou a carcaça fora. O mercado ilegal é muito forte na Ásia, mas basicamente China.
Qual foi o declínio populacional nas últimas décadas?
Szpilman: Apenas nos vinte últimos anos alguns tubarões reduziram em até 80% suas populações no Brasil e no mundo. Dois casos são os do Martelo eAzul. Em nosso país, 43% das espécies sofrem algum tipo de ameaça. Já existem regiões em que há o declínio quase total de espécies. Quase não há mais mangonas em algumas regiões de Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo. Também pesca-se muito tubarão, porque come-se carne, pele, fígado, usa-se cartilagem para ração.
E quais são os riscos para a saúde dos oceanos e os impactos ambientais que a redução nas populações de tubarões pode causar?
Szpilman: São dois principais: desequilíbrio na saúde dos oceanos e descontrole populacional de outras espécies. O tubarão alimenta-se muito de carniça, come os alimentos já em decomposição. Sem estes animais, as microbactérias se proliferam e pode haver problemas de oxigenação em todo o planeta. O tubarão também está no topo da cadeia alimentar. Quando elimina-se este animal, aquele que está logo abaixo aumenta muito, pois não tem mais predadores. Foi o que aconteceu, por exemplo, em uma baía australiana, na década de 80. Lá, acabaram os tubarões e a população de polvo multiplicou, causando sérios problemas para a lagosta, alimento deste último. A afirmativa vale também, por exemplo, para os ursos polares. Por ano, o governo canadense permite a matança de 300 mil focas (multiplicadas em virtude da queda no número de ursos polares) porque ela come muito bacalhau e o mercado deste bicho é enorme.
Como é a atuação do Projeto Tubarões no Brasil (PROTUBA), capitaneado pelo Instituto Ecológico Aqualung, e o que fazer para evitar a extinção destes animais?
Szpilman: A reprodução do tubarão é muito lenta, então é preciso reduzir o consumo. Algumas espécies vão acabar, infelizmente, como o Martelo. No Protuba realizamos pesquisas de campo e trabalhamos diretamente com o consumidor, para convencê-lo a não adquirir mais estes produtos. Sem demanda, não haverá mais a máfia.
Quais os melhores mergulhos que você já fez na vida?
Szpilman: O mergulho com o tubarão Tigre, na África do Sul, tem umas das melhores interações possíveis, porque eles ficam muito próximos de você, olham no seu olho. Aliás, vale dizer que o senso comum de que estes animais não enxergam bem é mentira. Eles têm uma visão muito apurada. O outro foi com o tubarão Branco, na Ilha de Guadalupe, no Pacífico. Neste caso ficamos dentro da jaula, e vemos aquele bicho poderoso, bonito, e a água é límpida. Ali, você mergulha com o mito.
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