Clique no mapa e use as ferramentas de zoom para explorar o mangue
|
Ou não. Como a Prefeitura do Recife tinha outros planos para o mangue pertencente ao estuário dos rios Jordão, Pina e Tejipió, o prefeito em exercício, Milton Coelho, tratou de assinar o decreto que regulamenta a área de 320,34 ha como parque municipal (o mangue da Estação Rádio Pina está inserido no parque), tão logo se tornou público o edital de licitação da Marinha.
A polêmica está formada. De um lado, a Marinha do Brasil que abriu processo de licitação colocando em jogo um terreno pertencente à União (e sob seus cuidados) e do outro a prefeitura da cidade – responsável por determinar uso a ser dado aos terrenos sob seus cuidados. Se valer a decisão do prefeito, o mangue se tornará parte do Parque Natural Municipal dos Manguezais Josué de Castro, em homenagem ao médico pernambucano que primeiro escreveu sobre o homem caranguejo e sua vida na lama.
Em especial depois do resultado do primeiro turno da eleição presidencial, o debate sobre o destino da área onde deságuam rios, sobre o equilíbrio do ecossistema estuarino e sobre a paisagem verde com o entorno urbano não consegue manter políticos longe (nem deve). As comissões de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa de Pernambuco e da Câmara dos Vereadores do Recife anunciaram que vão pedir esclarecimentos à Marinha, ao Serviço de Patrimônio da União, ao Ministério Público Federal e aos demais envolvidos.
A deputada Ceça Ribeiro (PSB), que preside a comissão, marcou a reunião para o dia 13 (de dezembro). “A Marinha do Brasil tem a obrigação de proteger o manguezal. Trata-se de uma área de proteção permanente (APP)”. O vereador Daniel Coelho (PV) planeja primeiro se informar sobre a legislação de proteção dos mangues e depois convocar os responsáveis pela venda da área. O Conselho Municipal de Meio Ambiente, ligado ao executivo, também pediu uma reunião extraordinária. O secretário de Meio Ambiente do Recife, Roberto Arrais, quer defender o interesse verde da cidade. “Esse é um espaço do qual não podemos abrir mão de forma alguma”.
Parque dos Manguezais
A ideia da prefeitura ao criar o Parque dos Manguezais Josué de Castro é estabelecer uma área verde, voltada para a contemplação, turismo e trabalhos científicos. Pelo decreto, apenas a construção de edificações de apoio ao estudo científico e estacionamento para as atividades de pesquisa será permitida, em áreas já aterradas.
Rico em biodiversidade, o mangue é um espaço onde as pesquisas são recorrentes. No caso do mangue encravado na Zona Sul do Recife, o debate sobre o seu futuro começou exatamente depois da divulgação do resultado de dois anos de investigação sobre a ocorrência de metais pesados no parque dos manguezais. O estudo foi feito pela química Hélida Philippini e serviu para defesa sua tese de doutorado no departamento de Oceonografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
O trabalho orientado pelos professores Sílvio de Macêdo, da UFPE, e Fátima Brayner, da Universidade de Pernambuco (UPE), revelou outra qualidade desse grande mangue urbano. Apesar de ter identificado uma concentração de zinco, manganês e cromo acima dos níveis aceitáveis, Hélida constatou que esses metais estavam protegidos pela lama do ecossistema. “O mangue criou uma barreira geoquímica e mantém esses elementos retidos”.
Hélida, que é coordenadora técnica da unidade Físico-Química e Biológica do Instituto de Tecnologia de Pernambuco (Itep), recolheu durante seu trabalho de campo sururus e mariscos (moluscos bivalves) e raízes, em diferentes profundidades, em oito pontos determinados ao longo das duas margens dos rios que formam o mangue. Os moluscos bivalves são velhos conhecidos dos programas de monitoramento ambiental por terem, como característica, a função de filtrar os elementos que absorve do ambiente. Hélida procurou por cromo, manganês, ferro, cobalto, níquel, cobre, zinco, cádmio, chumbo. Depois de realizar análises na lama do mangue, encontrou alta concentração de zinco, manganês e cromo. Na vegetação do mangue e nos mariscos e sururus capturados, nada foi verificado. “De alguma forma, a lama consegue reter esses metais”, analisa a pesquisadora, que também adverte. “Não sei até quando esse equilíbrio se manterá”.
A razão para sua advertência é simples. O parque dos manguezais é cercado por bairros populosos. Em um dos seus limites, em Boa Viagem, um grande empreendimento residencial, o Le Parc, serve de indicador da direção para a qual especulação imobiliária está caminhando. No outro extremo do parque, na região mais próxima à bacia do Pina, um shopping com pretensões superlativas e ao menos cinco torres de edifícios empresariais estão sendo levantados. Entre o centro de compras e o bairro de Boa Viagem, uma via elevada será construída sobre o mangue.
Hélida Philippini acredita que se o mangue for revolvido, se suas águas forem barradas ou iniciarem a dragagem do seu leito o equilíbrio estará comprometido e os metais pesados liberados para mariscos e sururus. Os moluscos são normalmente catados pela população pobre do entorno e vendidos para a classe média vizinha. O consumo acidental de manganês, cromo e zinco em níveis elevados podem causar doenças graves, degenerativas, câncer ou afetar o sistema nervoso central de forma irreversível.
A favor da manutenção do mangue e da criação do parque municipal se apresentaram os defensores do meio ambiente, os especuladores imobiliários, a classe média que planeja se mudar para um conjunto de apartamentos com vista para a natureza e políticos preocupados com as próximas eleições. Toda espécie de apoio, nesse caso, vale a pena.
Uma abaixo-assinado está no ar (Brasília Teimosa contra a venda, clique para ver), em busca de signatários a favor do parque municipal e contrário ao edital no qual a Marinha do Brasil licita o meio ambiente em troca de obras civis para moradia de oficiais, suboficiais e sargentos da arma.
Leia também
Novas espécies de sapos dão pistas sobre a história geológica da Amazônia
Exames de DNA feitos em duas espécies novas de sapos apontam para um ancestral comum, que viveu nas montanhas do norte do estado do Amazonas há 55 milhões de anos, revelando que a serra daquela região sofreu alterações significativas →
Documentário aborda as diversas facetas do fogo no Pantanal
“Fogo Pantanal Fogo” retrata o impacto devastador dos incêndios de 2024 sobre o cotidiano de ribeirinhos e pantaneiros e as consequências das queimadas para a biodiversidade →
R$ 100 milhões serão destinados à recuperação de vegetação nativa na Amazônia
Com dois primeiros editais lançados, programa Restaura Amazônia conta com recursos do Fundo Amazônia e da Petrobras →