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Mas quem passa pelo quilômetro 50 da BR 277, que liga Curitiba ao litoral paranaense, e olha atentamente, percebe algo diferente na vegetação às margens da estrada. Ali está localizado o projeto Serra Nativa, uma iniciativa da empresa norueguesa Norske Skog que pretende restaurar 1.300 hectares atualmente ocupados por pinus, uma espécie exótica – ou seja trazida de fora da região – com alto potencial de colonização, o que a torna invasora.
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A Norske Skog decidiu resolver o impacto do pinus em sua área para facilitar a formação de um mosaico de unidades de conservação, como os Parques Estaduais do Pau Oco (que tem uma parte na fazenda Arraial) e Marumbi, além dos campos de altitude preservados na Serra do Mar. O projeto não se trata de compensação ambiental.
A consultoria Silviconsult em parceria com Silvia Ziller, uma das maiores especialistas do tema no Brasil e diretora do Instituto Hórus, lideram a equipe.
Projeto no campo
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A execução da primeira etapa é complexa. Segundo Ziller, inicialmente está o conhecimento técnico, ou seja, identificar as espécies mais características da região na qual localiza-se a fazenda e iniciar a listagem daquelas principais. Entretanto, de modo geral, os viveiros produzem mais as frutíferas, e o que é imprescindível para a Serra Nativa são as plantas de crescimento rápido e que morrem entre 10 e 30 anos. Da lista ideal, portanto, foi necessário realizar um ajuste grande. A sorte, porém, sempre deve ser levada em conta. Foi o que aconteceu.
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O projeto, embora não tenha um estudo aprofundado sobre flora e fauna, utiliza a experiência de profissionais como Ziller. Além disso, os animais são registrados e observados, através de exemplos como pegadas de felinos e outros. Com isso, já é possível saber que existem, ali, capivaras e antas. Este último precisa de um grande território para circular. A conclusão é simples: o corredor com o restante da Serra do Mar está mantido.
Pinus em margens de rios
A área, dividida por talhões de pinus (que vivem lado a lado com porções de nativas), tem, de acordo com Rodrigo Ribeiro, 120 pessoas trabalhando, desde técnicos, chefes de equipe e funcionários de campo. Os pinus retirados são vendidos para duas serrarias. “Idealizamos o projeto para que ele seja autossustentável. Já temos mais de dois milhões de reais de déficit acumulado. Mas vamos tentar de todas as formas conseguir equilibrar os gastos com os recursos que entram. Fizemos o cálculo da venda da madeira e, claro, acompanhamos todo o trabalho das serrarias, para que mantenham o absoluto rigor técnico e ambiental. Ao todo, o Serra Nativa vai custar 10 milhões de reais”, diz.
Altamir Ribas, engenheiro florestal e consultor da Silviconsult, é um dos chefes do projeto diretamente na propriedade. Ele explica que todos os talhões são heterogêneos e há um planejamento prévio seguido pela escolha da metodologia a ser utilizada. Após a roçada dos pinus jovens, inicia-se a colheita. “A primeira coisa a ser feita depois é conter a erosão e, às vezes, fazer plantios de rápido crescimento”, avalia.
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“As análises devem ser caso a caso. As áreas em que fizemos apenas controle de capim ou química pontual são as melhores que existem lá dentro. O custo é baixo, porque precisa fazer apenas uma vez. O plantio ajuda, mas deve ser usado em situações específicas. Trata-se de um recurso adicional, não a regra do processo de restauração, até porque florestas plantadas são muito semelhantes, mas não iguais às originais”, completa a engenheira florestal do Hórus.
O passeio de carro pela propriedade, que está em todos os materiais de divulgação do IAP, segundo Capanezzi, mostra paisagens em franco processo de recuperação, estradas cobertas de lama (o que, às vezes, impede o acesso de automóveis), dá a noção da dificuldade de retirar pinus plantados quase dentro de rios e realça a inexistência de vida em matas homogêneas. Mas os resultados do Serra Nativa são animadores. De acordo com o “Relatório de Atividades – Julho a Dezembro de 2010”, o talhão 6, por exemplo, já tem 90% da colheita das exóticas invasoras finalizada. A expectativa é de que nos primeiros meses de 2012, a fase de monitoramento tenha início, para que os pinus não voltem e as suas sementes não se dispersem.
Assim, seis anos depois, quem passar de carro pelo quilômetro 50 da BR 277 não verá mais nenhuma diferença na paisagem.
Licenciamento complicado Mesmo diante de um cenário tão favorável, o processo que levou ao licenciamento das atividades do Serra Nativa foi lento. Enquanto a ideia parecia simples, ou seja, retirar as exóticas e restituir o ambiente natural, sua execução, já se sabia, seria difícil. Até 2004, as concessões de corte dos pinus eram emitidas pelo Ibama e o Instituto Ambiental do Paraná (IAP) para empresas que trabalhavam com exploração madeireira. Neste ano, porém, os dois órgãos interromperam as permissões para os clientes do consórcio que, historicamente, tinham direito ao manejo. De acordo com Odete Capanezzi, coordenadora do Programa de Combate a Exóticas no estado, a fazenda não tinha a documentação legal completa, pois ainda era posse. Por este motivo, tiveram que realizar os trâmites no cartório, domínio da área e, em seguida, averbar a reserva legal. “Sempre falamos que todas as coisas associadas ao nosso trabalho ambiental deveriam estar legalizadas. Eles estão fazendo um trabalho importante, mas os princípios legais deveriam estar cumpridos para que o início fosse possível. Em seguida, chegamos ao ideal”, completa. A confusão de interpretação legal, explica Ziller, foi um complicador. Para ela, há um déficit de informações técnicas no Brasil a respeito de espécies invasoras. Além disso, a legislação brasileira diz que as Áreas de Preservação Permanente são, em princípio, intocáveis. Estes fatores, juntos, dificultam a emissão de licenças, em virtude dos desafios de se encontrar um profissional com capacidade técnica e segurança suficientes para a permissão. “Quando houve o pedido para desbaste, não deixaram mexer nas beiras de rios (onde há muitos pinus na Fazenda Arraial) em função das APPs, o que é um equívoco. Caso houvessem respeitado a legislação quando a inclusão das exóticas começou, não teriam deixado plantar lá. É claro que há impacto na retirada da vegetação, mas é pontual, algo em torno de dois anos. É possível conviver com isto e fazer a gestão deste impacto. Em 2008, o Conama baixou uma norma dizendo que é de interesse social a remoção de espécies invasoras em APPs. Isto facilitou”, diz Silvia Ziller. |
**O jornalista Felipe Lobo Barroca viajou a convite da empresa Norske Skog
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Brilhante análise, Beto. Parabéns e obrigado por ela.