Em 2011, depois da participação no TEDxAmazônia, o engenheiro florestal Marcelo Marquesini teve um “click”: por que não construir, de maneira coletiva, uma escola para aprimorar a qualidade do ativismo e a incidência política? Uma das coisas mais “marteladas” durante este evento que aconteceu em Manaus (Amazonas) foi o mantra “ninguém faz nada sozinho”. Então por lá mesmo contou a história para a designer Gabi Juns. Ela abraçou a ideia, convidaram outros 13 sonhadores e, em julho do ano passado, a Escola de Ativismo e Mobilização para a Sustentabilidade já havia capacitado 25 pessoas, com direito a uma ação de mobilização voltada à pegada ecológica em uma feira de rua do bairro Vila Madalena, em São Paulo.
O segundo curso aconteceu em Brasília e teve 25 participantes. O terceiro, em Manaus, no começo de março, teve 18. Em todos, há uma etapa online com leitura de diversos textos, imersão em algum lugar isolado e de preferência longe de celulares e, por fim, duas semanas de novos estudos pela internet para discussões pós-imersão. Tive o prazer de participar da edição amazônica, composta por um grupo que reuniu líderes comunitários, pesquisadores da área socioambiental, ativistas e jornalistas.
Os temas levantados tinham como pano de fundo a Amazônia, espalhada por nove estados do país, alguns deles – como Pará, Maranhão, Mato Grosso – comumente destacados não apenas por seus índices de desmatamento, mas pela violência no campo, onde pessoas são ameaçadas e não raro mortas por defenderem um novo modelo de desenvolvimento, com floresta em pé, nas regiões onde vivem. Marquesini deixa claro que o objetivo da realização do curso na capital do Amazonas não foi combater a violência na região, mas observa que as ferramentas ensinadas podem ser bem úteis na realização de campanhas e do ativismo pacífico.
Direitos humanos e violência na Amazônia
Morre Zé Cláudio, símbolo de luta pela castanheira
Na mira dos pistoleiros
Na etapa de imersão, as aulas começavam cedo, às 8h da manhã, e terminavam tarde, por volta de 19h, com vários intervalos no meio. A equipe, multidisciplinar, garantiu diversidade de temas e atividades, de uma longa palestra com Marcus Barros, ex-presidente do Ibama (Marina Silva também já palestrou em cursos da escola), dinâmicas de grupo, técnicas de reação não violenta em ações ativistas a filmes que abordam muito bem o tema, caso de “A Batalha de Seattle”, longa de 2007 e que retrata uma história real, passada em 1999, de protestos contra o capitalismo durante encontro, em Seattle, da Organização Mundial de Comercio (OMC).
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Ao final da semana, os participantes foram convidados a pensar em campanhas e ações. Auto avaliação também fez parte do pacote de exercícios. A conclusão de muitos é que paixão para defender uma causa, por si só, não é suficiente. É preciso equilibrá-la com técnicas e estratégias e esperar por resultados que, às vezes, só são visíveis no longo prazo. Um bom exemplo é a campanha da pecuária, do Greenpeace. Dois anos e meio de trabalho resultaram no relatório “A Farra do Boi” e em denúncias de toda uma cadeia destrutiva da produção de carne que termina, muitas vezes, em produtos de grifes famosas no exterior, além de mais desmatamentos e escravidão nos rincões da Amazônia.
A pecuária globalizada da Amazônia
Na ocasião, frigoríficos comprometeram-se publicamente a não comprar mais gado de fazendeiros que, ilegalmente, colocavam a floresta abaixo para aumentar sua produção. A decisão chegou, inclusive, nas principais cadeias de supermercados do país.
Saiba mais sobre a Escola de Ativismo e suas atividades no bate papo que ((o)) eco teve com Marcelo Marquesini.
Cada curso é pensado de acordo com a região em que ele é oferecido?
Sim. Em São Paulo teve uma pegada mais urbana, em Brasília puxamos para o tema político e em Manaus, para o universo amazônico.
Você acredita que um curso de ativismo na Amazônia poderia, de alguma forma, favorecer o diálogo entre os atores da região?
A não violência, além de postura ética, é uma estratégia de ação política e uma técnica de ação, de não reagir à polícia, seguranças. Isso não se aplica aos casos de ameaça de morte, velada, como vemos na Amazônia. A gente ainda não parou pra pensar se as técnicas que possuímos surtiriam efeito contra essa violência causada por um misto de ausência do Estado e de governança somado à natureza de pessoas que acham que tudo se resolve na bala. O viés da Escola de Ativismo é o da ação baseada na não violência contra empresas e governo. Isso é bem diferente.
O que existe em comum entre todos os cursos já oferecidos? Onde entra a questão da sustentabilidade?
Duas coisas são comuns: conceitos e ferramentas de campanhas e uma abordagem sistêmica entre economia e sustentabilidade . Neste caso, estou falando de três coisas: um capacidade de suporte do planeta, economia ecológica, pois a Terra já não aguenta mais o crescimento baseado no consumo. Não há recursos naturais suficientes para isso. O segundo ponto é a sociologia econômica, ou seja, as relações com dinheiro, o capitalismo. Isso tudo existe e você tem que se perceber dentro deste sistema. O terceiro é a desigualdade social, tão importante quanto o combate a pobreza. Mas, se determinarmos que todas as donas de casa deveriam lavar roupa em suas próprias máquinas – algo que acho muito justo e digno – isso seria sustentável para o planeta? Dá uma discussão enorme.
A Escola de Ativismo, por enquanto, oferece somente o curso básico. Há previsão de aumentar o número de opções?
Os módulos que compõem o curso-base deverão ser transformados em cursos autônomos, permitindo uma elaboração e uma vivência mais aprofundadas dos temas e das práticas a eles correspondentes. Os participantes não só terão a oportunidade de conhecer e refletir com mais profundidade as questões e desafios do ativismo contemporâneo, como eventualmente poderão especializar-se em determinados temas, processos ou técnicas de ação. Num primeiro momento, teremos então a elaboração dos seguintes produtos de aprendizagem, fruto dos desdobramentos do curso-base: teoria e prática da ação não-violenta; planejamento e execução de campanhas; pesquisa e investigação para campanhas; comunicação e ativismo; ciberativismo; ação de rua: logística, planejamento, operação; aspectos jurídicos do ativismo; lobby, entre outros mais.
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