Reportagens

As drogas também impactam a natureza

Na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, estudantes investigam efeitos da contaminação das águas por drogas ilícitas e remédios comuns.

Gabriela Machado André ·
23 de outubro de 2012 · 12 anos atrás
A coordenadora Mônica Rocha, e o estudante Leonardo Moraes, seguidos pelas demais integrantes da equipe que realizou a pesquisa. Foto: Gabriela Machado
A coordenadora Mônica Rocha, e o estudante Leonardo Moraes, seguidos pelas demais integrantes da equipe que realizou a pesquisa. Foto: Gabriela Machado

As consequências do consumo de drogas ilícitas e remédios comuns não para nos indivíduos. Pesquisas estão mostrando os danos ambientais causados pela produção e descarte das substâncias químicas por trás desses compostos. Nesse ciclo, a natureza funciona não só como fonte das matérias-primas de elaboração, mas como sumidouro para as substâncias tóxicas já transformadas.

Esse ano, a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia teve o tema “Sustentabilidade, Economia Verde e Erradicação da Pobreza”. Inspirados por ele e pelo desafio de pesquisar um assunto pouco conhecido, estudantes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) escolheram se dedicar a entender o efeito ambiental das drogas.

“Esse projeto nos permitiu expandir a visão até um plano maior. Estávamos com uma visão de impacto apenas no indivíduo, no corpo humano. Aprendemos que a prevenção do uso de drogas pode se tornar mais do que uma ferramenta de higiene e saúde mas também de educação para o meio ambiente”,  explica Leonardo Moraes, estudante de Serviço Social e integrante da equipe.

A equipe é formada por integrantes do grupo de extensão do Programa de Educação Tutorial sobre Uso Indevido de Drogas, do Instituto de Ciências Biomédicas. São 18 alunos de diversas áreas de graduação, inclusive 12 bolsistas das regiões do Complexo da Maré, Penha e Olaria, áreas contempladas pelas oficinas do programa.

A professora e neurofarmacologista Mônica Rocha criou o grupo, e coordenou a pesquisa para a apresentação durante o evento – que no pilotis do prédio da reitoria na UFRJ, ganhou o nome de “Água para todos, água para a vida”.

Imagem representa a redução de biodiversidade causada por desmatamento em florestas que darão lugar a plantações de folha de coca. Fonte: The Ecologist
Imagem representa a redução de biodiversidade causada por desmatamento em florestas que darão lugar a plantações de folha de coca. Fonte: The Ecologist

Danos na produção e descarte

Entre as conclusões sobre os impactos da produção de drogas, foi apontado o uso de terra para a produção de tabaco, maconha e folha de coca, muitas vezes às custas de desmatamento e perda de biodiversidade. Além disso, é comum que o cultivo dessas plantas necessite do uso de agrotóxicos.

Impactos na atmosfera acontecem durante queimadas de plantações inteiras de maconha e folhas de coca, que ocorrem antes da polícia chegar nas regiões de plantio. A poluição também pode ser gerada durante o processo de secagem das folhas de tabaco, feito em estufas que requerem a queima de madeira, nem sempre proveniente de reflorestamento.

O problema do descarte inadequado engloba praticamente todas as drogas de origem química, com ênfase às bitucas de cigarro. São consumidos cerca de 140 milhões de cigarros  por ano no Brasil. O mal hábito de descartar bitucas no chão leva a contaminação pelos perigosos acetato de chumbo e nicotina, e outras cerca de 50 substâncias comprovadamente cancerígenas a rios e mares.

“Já existem provas de que os peixes e outros mamíferos engolem essas bitucas, e por fim, nós acabamos consumindo alimentos contaminados”, diz Mônica. O grupo apontou o dado encontrado pela Faculdade de Saúde Pública da USP de que duas bitucas são suficientes para contaminar um litro de água. A vida útil de um filtro de cigarro é de 2 a 5 anos no ambiente.

Iniciativas para amenizar a sujeira como os recipientes “inteligentes” Ecotuca e BotaBituca, para depósito de bitucas e cinzas, foram mostradas durante a feira. “Aqui no Brasil, há uma lei prestes a ser aprovada em Curitiba que irá multar em R$50,00 quem for pego descartando bitucas. Em São Paulo há uma solução mais tecnológica, uma máquina que divide as partes do cigarro para destiná-las corretamente à reciclagem, conta o estudante Leonardo.

Segundo Mônica, felizmente, a maioria dos resíduos gerados pelos consumidores de álcool – as latinhas de alumínio e garrafas de vidro – são amplamente reciclados. Porém, não deixam de afetar o ambiente após shows, especialmente na praia.

Já os medicamentos lícitos, prescritos como algo positivo para o bem-estar humano, quando descartados pelas pessoas no esgoto ou vaso sanitário podem afetar seriamente rios e peixes.

O ideal é que sejam levados a postos de saúde ou redes de farmácias com coletores adequados, como a Droga Raia e a Drogaria São Paulo.

Foto do interior de uma tilápia com bitucas de cigarro em seu organismo, para a campanha da Organização NoButts.org  Crédito: Scott Harben
Foto do interior de uma tilápia com bitucas de cigarro em seu organismo, para a campanha da Organização NoButts.org Crédito: Scott Harben

Rastros biotransformados no ambiente

Após terem sido consumidas, a maioria das substâncias são biotransformadas pelo corpo humano. Elas podem perder seu princípio ativo quando eliminadas ou serem tranformadas em outras substâncias ativas – são essas as encontradas em testes de dopping.

Segundo matéria publicada pela National Geographic em 2011, bioprodutos da cocaína, por exemplo, são encontrados em rios da Itália e Espanha, mesmo após suas águas terem passado por tratamento. De acordo com o estudo, não se podem descartar danos ao ser-humano causado por essas novas substâncias pouco pesquisadas. 

Em alguns casos, explica Mônica, o corpo não é capaz de fazer a transformação, eliminando medicamentos na composição original como é o caso da morfina, e do ansiolítico tarja-preta Valium ou Diazepan. Rastros de anticoncepcionais, anti-inflamatórios, antidepressivos e anti-convulsionantes podem ser encontrados em rios dos Estados Unidos.

Como se não bastasse o estrago, o descarte de ilícitas nas vias hídricas também acontece no estado original. “Há cerca de cinco anos, grupos de pesquisa vinham à UFRJ estudar os efeitos da cocaína no cérebro e eventualmente descartavam a substância no ralo”, conta Mônica. “Os pesquisadores começaram a se dar conta de que a nossa própria atividade poderia estar contaminando a Baía de Guanabara. Agora, mudamos a postura e guardamos os restantes em galões que serão retirados trimestralmente por caminhões de coleta de lixo hospitalar, e levados à incineração.”


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