Reportagens

Laurimar Leal e as cerâmicas tapajônicas do museu João Fonas

Coleção de peças dos povos tapajônicos está semi-abandonada e sobrevive graças à abnegação de um senhor que adora a história de sua região

Marcio Isensee e Sá ·
10 de julho de 2013 · 11 anos atrás
Laurimar, o abnegado administrador do museu João Fonas, posa em frente a um quadro antigo que retrata a figura da Justiça que, como ele, é cega. Foto: Marcio Isensee e Sá.

Na minha segunda pergunta sobre datas e eventos, o funcionário do museu embatucou. Por trás dele, vi um senhor de bengala lentamente caminhar até nós. Era Laurimar Leal, 74, auto declarado criador do museu João Fonas, que reúne um acervo que mistura cerâmicas pré-históricas – com mais de 6 mil anos –, quadros (pintados por Leal) de políticos contemporâneos, objetos antigos de épocas variadas e o esqueleto de uma baleia minke que morreu na foz do Tapajós há 2 anos, depois de nadar mais de 1.000 quilômetros desde o oceano, adentrando pelo rio Amazonas até a região em que os dois rio se encontram.

– Ele vai explicar para você, disse o funcionário.

Leal ficou cego há 6 anos devido a um glaucoma. Isso não impediu que rapidamente encontrasse a cadeira da mesa de recepção do museu e começasse a desfiar histórias sem fim.

Ele é uma celebridade local, dono de uma vida cheia de peripécias. Sua profissão é artista plástico, restaurador e pintor. É poliglota (estudou aramaico e grego nos tempos de escola e fala francês, inglês , italiano e espanhol) e cidadão do mundo. Estudou restauração em Paris e educou a voz de tenor no Rio de Janeiro, onde atuou no Teatro Municipal. Foi 6 vezes secretário de cultura de Santarém, é proprietário de uma reserva natural próxima à cidade, fundou a primeira escola de samba de Santarém e segue uma lista de aventuras que não caberia nessa post. Hoje, ele é o administrador do museu. Ganha um salário mínimo por mês.

Fachada do museu João Fonas. O prédio está melhor cuidado do que a coleção que abriga. Foto: Marcio Isensee e Sá.

O museu fica dentro de um casarão colonial histórico que começou a ser construído em 1853 e ficou pronto em 1868. “Aqui foi ministério público, fórum de justiça, câmara de vereadores, prisão pública, intendência municipal, prefeitura, biblioteca pública”, conta Leal. A primeira ocupação foi a intendência (similar à prefeitura) e prisão pública. Os administradores ficavam nas salas da frente e os presos em celas nos fundos. Segundo Leal, a função de cadeia se superpôs a de sede do legislativo (mistura que, no nível nacional, poderia voltar a ser conveniente nos dias de hoje). Na década de 60, todas as funções públicas já tinham se mudado para outros prédios e o casarão ficou no limbo, até ser reativado na década de 90, por Leal, claro, como centro cultural e mais tarde museu.

Um passado a ser descoberto

A parte principal do acervo do museu é uma coleção de cerâmicas e artefatos das civilizações que habitaram a região. No final da década de 80, Anna Roosevelt, arqueóloga norte-americana que leciona na Universidade de Illinois, fez uma série de descobertas sobre as cerâmicas de Santarém (ou Tapajônicas) e sobre as cerâmicas marajoaras. Ela é nada menos do que a neta Theodore Roosevelt, presidente dos EUA entre 1901 e 1909, que também se aventurou na Amazônia, onde contraiu malária, doença que o acompanhou para o resto da vida.

Cerâmica tapajônica de figura humana. Foto: Marcio Isensee e Sá.

Usando carbono-14, Anna descobriu que peças de cerâmica tapajônica tinham mais de 6 mil anos, mostrando que a região já era habitada por civilizações bastante sofisticadas muito antes do que se pensava. A coleção que está no museu reúne vasos e urnas mortuárias de tamanhos diversos, ornados com figuras humanas e de animais. Também inclui pontas de machados feitas de de pedra e flechas. Do lado de fora, o prédio do museu está em bom estado, mas a parte interna é decadente e a coleção arqueológica exposta de forma mambembe e sem quadros explicativos. Se recebesse um tratamento de museu classe A, seria uma atração suficiente para justificar uma viagem à Santarém. Os achados também mostram o quão pouco conhecemos dos nossos antepassados em terras brasileiras.

Despedimos-nos de Leal e de Jonas Lobato, 52, o funcionário do museu que nos recebeu. Já quase na porta, Leal nos diz com um jeito tímido: “se eu tiver exagerado, me gabado demais, cortem o excesso”. Concordamos com um sorriso e partimos para encontrar o padre Edilberto Cena, principal liderança do movimento Tapajós Vivo, ferrenho adversário do projeto de construir hidrelétricas no Tapajós. Mas essa história fica para um próximo post.

Abaixo, Leal canta uma música folclórica da região de Santarém. Ele diz que colecionou 63 cantigas do gênero que correm o risco de serem esquecidas.

 

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  • Marcio Isensee e Sá

    Marcio Isensee e Sá é fotógrafo e videomaker. Seu trabalho foca principalmente na cobertura de questões ambientais no Brasil.

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