Reportagens

No norte de Minas, guarda-parques têm muitos olhos

Projeto que capacitou funcionários da Reserva Veredas do Acari a usarem armadilhas fotográficas produz a primeira lista da fauna do lugar

Daniele Bragança ·
21 de janeiro de 2014 · 10 anos atrás
Casa do gerente da reserva, localizada no interior da reserva. Foto: Guilherme Ferreira/Instituto Biotrópicos.

A Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Veredas do Acari, localizada entre os municípios de Chapada Gaúcha e Urucuia, no norte de Minas, possui uma área de 70 mil hectares. Há 7 funcionários para tomar conta da reserva. Em maio, a unidade ganhou mais “olhos”: sete armadilhas fotográficas espalhadas pelo território para fotografar a fauna da região. A iniciativa permitiu criar a primeira lista de fauna do local. Criada em 2003 e ainda sem plano de manejo, esta RDS estadual não sabia quais espécies abrigava.

A novidade foi que os próprios guardas-parques fizeram a captura de imagens necessárias para produzir a primeira lista oficial da unidade. O norte de Minas Gerais concentra 70% da cobertura florestal e 80% dos grandes mamíferos do estado.

O Instituto Biotrópicos trabalha há 10 anos na região, estudando principalmente mamíferos e anfíbios. Partiu dele a proposta de capacitar guardas-parques de 4 unidades de conservação carentes de uma lista de espécies. “A ideia foi pegar o pessoal que trabalha nessas áreas que a gente não trabalha e treiná-los para que eles mesmos começassem a gerar a informação”, explica Guilherme Ferreira, biólogo do Biotrópicos, responsável pelo projeto que levou as câmeras para a unidade. Deu certo, pelo menos nas Veredas do Acari.

As 4 UCs nunca estudadas eram a Área de Proteção Ambiental (APA) Pandeiros; APA do Cochá e Gibão; o Refúgio de Vida Silvestre do Pandeiros e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Veredas do Acari. Todas estaduais.

A capacitação foi feita através de convênio que o Biotrópicos mantém com o IEF-MG (Instituto Estadual de Florestas), que gere as unidades de conservação do estado de Minas. Com apoio da rede ComCerrado, os 15 guardas-parques que participaram do curso de 2 dias, em Bonito de Minas, saíram com o equipamento em mãos, prontos para colocar a teoria em prática.

“Todos saíram da capacitação com um pouco de armadilha, pilha e filme. Nas outras unidades não rendeu como aqui [RDS Veredas do Acari]. As APAs [Áreas de Preservação Ambiental] perderam a gerência e o projeto parou. No refúgio também não rendeu muito, porque a área, por ser beira de rio, tem muito uso e o gerente está sempre com medo de colocar o equipamento e alguém furtar”, diz Ferreira.

Nas 3 UCs com mais dificuldades produziu-se 4 filmes cada uma e parou nisso. A Reserva Veredas do Acari produziu 35 filmes rodados em 7 meses de trabalho, que registraram 159 fotos de mamíferos de médio e grande porte: 41 registros de onça-parda (suçuarana) e 33 registros de lobo-guará, incluindo o inédito Lobo Guará de pele preta, que ainda não consta oficialmente na literatura especializada. Para Ferreira, o Lobo Guará preto pode ser um caso de melanismo e precisa de confirmação. A lista preliminar da unidade tem 12 espécies catalogadas. (ver tabela).

12 espécies registradas na RDS
Tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla)
Cachorro-do-mato (Cerdocyon thous)
Raposa-do-campo (Pseudalopex vetulus)
Lobo-guará (Chrysocyon brachyurus)
Gato-do-mato-pequeno (Leopardus tigrinus)
Jaguatirica (Leopardus pardalis)
Jaritataca (Conepatus semistriatus)
Suçuarana (Puma concolor)
Anta (Tapirus terrestris)
Caititu (Pecari tajacu)
Veado-catingueiro (Mazama gouazoubira)
Veado-campeiro (Ozotoceros bezoarticus)

 

Agora, um painel com 40 fotos tiradas em campo ornamenta a sede do Instituto Estadual de Florestas, localizada na Serra das Araras, município de Chapada Gaúcha. A sede é uma antiga casa transformada em escritório. A rua onde fica não é asfaltada, assim como boa parte das ruelas locais.

A armadilha

A caixa de plástico preto da armadilha fotográfica mede pouco mais do que um caderno grande e fica amarrada com arames numa árvore, a 30 ou 40 centímetros do solo. Ela é disparada por um sensor de calor. O maior custo é o da própria câmera, que chega a mil reais por modelo digital (a analógica não é mais fabricada). A manutenção não é cara e com treinamento pode ser manuseada por qualquer pessoa.

Na Veredas do Acari, participaram do treinamento do Instituto Biotrópicos os guardas-parques Ailton Barbosa Costa, João da Conceição Araújo e Valdir Lopes de Faria. Eles se encarregaram de ensinar a nova habilidade a outros guardas-parques interessados.

A atividade na reserva usou 7 câmeras, 6 analógicas e 1 digital, a última furtada no fim de novembro, para desespero de Cícero de Sá Barros, gerente da unidade de conservação. Os guardas-parques consideram que Cícero foi o principal motivador do trabalho. “Sem o incentivo dele, dificilmente teríamos realizado o trabalho”, diz Ailton Barbosa, um dos guarda-parques mais envolvidos com o projeto.

A câmera digital foi armada perto da estrada. Sem depender de filme, era a única que não precisava ser enviada até Januária, a 120 km da reserva, para saber se havia capturado imagem de bicho. Um cabo USB conectado no laptop bastava, não precisava nem desmontar a armadilha.

 

Em dezembro, ((o))eco foi à Veredas do Acari para acompanhar in loco o trabalho dos guardas-parques de produzir a lista da fauna local. Uma fileira com cerca de 30 buritis era o ponto de referência da primeira das 3 armadilhas fotográficas ainda espalhadas.

Do ponto até onde o carro poderia ir à armadilha, no meio da reserva, foram cerca de 100 metros a pé seguindo Ailton Barbosa. Naquela segunda-feira, 9 de dezembro, foram retiradas 2 armadilhas. Todas as 6 armadilhas restantes foram recolhidas no começo de dezembro, início da época de chuva.

Manter câmeras fotográficas espalhadas por unidades de conservação tem outras vantagens. Elas aumentaram a movimentação dos guardas-parques, o que inibe caçadores ilegais, um problema local recorrente.

A importância do papel desenvolvido pelos guardas-parques não substitui a presença de biólogos em campo, principalmente quando se precisa determinar se uma determinada população está decaindo ou não. “A ideia é gerar dado, é gerar informação, mas muito mais envolvê-los [guardas parques] nesse processo”, explica Guilherme Ferreira.

*Editada às 15h40, 23/01.

 

Leia Também
Lobo guará preto é registrado no norte de Minas Gerais
Registro de cachorro-vinagre no norte de Minas Gerais
Uma aventura selvagem, pela internet

  • Daniele Bragança

    Repórter e editora do site ((o))eco, especializada na cobertura de legislação e política ambiental.

Leia também

Notícias
28 de março de 2024

Estados inseridos no bioma Cerrado estudam unificação de dados sobre desmatamento

Ação é uma das previstas na força-tarefa criada pelo Governo Federal para conter destruição crescente do bioma

Salada Verde
28 de março de 2024

Uma bolada para a conservação no Paraná

Os estimados R$ 1,5 bilhão poderiam ser aplicados em unidades de conservação da natureza ou corredores ecológicos

Salada Verde
28 de março de 2024

Parque no RJ novamente puxa recorde de turismo em UCs federais

Essas áreas protegidas receberam no ano passado 23,7 milhões de visitantes, sendo metade disso nos parques nacionais

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.