Rio de Janeiro — Há menos de um mês para a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 20) a ser realizada em dezembro em Lima, no Peru, o prêmio Nobel e ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, fez o alerta: “Estamos em um ‘turning point’, é o futuro da humanidade que está em jogo, há tempo para o desespero e temos que acelerar as mudanças em meio à crise climática”.
Al Gore ganhou projeção como uma importante voz ambientalista em 2006 no documentário “Uma Verdade Inconveniente“, dirigido por Davis Guggenheim e apresentado pelo próprio Al Gore. O filme analisa o aquecimento global e apresenta uma série de dados para comprovar a relação que existe entre a ação do homem e o aumento na emissão de gases na atmosfera que aceleram o aquecimento global.
De passagem pelo Rio de Janeiro, ele falou para um público de 750 potenciais líderes globais no chamado Treinamento de Lideranças em Mudanças Climáticas. Esta é a 26ª edição desta capacitação internacional do Climate Reality Project, uma iniciativa da rede global de ativistas Climate Reality Leadership Corps, em parceria com a organização Amigos da Terra – Amazônia Brasileira. Esta foi a primeira vez que o treinamento foi realizado na América do Sul.
O Climate Reality Project é uma organização criada pelo prêmio Nobel Al Gore para formar líderes nesta área. A ideia é compor uma rede global de pessoas que possam influenciar decisões de governos e empresas. E ((o))eco estava lá e conta como foi o dia de treinamento. Al Gore fez pela manhã desta quarta-feira, 5 de novembro, uma palestra de duas horas e, durante à tarde, falou em pormenores sobre sua apresentação dando dicas e detalhes sobre mudanças climáticas aos presentes na plateia.
Dados e imagens impactantes
Al Gore seguiu a mesma tática usada no documentário para falar para o público do Treinamento de Lideranças em Mudanças Climáticas. O americano começou sua fala logo cedo às 8h30 e adotou as técnicas oratórias já bastante conhecidas: o prenúncio de catástrofes e desastres naturais, para depois servir de inspiração e destacar exemplos de sucesso que podem ser aplicados. Al Gore não economizou em frases de efeito.
Começou falando sobre o “vício da civilização” pelos combustíveis fosseis. Ele defende que os países devem anunciar cortes efetivos de emissões. Mas, na sua opinião, a verdadeira transição para uma economia de baixo carbono será em grande parte financiada pela iniciativa privada. O prêmio Nobel estima que será a um custo não menos de 224 bilhões de dólares.
“A crise climática é tão seria que os seres humanos não imaginam que estão mudando o clima do mundo. Os dias estão mais quentes, se continuarmos assim, não vamos mais reconhecer o planeta onde vivemos”, proferiu.
Diariamente, 10 milhões de toneladas de CO2
Todos os dias, 10 milhões de toneladas de CO2 são despejadas na fina camada que envolve a Terra. “Estamos mudando a composição química de nossa atmosfera e preenchendo com CO² e poluição”, disse.
“Estamos mudando a composição química de nossa atmosfera e preenchendo com CO2 e poluição”.
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Entre os setores que mais emitem dióxido de carbono, a queima de combustível fóssil responde por 85% das emissões globais, seguido do corte de florestas, mineração, transporte e o derretimento do permafrost – gelo permanente em que o carbono concentrado é liberado e exposto à luz do Sol. Esse carbono se converte em dióxido de carbono em ritmo 40% mais veloz. No mundo, há 13 milhões de quilômetros quadrados de permafrost distribuídos pelo Alasca, Canadá, Sibéria e partes da Europa. O aquecimento global poderá liberar carbono do permafrost na atmosfera suficiente para garantir uma elevação de 3ºC a temperatura global.
Logo de início, Al Gore não hesita em assustar a plateia com exemplos de catástrofes e tragédias pelo mundo. Os oceanos aquecem mais e geram anomalias de temperaturas na superfície do mar aumentando a intensidade de tufões como o Haiyan que atingiu as Filipinas, em novembro de 2013, e deixou 4 milhões de vítimas.
Esta última década teve a mais alta temperatura já registrada na história. “O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) diz que o futuro do planeta será perigoso para seres humanos trabalharem fora dos ambientes fechados”.
Ciclo hidrológico
Enquanto a crise climática tem a ver com a ocorrência de eventos mais extremos e severos, o ciclo hidrológico da Terra tem sido radicalmente alterado. “Em todos os continentes, temos maiores temperaturas e inundações mais fortes”, disse ao mostrar imagens das tragédias ocorridas na Região Serrana, em 2013, que deixaram um prejuízo de 1,2 bilhões de dólares. Foram mostradas ainda fotos de eventos climáticos que afetaram os municípios de Xerém e Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, em janeiro de 2013.
“Eventos assim estão por todos os lugares”, comentou ao mostrar casos nos Estados Unidos, Paquistão, França, outras regiões do Brasil, Itália e países africanos. “Até quando os países vão ter condições de arcar com a reconstrução de suas infraestruturas perdidas em razão de eventos climáticos?”, questionou. Para ele, construímos o mundo com pressupostos antigos. Agora, será preciso adequar às novas condições.
O aumento da temperatura prejudica e aprofunda ainda mais as crises humanitárias e conflitos no mundo. Al Gore se mostra não apenas interessado no tema, mas tenta demonstrar, durante sua palestra, que entende do assunto ao explicar que, ao passo que as temperaturas se elevam, as grandes secas também ocorrem. A seca no mundo aumentou desde 2000. Elas estão agora mais proeminentes.
Em fevereiro deste ano, 140 cidades brasileiras passaram a sofrer com escassez de água, destacou o americano. O impacto na agricultura também tem sido severo, pois a economia do país é baseada em 50% de produtos oriundos da agricultura.
“O Brasil liderou no mundo na produção de biocombustível, mas a produção de cana de açúcar está sendo impactada. O aumento das temperaturas tem efeitos na produção de alimentos e na instabilidade social. A segurança alimentar já está sendo impactada pelas mudanças climáticas”.
“Qual é o problema da falta d’água no Brasil? É o desmatamento da Amazônia. Existem rios voadores que levam umidade para o resto do país, a chamada evapotranspiração que regula o ciclo das chuvas. Se não houver mais árvores, não haverá mais rios voadores”.
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Al Gore mais uma vez quis mostrar-se antenado ao tentar destrinchar a crise hídrica que afeta o abastecimento nas cidades brasileiras. “Qual é o problema da falta d’água no Brasil? É o desmatamento da Amazônia. Existem rios voadores que levam umidade para o resto do país, a chamada evapotranspiração que regula o ciclo das chuvas. Se não houver mais árvores, não haverá mais rios voadores”.
Apesar de reconhecer os esforços feitos pelo Brasil, Al Gore coloca o país ao lado da Indonésia como os que estão no topo da lista de maiores desmatadores.
Era de extinção
No quesito biodiversidade, é taxativo ao denunciar que, nos últimos 40 anos, perdeu-se metade das espécies vivas no mundo. “Espero não estarmos próximo a uma era de extinção em massa de espécies. Temos o dever moral de sermos os guardiões do planeta”, defendeu.
Enquanto isso, o estresse hídrico pode gerar o secamento dos aquíferos no mundo. Seguindo a linha de uma visão apocalíptica à beira do colapso, Al Gore ainda introduz em sua apresentação conceitos bíblicos de Genesis, frases de efeito para manter o clima de tensão entre os participantes. Inclusive lançou mão de declarações do Papa: “Se destruirmos a obra da criação, a criação irá nos destruir”.
O americano apenas lembrou que todos estes desastres estão ocorrendo com apenas o aumento de 1º C na temperatura. “Estamos a caminho do aumento de temperatura para 4 ou até 6º C. As consequências seriam tão catastróficas, a civilização humana seria tão diferente que nem a reconheceríamos mais”, afirmou.
Como resolver
Aos poucos o Nobel tenta minimizar o choque causado na plateia. “Mas a gente pode e vai sobreviver a isso, só temos que pesar e entender o que está posto em jogo para sabermos o que fazer. Temos as soluções nas mãos e vamos resolver essa crise”.
Depois de quase duas horas de imagens e uma avalanche de dados e fatos apresentados aos novos líderes climáticos, Al Gore reservou o final para dar possíveis exemplos de boas práticas, muitos ainda em escala reduzida.
“Enquanto a principal fonte de energia no Brasil, a água, está acabando, há uma oportunidade de utilizarmos outras fontes”, comentou ao referir-se ao que chamou de energias verdes.
Na opinião do diretor do Climate Reality Porject, Mario Molina, a grande mensagem deixada pelo Nobel é que ainda é possível ter esperança, pois as soluções estão à mão. “É importante mostrar os impactos das mudanças climáticas desde inundações e secas, pois é a realidade que estamos vivendo. Al Gore não deixa uma mensagem exagerada, é a realidade que vivemos agora com somente 1º C de aumento na temperatura”, disse a ((o))eco.
Para Molina, além da tecnologia e do conhecimento para mudar é preciso mobilizar as pessoas para serem capazes de expressar seu desejo por mudança.
“Não podemos deixar que ultrapassemos de 2º C. Ainda podemos administrar e ter capacidade de lidar e adaptar. Se ultrapassarmos, realmente não temos ideia das consequências e dos impactos que teriam na civilização mundial”.
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