Reportagens

Baía de Guanabara: Mortandade de peixes ainda sem explicação

A pesca artesanal está em extinção, lamentam pescadores. Ilha de Paquetá é uma das muitas áreas impactadas por toneladas de sardinhas mortas.

Fabíola Ortiz ·
19 de novembro de 2014 · 10 anos atrás

Toneladas de savelhas (uma espécie de sardinha) têm sido recolhidas das praias de Paquetá. Segundo relato de moradores, os peixes morrem asfixiados. Fotos: Fabíola Ortiz
Toneladas de savelhas (uma espécie de sardinha) têm sido recolhidas das praias de Paquetá. Segundo relato de moradores, os peixes morrem asfixiados. Fotos: Fabíola Ortiz

Rio de Janeiro – “É o início do fim”. Este é o lamento de Marcelo Bueno, morador da Ilha de Paquetá e pescador desde criança. Com seu barco, ele costumava navegar pelas águas da Baía de Guanabara para pescar corvina, tainha e baiacu. Hoje, o pescador se contenta a catar siris nas faixas de areia das praias da pacata ilha localizada no fundo da baía.

“A pescaria está em extinção”. O alerta foi feito por Marcelo mas ecoa nas vozes de muitos pescadores que dedicavam suas vidas à pesca artesanal. Há quase um mês, toneladas de peixes têm sido encontradas em praias de municípios que margeiam a Baía de Guanabara, da Ilha do Governador, Paquetá à Magé. A grande mortandade ainda segue sendo um mistério para especialistas, pescadores e ativistas ambientais.

A reportagem de ((o))eco visitou nesta terça-feira, dia 18 de novembro, a Ilha de Paquetá para ouvir de moradores e pescadores o que pode estar ocorrendo. No trajeto de barca da Praça XV já é possível avistar peixes mortos boiando.

O odor de peixe podre ainda toma conta das ruas de Paquetá. O isolado bairro carioca preserva ares do início do século 20, as fachadas antigas das casas continuam intactas e uma vida tranquila sem barulho de carros dá o compasso do ritmo de Paquetá. O bairro que parece que estacionou no tempo sofre hoje os impactos diretos da poluição e contaminação da Baía de Guanabara.

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“Já pesquei muito aqui na baía”, lembra Frizolino Neto, de 52 anos, que por mais de vinte anos foi pescador. Hoje ele trabalha transportando material de construção do continente para a ilha. E às 6h30 da manhã ele já estava descarregando material numa das praias de Paquetá. “Venho aqui todo dia e tenho visto peixe morrendo. Eles pulam tanto antes de morrer como se fosse para tentar respirar. Só morreu savelha, nem os biólogos entendem. Nesse tempo todo que venho à ilha é a primeira vez que vejo algo parecido. É tanto peixe morrendo e não dá para entender. A gente achava que era poluição”, contou Frizolino.

A savelha que Seu Frizolino se refere é uma espécie de sardinha. Apesar de não ter valor comercial, ela é a base da cadeia alimentar de muitos pescados.

Aos 71 anos, Dona Glória passa mais dias em uma casa alugada na ilha que em Itaboraí, município da Baixada Fluminense onde reside. Todo dia de manhã cedo caminha pela orla de Paquetá com seu cachorro. “Desde 2000 frequento a ilha e nunca vi isso. Há uma semana o cheiro estava horrível e a água podre. De ponta a ponta era peixe morto. Estamos desconfiados de ser uma obra dessas empresas de petróleo”, comentou.

“Não dá mais para sobreviver de pesca”

Dona Maria Inês dos Santos
Dona Maria Inês dos Santos

Cada morador e pescador tem seu palpite do que pode estar ocasionando tamanha mortandade de peixes, tida como uma das maiores que a Baía de Guanabara sofreu depois do vazamento de óleo da Petrobras em 2000. No dia 18 de janeiro daquele ano, um duto da Petrobrás que ligava a Refinaria Duque de Caxias (Reduc) ao terminal Ilha d’Água, na Ilha do Governador, rompeu-se antes do raiar do dia, provocando um vazamento de 1,3 milhão de litros de óleo combustível nas águas da baía. A mancha se espalhou por 40km².

“Desde o acidente da Petrobras ninguém mais pode pescar. Não dá mais para sobreviver de pesca. A pesca hoje é só um biscate”

“Desde o acidente da Petrobras ninguém mais pode pescar. Não dá mais para sobreviver de pesca. A pesca hoje é só um biscate”, destacou Dona Maria Inês dos Santos, de 82 anos. Filha de pescador e casada com pescador, a idosa mora há oito décadas na casa que antes foi da colônia de pescadores de Paquetá, hoje desativada.

“Não descobriram ainda o porquê de o peixe estar morrendo. Ninguém sabe o que é. Dizem que é da água. Os peixes ficam tontos, eles se batem e vem morrer na praia”, descreveu.

O filho de Dona Inês, Luiz Claudio Santos, de 35, que pesca nas horas vagas, admite que tem percebido o aumento da temperatura da água ultimamente. “Ela está mais quente. Aqui na baía está muito difícil de viver do pescado. Quando tinha 18 anos, lembro que de manhã cedo pescávamos seis caixas cada uma de 35 kg de peixe fresquinho. Tinha até cavalo marinho e estrela do mar. É triste saber que a gente não vê mais”, lembrou. Luiz Claudio conversou com ((o))eco enquanto catava com a mão siri na praia de José Bonifácio e diz não ter medo de comer o siri que cata. Ele pesca desde os 14 anos, mas teve que buscar outra ocupação e hoje trabalha como gari.

A pescaria tem sido um complemento na renda de algumas famílias em Paquetá, muitos já deixaram o ofício pela dificuldade de pescar nas águas da baía. “Essa mortandade está demais e ninguém sabe a causa. Dizem que a água não está poluída, mas a Baía de Guanabara é o despejo de tudo. Alguma coisa está acontecendo, poluição de algum lugar, não é possível. Peixe não é bobo não”, argumentou Marcelo Bueno. Enquanto isso, ele está há cerca de quatro meses apenas catando siri e há pelo menos cinco meses não usa a rede para pescar na baía com seu barco. Pela falta de peixes, muitos pescadores de Paquetá estão inclusive comprando pescado para revender no mercado local.

“A baía aos poucos vai morrendo”

Mauro Gonçalves
Mauro Gonçalves

O aposentado de 62 anos, Mauro Gonçalves faz coro ao levantar a hipótese de envenenamento. “Não tem lógica dizer que só está morrendo sardinha, nunca teve essa mortandade nos meus anos todos de ilha”, salientou ao apontar para o terminal de gás na baía como um dos possíveis motivos.

Mauro, como muitos moradores da ilha, cobram uma resposta e uma informação precisa. “Não chegam a uma definição da causa. Os peixes agonizam e são muitas toneladas. Eu pesco de tarrafa e de linha e todo mundo está com medo de comer o peixe. A baía aos poucos vai morrendo. A gente queria é uma análise minuciosa nos peixes. O povo quer uma resposta. Gostaria de comer o peixe daqui, mas estou com medo”, ressaltou.

A Associação Homens e Mulheres do Mar (Ahomar) informou que tem recebido muitos relatos de pescadores e tem monitorado com frequência as praias dos sete municípios – Rio de Janeiro, Niterói, São Gonçalo, Guapimirim, Itaboraí, Magé e Duque de Caxias – banhados pela baía para tentar revelar o mistério.

“Fomos avisados pelos pescadores há pouco mais de um mês que havia alguma coisa errada. Era muita morte nos sete municípios. Nós pescadores somos os verdadeiros monitores da Baía de Guanabara e medidores do ecossistema. A gente sabe quando acontece alguma coisa antes de qualquer órgão”, disse a ((o))eco Alexandre Anderson de Souza, presidente da Ahomar. A associação fundada em 1998 que representa cerca de 4.200 pescadores artesanais.

Hipótese de envenenamento

Há cerca de um mês a Ilha de Paquetá, localizada na Baía de Guanabara, sofre com mortandade de peixes e proliferação de algas. Fotos: Fabíola Ortiz
Há cerca de um mês a Ilha de Paquetá, localizada na Baía de Guanabara, sofre com mortandade de peixes e proliferação de algas. Fotos: Fabíola Ortiz

 

“A Ahomar fez diligências com sua lancha, visitou inúmeras colônias de pesca e ouviu a revolta de pescadores que estavam sendo acusados por descarte de sardinha, uma vez que não tem valor comercial.”

Após o alerta ter soado, a Ahomar fez diligências com sua lancha, visitou inúmeras colônias de pesca e ouviu a revolta de pescadores que estavam sendo acusados por descarte de sardinha, uma vez que não tem valor comercial. “É um grande absurdo afirmar isso, só na Ilha de Paquetá são retiradas por dia 10 toneladas de peixes mortos. A mortandade é muito acentuada”, afirmou.

Hoje Anderson afirma estar certo que a causa de tal mortandade é oriunda de contaminação por agentes químicos. Em suas inúmeras viagens pela baía, ele visualizou tufas de vários de quilômetros de extensão. “A tufa é como se fosse um sabão, um detergente que fica em suspenso na água, uma lâmina amarronzada e amarela clara que faz um espelho transparente”, descreveu.

O presidente da associação afirma que ele próprio acompanhou uma tufa de 5 km na extensão e verificou que o peixe que entrava em contato com esse líquido morria. “Essa tufa está por toda a baía, próximo às praias e rios. Fazemos um monitoramento semanal e toda semana vemos. Ela não se dissipa, está em maior concentração no meio da baía, perto da ponte e próximo à Paquetá”, alertou.
Outra grave hipótese que pode estar gerando tamanha morte de pescados seria o descarte de gás. Só na baía existem seis terminais de gás. “Temos registro e verificamos que os terminais estão fazendo descarte de gás indiscriminadamente. Descarte que está sobrando nos navios, nas tubulações e também após a limpeza dos dutos”, argumentou.

Ele informou a ((o))eco que a Ahomar tem recebido relatos de moradores e pescadores de Paquetá de terem avistado um “grande vazamento num fim de tarde e noite”. “Eles escutaram o som da descarga de gás de um navio gaseiro, o vazamento persistiu a noite inteira”, disse ao levantar a possibilidade de ser algum agente químico usado no processo.

São graves as acusações feitas pelo presidente da associação que informou estar com material e documentos para entrar até esta sexta-feira, dia 21 de novembro, com uma representação no Ministério Público por crime ambiental. “Temos material filmado e fotografado. Vou também protocolar uma denúncia no IBAMA”, adiantou Anderson ao reivindicar que seja realizada uma análise independente.

Pesca artesanal em crise

Há pelo menos cinco meses, o pescador Marcelo Bueno deixou de pescar com seu barco pelas águas da Baía de Guanabara. Desde o início da mortandade, Bueno apenas cata siris na praia de José Bonifácio, em Paquetá. Foto: Fabíola Ortiz
Há pelo menos cinco meses, o pescador Marcelo Bueno deixou de pescar com seu barco pelas águas da Baía de Guanabara. Desde o início da mortandade, Bueno apenas cata siris na praia de José Bonifácio, em Paquetá. Foto: Fabíola Ortiz

Segundo a ONG Justiça Global, que também acompanha o caso, a “contaminação inexplicável” tem levado não só à morte de milhares de peixes como também coloca em risco o trabalho dos mais de mil pescadores artesanais da região.

Segundo comunicado divulgado pela organização, há registros de tartarugas e até botos encontrados mortos. A Associação Homens e Mulheres do Mar da Baía de Guanabara (Ahomar) tem recebido dezenas de relatos de pescadores que estão encontrando pouquíssimos peixes nas águas.

A pesca na baía tem sofrido forte declínio nos últimos anos, em grande parte, segundo a ONG, causada pela atividade da indústria petrolífera, “com dezenas de casos de contaminação, seja por vazamentos de tubulações, realizações de obras e limpezas de navios cargueiros”.

O comunicado prossegue ao indicar que o motivo das mortes pode estar relacionado a “obras e manobras ilegais de navios”.

“Os meses de setembro e novembro são o período da pesca do camarão cinza que já está em falta. Enquanto isso, a mortandade persiste.”

Os meses de setembro e novembro são o período da pesca do camarão cinza que já está em falta. Enquanto isso, a mortandade persiste. O presidente da Ahomar prevê um período de queda brusca da atividade pesqueira no próximo ano. Ele acendeu o sinal de alerta ao afirmar que é possível que a região sofra com desabastecimento de pescado.

“O nosso medo é que pode haver uma grande falta de peixes no próximo ano. A partir dessa mortandade grave, não vamos ter peixe por muito tempo”, denunciou.

O pouco peixe que ainda se pesca, a população já teme em consumir, lamentou Anderson. “Se essa sardinha está morrendo, ela está afetando outras espécies e pode não estar visível aos nossos olhos. Já estamos prevendo que vamos ter um problema sério de abastecimento”, alertou.

Análises do Inea

Laboratório de Bioquímica da Uerj coleta sangue de savelha para descobrir causa de mortandade. Foto: Divulgação Inea
Laboratório de Bioquímica da Uerj coleta sangue de savelha para descobrir causa de mortandade. Foto: Divulgação Inea

Nesta terça-feira, dia 18, técnicos do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), agentes da Coordenadoria Integrada de Combate aos Crimes Ambientais (Cicca) e especialistas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) recolheram amostras de savelhas vivas e mortas para realizar análises bioquímicas. O resultado servirá para identificar a causa da mortandade da espécie e deve ficar pronto dentro de 40 dias.

Já especialistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) fizeram análises de microalgas tóxicas e não encontraram relação com a mortandade até o momento. Agora, o que está sendo feito é a coleta de sangue para estudar os tecidos e as enzimas em savelhas saudáveis e mortas.

O Inea também está levantando as empresas que podem estar trabalhando com algum potencial poluidor específico que poderia causar a mortandade.

((o))eco entrou em contato com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente do Rio e o órgão informou que a Baía de Guanabara não é uma atribuição da Prefeitura. Já o Inea informou através de comunicado que, até então, as análises feitas não indicaram causas relacionadas a alterações na qualidade da água. Segue um trecho do comunicado divulgado à imprensa:

“O Inea realizou quatro incursões na Baía de Guanabara para coletar amostras de água para análises fisicoquímicas, microbiológicas e de fitoplâncton. A primeira foi realizada no dia 16 de outubro, data em que as mortandades de savelhas começaram a ser relatadas ao órgão ambiental. Nenhuma anormalidade foi identificada. No dia 24/10, além dos exames anteriores foi realizado teste de toxicidade, que deu negativo. No dia 28/10/2014, os mesmos testes foram repetidos e amostras de água foram encaminhadas a UERJ para possível detecção de microalgas tóxicas, o que não foi identificado. No último dia 04/11, todos os testes foram realizados novamente e amostras de água e peixes foram enviadas para análise na UFRJ para possível detecção de algas tóxicas ou anormalidades nas brânquias dos peixes. Novamente nada foi constatado. A reunião desta quinta-feira (06/11) teve por objetivo traçar as próximas estratégias de investigação do problema.”

Segundo o Inea, nenhum dos resultados das análises indicou a presença de qualquer substância química ou tóxica que possa estar causando a morte dos peixes. Os níveis de oxigênio presente na água apresentaram padrão normal para a Baía de Guanabara, informou o instituto. Assim como não foram encontradas florações de algas tóxicas nem visualizadas outras espécies de peixes agonizando ou morrendo, além de savelhas.

Uma das carcaças das tartarugas mortas está sendo analisada pelo Instituto Maqua, da UERJ. Mas até o momento, não haveria indicativos de que as mortes de savelhas e tartarugas marinhas estejam relacionadas.

O instituto informou ainda que todas as possibilidades estão sendo investigadas e consideradas. O Inea, contudo, admite que há “alguma anormalidade” para que tantas mortes de peixes ocorram, mas “não relacionada somente à qualidade da água”.

Vídeo: Pescadores da Baía de Guanabara denunciam mortandade de peixes

 

 

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  • Fabíola Ortiz

    Jornalista e historiadora. Nascida no Rio, cobre temas de desenvolvimento sustentável. Radicada na Alemanha.

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Comentários 1

  1. gabriel danuzio diz:

    boa noite Fabíola meu nome é Gabriel danuzio sou o representante dos pescadores da ilha de paqueta .e soube através do Sergio que você gostaria de está a par do que esta acontecendo . nós pescadores e moradores da ilha esperamos um resposta do laudo do inea [instituto nacional de enrolação alheia ] mais se você quiser dar uma volta de lancha para ver melhor de perto o que estão fazendo na baia de Guanabara estou a seu dispor um abraço aguardo contato .