Unidades de conservação são o melhor instrumento para a conservação da biodiversidade e serviços ambientais no largo prazo. Graças a elas espécies ameaçadas escaparam da extinção; recursos genéticos foram preservados e resultaram em descobertas científicas importantes para a medicina, a agricultura e processos industriais; recursos hídricos que abastecem cidades e hidrelétricas, bem como gigantescos estoques de carbono que regulam o clima têm sido mantidos; e muitas economias regionais floresceram graças ao turismo.
Entretanto, no Brasil, as unidades de conservação (UCs) ainda são vistas como um entrave ou estorvo ao “progresso”. Além do gritante desinteresse em expandir a rede de unidades de proteção integral evidenciado durante o último governo (ao contrário, houve mesmo significativa exclusão de milhares de hectares do sistema), as unidades de conservação têm sofrido com crônica falta de pessoal e de recursos financeiros. As desculpas para que o governo federal não cumpra seu dever são variadas, mas podem ser bem resumidas em falta de verbas e clara incapacidade administrativa, o que foi evidente no fiasco dos chamados “parques da copa”.
Existem algumas (poucas) iniciativas de conceder a exploração turística de UCs à iniciativa privada, como acontece nos parques nacionais do Iguaçu e Fernando de Noronha, modelo também adotado em algumas áreas estaduais. No entanto, o foco só na exploração turística nem sempre resolve problemas sérios da gestão das áreas, particularmente no que se refere à proteção das mesmas. Por exemplo, embora o Iguaçu seja a UC federal com maior arrecadação e tenha infraestrutura de visitação digna de um parque temático da Flórida, espécies icônicas, como as onças-pintadas, estão com suas populações em franco declínio, enquanto outras foram extintas porque o Estado falhou na proteção e manejo.
As UCs repetem uma tendência nacional onde aeroportos, rodovias e portos geridos pelo Estado funcionam com padrões abaixo daquilo que o público necessita. Como ocorre naqueles e outros casos, uma opção para garantir um melhor cenário é o envolvimento do setor privado no desenvolvimento e proteção de UCs. Não há novidade alguma nisso. Países como Quênia, Tanzânia, Botswana, Zâmbia e África do Sul há décadas realizam concessões de terras públicas, incluindo em parques, para o desenvolvimento de atividades turísticas por empresas privadas especializadas. E há casos de concessões integrais de UCs, como o da African Parks, que maneja sete parques em seis diferentes países (veja adiante).
O turismo pode sustentar o manejo e a proteção de algumas áreas, mas certamente não de todas. Por exemplo, quem e quantos iriam à Reserva Biológica do Gurupi, mesmo se ela fosse aberta à visitação? Outros mecanismos são necessários para que recursos da iniciativa privada sejam direcionados às UCs sem perfil turístico. Os mercados de serviços ambientais, especialmente o mercado de carbono, são uma opção viável para isso.
“O turismo pode sustentar o manejo e a proteção de algumas áreas, mas certamente não de todas.” |
Mercados de carbono, ainda que voluntários e baseados em princípios de responsabilidade social corporativa, já são uma realidade, sendo reportadas em 2012 a comercialização de 28 milhões de toneladas de carbono (MtCO2e) em créditos gerados por projetos de conservação de florestas num total de US$216 milhões conforme relatório do Ecosystem Marketplace. Claramente, projetos de REDD+ em UCs podem trazer oportunidades ímpares para combinar a efetiva proteção dos ecossistemas, programas sociais e rentabilidade financeira para UCs e investidores, não apenas em parques e reservas biológicas, mas também em florestas nacionais, que hoje são apenas objeto de extração madeireira de sustentabilidade ecológica cada vez mais discutível cientificamente.
Alguns países já criaram mecanismos que permitem o envolvimento do setor privado na conservação. Aqui mostramos dois exemplos:
Peru: contratos de administração
Nosso vizinho Peru tem uma legislação ambiental bastante sofisticada, com diversos instrumentos que nos faltam. Estes incluem concessões de terras públicas para fins de conservação, que podem funcionar de maneira ao modelo indonésio, que veremos adiante, e os contratos de administração de áreas naturais protegidas.
Lá o SERNANP, instituição peruana equivalente ao nosso ICMBio, pode encarregar uma organização sem fins lucrativos de executar o plano de manejo de uma unidade de conservação, o que pode implicar a administração total da área. Neste caso o concessionário pode, por exemplo, contratar guardas-parque que têm sua autoridade de polícia reconhecida pelo governo. Também há a possibilidade do contratado assumir apenas parte das operações, como turismo ou pesquisa, sem necessitar ter poder de polícia e assumir a responsabilidade pela proteção.
Esses contratos são assinados com entidades nacionais que, em geral, tomam a iniciativa de manifestar o interesse em gerir uma área e submetem seus planos de trabalho ao SERNANP. Os contratos podem durar 20 anos e ser renovados, garantindo ao contratado os direitos de comercialização de serviços ambientais, incluindo o sequestro de carbono, para a geração de recursos que serão aplicados nas áreas.
Atualmente há cinco unidades de conservação sob contratos de administração no Peru, destacando-se os casos do Parque Nacional Cordillera Azul (1,3 milhão de ha) manejado pelo CIMA e do Bosque de Proteccíon Alto Mayo (182 mil ha) sob gestão da Conservação Internacional (CI), sendo que este último, recentemente ganhou mídia ao vender créditos de carbono à Disney, dos Estados Unidos.
Uma limitação deste instrumento é que, até o momento, contratos só foram assinados com entidades sem finalidade de lucro, o que limita as possibilidades de atrair investidores. Essa barreira, idiossincrática, pode e tende a ser facilmente eliminada, no Peru ou em qualquer lugar. Por que não no Brasil?
Indonésia: concessões para restauração de ecossistemas
As terras na Indonésia são, basicamente, propriedade do governo, que as cede em concessões de duração variada a entidades privadas em troca do pagamento de taxas. Esse é um modelo bastante consolidado em projetos de exploração madeireira similares aos implantados no Brasil e segue um marco legal análogo.
Uma modalidade de concessão indonésia é a “concessão para restauração de ecossistemas“. Criadas em 2004, estas são concedidas em terras públicas classificadas como “florestas de produção” que, na maioria, tiveram o potencial econômico de seu estoque madeireiro esgotado, mas mantém a capacidade de regeneração natural e atributos importantes de biodiversidade. Estas concessões são outorgadas a empresas nacionais por períodos de até 100 anos (60 iniciais, renováveis por mais 40 anos) em troca do pagamento de licenças. O ponto importante é que o concessionário tem o direito de comercializar produtos florestais não madeiráveis e serviços ecossistêmicos como a proteção da biodiversidade, turismo, água e sequestro de carbono. Isso permite a geração de renda para a proteção e o manejo da área, que geram empregos locais e a remuneração dos investidores.
Um exemplo deste modelo é o Projeto Katingan, em Kalimantan Central, na ilha de Bornéu, que protege florestas que crescem sobre turfeiras onde vivem espécies ameaçadas como orangotangos. Uma das premissas básicas do projeto é o trabalho junto às comunidades que vivem no entorno, onde são contratados os trabalhadores do projeto, junto às quais são desenvolvidos iniciativas de estímulo a atividades econômicas sustentáveis.
“Como a remuneração dos investidores e das próprias comunidades depende da efetiva proteção da floresta para o aumento dos estoques de carbono da área, a razão para a proteção das florestas é facilmente entendida e assimilada como estímulo.” |
Como a remuneração dos investidores e das próprias comunidades depende da efetiva proteção da floresta para o aumento dos estoques de carbono da área, a razão para a proteção das florestas é facilmente entendida e assimilada como estímulo. O modelo de Katingan, que recebe considerável cobertura pela mídia é outro exemplo de mitigação de mudanças climáticas, conservação de biodiversidade e geração de renda local capitaneado pelo setor privado. De novo: por que não no Brasil?
Marcos legais que permitem a concessão de áreas protegidas a terceiros dando a estes poderes para protegê-las e manejá-las, além de também para buscar fundos, quer de doações como de investimentos via mercados (serviços ambientais, turismo, água, carbono, etc) permitiram o surgimento de entidades como a African Parks, já mencionada, e que maneja com sucesso sete parques nacionais em seis distintos países, nenhum deles considerado fácil por qualquer pessoa de mínima leitura e atualização geopolítica.
Congo-Brazzaville, Congo-Kinshasa, Chad, Zambia, Malawi e Rwanda, têm problemas bem mais graves que o Brasil, incluindo criminosos que dispõem de equipamento militar para matar elefantes e rinocerontes para o comércio de marfim e “chifres”. Apesar disso a African Parks desenvolve projetos exemplares. Um modelo de conservação no continente, combinando turismo de alto nível, geração de renda e trabalhos sociais junto às comunidades e sistemas de proteção altamente profissionais, a African Parks pretende construir um portfolio de 20 áreas e 10 milhões de hectares. Por que não no Brasil?
O Brasil, infelizmente, não possui um marco legal que permita o desenvolvimento de projetos como os descritos. A Lei de Concessões Florestais, que poderia ser usada em algumas áreas, equivocadamente incluiu um artigo que proíbe, explicitamente, o desenvolvimento de projetos de carbono pelos concessionários. Isso resulta na situação paradoxal de que árvores são cortadas, de maneira cientificamente considerada insustentável, mesmo se for mais rentável mantê-las vivas, em pé, gerando benefícios ambientais e efetivo pagamento por estes serviços.
Não é novidade que dependemos de ecossistemas funcionais e que precisamos conservar extensas áreas geográficas para o suprimento dos serviços ecossistêmicos. A novidade é que a nova economia dos serviços ambientais abre a perspectiva de a conservação se tornar uma atividade econômica rentável, da mesma forma que outras que estão destruindo os ecossistemas dos quais dependemos.
Isso muda totalmente a forma como a conservação pode funcionar. De uma atividade mendicante, baseada na filantropia e na boa vontade governamental, ela precisa e pode se tornar um negócio. Para isso é necessário o engajamento do setor privado, o que demanda não apenas uma mudança da atual postura estatista que prefere ver áreas destruídas a vê-las geridas pela iniciativa privada, como também marcos legais que pavimentem esse caminho, como já fizeram outros países.
Um caminho para isso são as parcerias público-privadas (PPPs), já celebradas para viabilizar obras de infraestrutura e que também podem viabilizar a conservação da infraestrutura natural da qual dependemos. Em outras palavras, o conceito existe e o mapa de rota está definido.
É duro ver a sétima economia do mundo com parques muito pior geridos que aqueles de países com problemas muito maiores e orçamentos muito menores. Isso pode mudar, mas é preciso querer, e fazer!
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