O município de São Félix do Xingu, no sul do Pará, campeão de desmatamentos na Amazônia em 2002, repetiu sua performance em 2003: perdeu outros 1.332 quilômetros quadrados de sua floresta tropical. Nos últimos anos, a área total do município que foi devastada corresponde a 9.210 quilômetros quadrados, o equivalente a duas Brasílias.
São Félix do Xingu também tem se destacado pelo grande número de queimadas detectadas pelo satélite norte-americano Noaa-12, cujas imagens são monitorados diariamente por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), de São José dos Campos (SP). Desde a semana passada, São Félix do Xingu está sob “alerta verde” – o termo utilizado pelos técnicos do Ministério do Meio Ambiente para designar os municípios amazônicos onde os focos de incêndio ameaçam a floresta.
Na rodovia PA-279, que vai de Xinguara a São Félix do Xingu, os sinais de fumaça estão por toda a parte. O fogo está sendo principalmente atiçado por fazendas de gado financiadas por dinheiro público, conseguido com a aprovação de projetos agropecuários na Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), recriada no governo Lula. Árvores frondosas deram lugar a capim. Mas o avanço da soja já é percebido em alguns trechos.
Somente nos últimos 10 dias foram computadas mais de 1.200 queimadas em São Félix do Xingu. Outros municípios das regiões sul e sudeste do Pará também ardem em chamas: Novo Progresso, às margens da rodovia Santarém-Cuiabá (BR-163), teve mais de 800 focos de calor e Altamira, na área de influência da rodovia Transamazônica, registrou 700 queimadas. Cumaru do Norte, mais de 600 na primeira quinzena de agosto.
Se São Félix do Xingu é o campeão de desmatamentos entre os municípios, o título na disputa entre os estados vai para Mato Grosso. Depois de liderar o país em número de focos de calor e registrar um aumento de 133% no total de áreas desmatadas no ano passado, o estado continua comandando, disparado na frente, o ranking do fogo na Amazônia. Isso apesar das queimadas estarem proibidas no estado desde 15 de julho – uma moratória que em teoria deveria estar em vigor até 15 de setembro. Desde o início do ano, Mato Grosso concentrou quase 30 mil (55,5%) dos 53.785 focos de calor detectados pelo sistema de monitoramento por satélite do Inpe, que registra as queimadas em tempo real.
O pesquisador Alberto Setzer, coordenador do programa de monitoramento de queimadas do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Inpe, não tem dúvidas em acusar as queimadas na região de ilegais. Além da proibição atual por decreto, segundo ele, o uso do fogo em vegetação é proibido pelo Código Florestal, exceto com a autorização expressa do Ibama. E o cenário, na realidade, deve ser bem pior. Os satélites Noaa, segundo Setzer, só conseguem registrar entre 60% e 70% das queimadas. Os instrumentos não têm como ver através de nuvens, e os focos de calor muitas vezes são muitos pequenos – possuem menos de 30 metros de frente – ou são extintos antes da passagem do satélite. “É preciso ter uma chama para fazer a detecção”, explica Setzer. Além das queimadas feitas pelos fazendeiros para a renovação de pastos no “verão amazônico”, que vai de junho a novembro, os pequenos agricultores derrubam e queimam a floresta por razões econômicas: sai mais barato queimar a mata do que comprar adubo para tratar o solo.
No ranking nacional dos estados campeões de queimadas, o Pará está em terceiro lugar, perdendo para Rondônia e Mato Grosso. Em Cumaru do Norte, fiscais do Ibama investigam denúncias de moradores da região sobre incêndios numa área de mata fechada equivalente a 6 mil campos de futebol. O local é de difícil acesso, sendo necessário o uso de helicópteros. Entre os municípios de Ourilândia do Norte, Cumaru do Norte, Água Azul e São Félix do Xingu, onde se concentram grandes fazendas de gado, os fazendeiros costumam promover a derrubada e queima de árvores para a formação de pasto.
Segundo maior estado da Federação, atrás apenas do Amazonas, o Pará tem um território com mais de 121 milhões de hectares de terras, mas dispõe de apenas 72 fiscais para cuidar de desmatamento, queimadas, extração ilegal de madeira e tráfico de animais silvestres. “O fogo faz parte da ecologia do cerrado, mas não da floresta”, diz o pesquisador Carlos Nobre, do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “Se o fogo prevalece numa área de transição, portanto, o ecossistema que vai ganhar a briga é o cerrado.” Modelos feitos por Nobre indicam que de 20% a 60% da Amazônia podem virar savana até o fim do século, levando em conta o desmatamento e o aquecimento global – sem contar o fogo.
Ambientalistas aguardam agora a divulgação, pelo Ministério do Meio Ambiente, dos dados referentes aos desmatamentos feitos na Amazônia brasileira entre agosto de 2003 e agosto deste ano. A taxa de desmatamento na Floresta Amazônica no período de agosto de 2002 a agosto de 2003 – já durante o governo Lula, portanto – assustou os ambientalistas, atingindo 23.750 km2. A área desmatada no período é a segunda maior já registrada na Amazônia, superada apenas pela marca histórica de 29.059 km2 de floresta devastados em 1995. O índice de desmatamento de 2002 foi revisado pelo governo e passou de 25.476 km2 para 23.266 km2. Abaixo, a relação dos municípios que mais desmataram em 2003, por hectares.
São Félix do Xingu | PA | 156,715 | 122,007 | 133,273 |
Uruará | PA | – | – | 70,817 |
Aripuanã | MT | 16,059 | 55,412 | 69,548 |
Tapurah | MT | 56,299 | 58,647 | 51,826 |
Novo Repartimento | PA | 153,023 | 22,402 | 51,167 |
Marabá | PA | 38,120 | 26,576 | 46,436 |
Porto Velho | RO | 22,258 | 20,665 | 45,587 |
Brasnorte | MT | 3,340 | 24,933 | 45,523 |
Novo Progresso | PA | 30,902 | 27,459 | 44,486 |
Nova Ubiratã | MT | 16,082 | 27,586 | 43,975 |
TOTAL | 492,799 | 385,685 | 602,638 |
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