Reportagens

Tucuruí em dobro

A hidrelétrica que afogou 285 mil hectares de floresta completa 20 anos dobrando a sua capacidade e desafiando antigas previsões de prejuízos ambientais.

Ronaldo Brasiliense ·
16 de setembro de 2004 · 20 anos atrás

A construção da segunda etapa da Usina Hidrelétrica Tucuruí é hoje a maior obra de construção civil do mundo ocidental. São 60 mil metros cúbicos de concreto usados a cada mês. Isso equivale a um Maracanã sendo construído por mês. Mais de cinco mil trabalhadores se revezam 24 horas por dia na construção da casa de forças, do muro de proteção da barragem e nas obras complementares da usina. Onze novos geradores de energia devem livrar as regiões Norte e Nordeste do risco de apagões.

Iniciada em 1998, a obra de expansão de Tucuruí deve terminar em 2006, quando a capacidade da usina vai dobrar, passando de 4.250 megawatts (MW) para 8.400 MW. Será então a terceira maior hidrelétrica do mundo, atrás apenas de Itaipu, com capacidade para gerar 14 mil MW divididos entre Brasil e Paraguai, e de Guri, na Venezuela, que gera 10 mil MW.

Tucuruí foi inaugurada em 1984, no apagar das luzes do regime militar, com números impressionantes e decisões que até hoje são contestadas. Para represar as águas do quinto maior rio do mundo – o Tocantins, que nasce no Planalto Central e percorre 2.400km até chegar ao Pará – foi formado um reservatório de 285 mil hectares, sete vezes o tamanho da Baía de Guanabara. De toda a floresta que havia na área, apenas 10 mil hectares, no entorno da barragem, foram desmatados. O restante foi sepultado debaixo do enorme lago que se formou. Vencedora da licitação para retirar a madeira submersa, a Agropecuária Capemi faliu, num dos últimos escândalos do regime militar.

Além da fauna e da flora que se perderam, a floresta afogada preocupou os ambientalistas desde antes da inauguração da obra. A decomposição das árvores submersas era considerada por muitos um passivo ambiental capaz de gerar graves problemas no futuro, pela liberação de gases tóxicos na atmosfera e contaminação das águas. Dizia-se que até mesmo o funcionamento das turbinas poderia ser afetado. Também houve quem previsse que as águas dos rios que banham Belém do Pará ficariam salinizadas porque o Oceano Atlântico teria espaços para ampliar sua força rumo ao continente, em conseqüência da menor vazão do rio Tocantins por causa da barragem em Tucuruí. Outra fonte de preocupação foi o fato de a Eletronorte (Centrais Elétricas do Norte do Brasil), responsável pela construção da hidrelétrica, ter autorizado a utilização de desfolhantes químicos na floresta tropical a ser inundada.

Até hoje nenhum estudo comprovou os danos ambientais previstos. Assim como nada aconteceu às turbinas de Brocopondo, no Suriname, Curuá-Una, em Santarém (PA), ou Balbina, no rio Uatumã (AM), hidrelétricas construídas há mais de três décadas em regiões de floresta tropical úmida, que também não foram retiradas.

Houve, é verdade, praga de mosquito, que se expandiu em algumas áreas forçando a remoção de comunidades ribeirinhas. Mas nada muito diferente da realidade de outras regiões da Amazônia brasileira, com seus inacreditáveis 5 milhões de quilômetros quadrados e muito mosquito por todo lado. Nada muito diferente da origem do nome Tucuruí, palavra que na língua indígena significa “Rio dos Gafanhotos” ou “Rio das Formigas”.

O superintendente de Meio Ambiente da Eletronorte, Antônio Ribeiro Coimbra, não acredita em desastre ambiental por causa da decomposição das árvores e suposta emissão de gases. Ao contrário: diz que os troncos submersos servem de abrigo para os peixes se reproduzirem. “É um ecossistema que cria um nicho para os peixes se reproduzirem, da mesma forma que acontece com um navio afundado, fornecendo ao mesmo tempo proteção contra a pesca predatória”, afirma Coimbra.

De fato, Tucuruí transformou-se no paraíso dos tucunarés, que atingiram uma superpopulação. Todos os anos, no mês de agosto, o lago abriga um dos mais importantes torneios de pesca do calendário amazônico – o Topam –, que atrai pescadores do mundo inteiro para duelos contra o voraz e saboroso tucunaré. “O reservatório da hidrelétrica de Tucuruí é um dos principais pontos de pesca esportiva do estado”, confirma o presidente da Companhia Paraense de Turismo (Paratur), Adenauer Góes.

Mas nem tudo são peixes na vida de Tucuruí. A barragem da hidrelétrica acabou com a navegação entre Belém (PA) e Palmas (TO). Governo após governo, renova-se a promessa de construção de uma eclusa que viabilizaria a utilização da hidrovia Araguaia–Tocantins. A obra, estimada em 60 milhões de reais, consistiria num sistema de transposição das águas para a passagem de embarcações, nos moldes do que é feito no Canal do Panamá. A eclusa interessa principalmente aos produtores de soja do Centro-Oeste, pois baratearia o transporte do produto e sua venda no mercado internacional.

E a floresta submersa, no fim das contas, deu prejuízo? Claro que sim! Num país como o Brasil, onde milhões de brasileiros não têm café, almoço e janta todo dia, como discursou o presidente Lula em sua posse, sepultaram bilhões de dólares em madeira tropical nobre sob as águas de rios amazônicos. Só os reservatórios de Tucuruí, no rio Tocantins, e Balbina, no rio Uatumã, inundaram mais de 500 mil hectares de floresta. Dinheiro jogado debaixo d’água.

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