Reportagens

O lixo que remove o lixo

Vários países europeus incineram lixo para gerar energia. O processo não é fácil e precisa ser integrado à coleta seletiva. Mas pode muito bem ser implantado aqui.

Carolina Mourão ·
24 de setembro de 2004 · 20 anos atrás

Transformar lixo em energia não é novidade e as tecnologias disponíveis não são novas. Desde os anos 80, os Estados Unidos, a Europa e o Japão têm usinas termelétricas que usam o lixo para gerar energia. Mais de 27 milhões de toneladas de resíduos urbanos e industriais são usadas por ano na geração de eletricidade e aquecimento em países como Alemanha, Itália e França. A transformação do lixo em energia tem níveis de emissão de poluentes bastante reduzidos e pouco impacto ambiental.

O Brasil não podia fazer o mesmo enquanto havia o monopólio estatal da energia elétrica. Mas com as mudanças regras para o setor elétrico, agora pode – pelo menos em teoria. Com a criação da ANEEL e do Mercado Atacadista de Energia (MAE), qualquer empresa no Brasil pode produzir energia e vendê-la, a qualquer consumidor. Na prática, o governo atual aumentou a burocracia e conferiu prioridade à geração hidrelétrica. Tudo precisa ser aprovado pelo Ministério das Minas e Energia. Se houvesse, porém, disposição das prefeituras e pressão da comunidade, ele acabaria adotando a energia do lixo como alternativa.

Mas, antes de chegar lá, há todo um caminho a percorrer. Gerar energia do lixo não é simples. O primeiro passo é adoção, pelas prefeituras, de coleta seletiva do lixo. Coisa que quase ninguém faz no país. A separação do lixo tira valor do rejeito: o lixo orgânico produz energia; vidro, papel, metal e plástico podem ser reciclados e valem dinheiro. Embora muito vantajosa, a coleta seletiva exige educação ambiental: das autoridades locais e da população. Até hoje, só os países mais desenvolvidos produzem energia a partir do lixo em volume significativo: têm mais educação e a coleta seletiva já é um hábito coletivo.

Na Suíça, todos os incineradores são equipados para geração de energia. A Suécia processa cerca de 1,5 milhões de toneladas métricas de resíduos sólidos urbanos (RSU) por ano. A Holanda quer recuperar 40% da energia a partir do lixo. Na Bélgica a recuperação térmica do lixo supre mais de 5% da eletricidade. Na França, 25 % do total de RSU são incinerados para a produção de energia.

O Brasil produz aproximadamente 120 mil toneladas de lixo por dia, 72 mil toneladas, 60%, são de lixo orgânico. Esse volume permitiria a implantação de um parque gerador com capacidade de 1.080 MW Cada usina com potência de 3MW, processaria 200 toneladas de lixo orgânico diários para atender frações de 30 mil habitantes. Isso permitiria aos municípios uma economia da ordem de R$ 1 bilhão por ano e de mais cerca de R$ 500 milhões hoje gastos em Aterros Sanitários. Ou seja, R$ 1, 5 bilhão / ano de economia.

Os gastos com a coleta e a disposição de resíduos representam entre 5% e 12% da arrecadação das prefeituras, valor muitas vezes superior à sua capacidade de investimento. Por isso há interesse do setor privado. É um investimento atraente com retorno garantido.

A fração seca também permite economias. O livro “Os Bilhões Perdidos no Lixo” (Ed. Humanitas, 1999, 3ª ed), mostra que, a cada tonelada de lixo domiciliar (reciclável) que se deixa de reciclar em São Paulo, deixa-se de ganhar perto de R$ 712,00. No total, estima-se que a perda anual seja de R$ 791 milhões, para as 1.112 mil t/ano de recicláveis descarregados nos aterros sanitários. No Brasil, como um todo, deixa-se de obter cerca de R$ 4,6 bilhões anuais com a parte do lixo domiciliar que não é reciclado.

As vantagens sociais são muitas também: geração de empregos, limpeza urbana, educação ambiental, renda a partir da seleção do lixo.

Os investimentos ficariam a cargo dos empresários, os quais poderiam se beneficiar da possibilidade de vender a energia elétrica gerada e adubo de excelente qualidade, além de cobrar uma taxa pela recepção do lixo. As indústrias contariam com uma fonte adicional e permanente de suprimento de energia. Convencidos e ambientalmente educados, os prefeitos das grandes e médias cidades poderiam iniciar projetos de parceria público-privada para transformar sua montanha de lixo em negócio.

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