Ao lançar mão, pelo segundo ano consecutivo, de uma Medida Provisória para liberar o plantio de soja transgênica, o governo colheu opiniões unânimes. Todas negativas.
“Politicamente a decisão é um escândalo. O governo mostrou total incapacidade de lidar com o assunto”, afirma Flávia Londres, da ONG ActionAid, que integra um grupo de organizações contra os transgênicos. É praticamente a mesma avaliação feita pelo presidente da Federação de Agricultura do Rio Grande do Sul, Carlos Speroto, que defende a legalização definitiva dos plantios geneticamente modificados. “O governo capitalizou um resultado negativo. Está sendo incapaz de firmar sua posição”, diz ele, referindo-se à franca oposição entre os ministros do Meio Ambiente, Marina Silva, e da Agricultura, Roberto Rodrigues.
A afinação das críticas repousa em razões divergentes. O agribusiness mais uma vez levou a melhor, mas os produtores de soja gaúchos cobram do governo uma postura mais decidida em favor dos transgênicos. “Ao encaminhar a Lei de Biossegurança para ser votada no Congresso, o governo manifestou sua posição oficial, que é a de liberar a soja transgênica. Não faz sentido demorar tanto para editar uma MP. Eles liberam o plantio três anos seguidos e vão dizer que são virgens? Os produtores não podem viver em liberdade condicional”, queixa-se Speroto.
A MP estabelece que os fazendeiros que plantam transgênicos, para regularizar sua situação, devem assinar um “Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta”, com informações sobre a propriedade e a área a ser cultivada. Isso revoltou o presidente da Federação de Agricultura. “É uma safadeza com quem quer produzir, uma humilhação ao produtor. Ele não é um criminoso”. Flávia Londres acha o Termo indispensável para o controle de quem está plantando transgênicos, mas também tem críticas à forma como ele é proposto na MP. “No ano passado, o Ministério da Agricultura recolheu as informações e não liberou para ninguém. O governador Roberto Requião queria controlar os transgênicos no Paraná e nem entrando na Justiça conseguiu os dados”, diz ela. Desta vez, a MP explicita que os TAC dizem respeito apenas aos órgãos federais. “Não faz sentido não compartilhar essas informações”, reclama.
Esta foi a única alteração no texto da MP em relação a 2003. O que representa, segundo Flávia, uma “microvitória” de Marina Silva. O diminutivo tem razão de ser. No geral, a ministra sofreu uma vergonhosa derrota política. Ela chegou a prometer publicamente que o governo não editaria a MP. No fim, apenas atuou para que o texto não saísse pior. Flávia conta que houve muita pressão para que a Medida Provisória liberasse definitivamente os transgênicos. “O Ministério da Agricultura e o Aloísio Mercadante advogaram fortemente para a MP ter o mesmo texto da Lei de Biossegurança do Senado”. Permanece também inalterado o artigo que proíbe a comercialização de sementes transgênicas, ou seja, só se pode plantar soja transgênica utilizando os grãos colhidos em safras anteriores. “A MP não amplia nada em relação ao ano passado”.
Apesar das “microvitórias”, a MP foi recebida como uma péssima notícia pelos opositores dos transgênicos. “Significa mais um ano sem estudos de impacto ambiental, sem avaliação de riscos para a saúde, sem regras de rotulagem e com aumento da área plantada”, enumera Flávia Londres. O dirigente máximo dos agricultores gaúchos considera esses argumentos “retrógrados, de gente que não quer que o Brasil seja competitivo”. Segundo Carlos Speroto, a Organização Mundial de Saúde e a FAO (órgão da ONU dedicado à alimentação e à agricultura) garantiram que os transgênicos são seguros à saúde humana e “já está mais do que provado” que o meio ambiente não é prejudicado. “Não existe risco de contaminação para outras culturas”.
Os transgênicos já são uma realidade nos 12 estados onde há produção de soja. É o que sustenta Speroto, reforçando o argumento de “fato consumado”. De sua parte, ele cultiva soja convencional para não ser acusado de defender interesses pessoais à frente da Federação. “Meus filhos me dizem que estou perdendo dinheiro”, diz. Eles sim, plantam transgênicos. O agrônomo Gabriel Fernandes, assessor técnico AS-PTA, outra ONG que combate os transgênicos, confirma a disseminação dos transgênicos, mas diz que 97,6% dos produtores estão mesmo no Rio Grande do Sul. A área plantada nos outros estados seria ínfima.
A discordância radical entre as partes sobre tudo o que envolva transgênicos só abre mesmo uma exceção: a atuação do governo na área tem sido um desastre.
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