Na segunda e terça, dias 20 e 21 de dezembro, o governo do Pará vai mostrar a nova cara da estrutura fundiária que ele quer implantar na Terra do Meio, a zona com maior intensidade de grilagem e desmatamento no estado. O mapa final, que foi longamente negociado com o Ibama e o Ministério do Meio Ambiente, mostra que a Terra do Meio vai virar um imenso Mosaico de Unidades de Conservação, com 8 milhões de hectares. Terá em seu miolo três grandes áreas de proteção integral – Parques Estaduais e provavelmente uma Estação Ecológica.
Nas bordas a Oeste, Norte e Nordeste, serão implantadas unidades de uso sustentável restrito, como Florestas Estaduais, onde a atividade econômica será regulada por concessão a interesses privados. A ponta Sudeste, principal porta de entrada para a pressão humana sobre a Terra do Meio, também será uma unidade de uso sustentável, mas a que menos restrições impõe à atividade econômica. Essa região será transformada numa Área de Proteção Ambiental (APA), o que na prática indica que as autoridades resolveram jogar a toalha e, ao invés de enfrentar, preferiram organizar a pressão e a bagunça fundiária.
A APA, pode-se afirmar, é um instrumento de privatização de terras públicas. Quem estiver ocupando solo dentro dela vai poder legalizar a situação uma vez que o novo mapa esteja regulamentado e implantado. Vira dono e faz na sua propriedade o que bem entender. Pode parecer uma capitulação das autoridades. Mas há por trás disso ótima razão. Essa região já está “detonada” do ponto de vista ambiental. Não vale o esforço de proteção. Portanto, optou-se apenas por implementar sua organização fundiária.
O desenho final da nova Terra do Meio, no final das contas, obedeceu mais à negociação política do que propriamente a critérios técnicos. Sentados em Brasília no início de dezembro, João Paulo Capobianco, do Ministério do Meio Ambiente, e Gabriel Guerreiro, secretário de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente do Pará, discutiram cada pedacinho do mapa que tinham à frente. Guerreiro, no geral, era favorável à implantação de unidades de uso sustentável – especialmente Florestas nacionais ou estaduais – mais do que áreas de proteção integral. Capobianco defendia o oposto. A diferença é mais de tática do que de estratégia.
Ambos estavam de acordo que a implantação de um Mosaico de Unidades de Conservação na Terra do Meio ajudaria a impor um mínimo de disciplina fundiária na região, o que é proritário, e ao mesmo tempo preservaria um quinhão importante de biodiversidade pressionado pela ação humana. Guerreiro, no entanto, é um homem que tem uma visão do assunto moldada pela sua presença muito próxima das trincheiras onde se trava a guerra pela preservação do meio ambiente e pela organização do uso do solo no estado. Sua experiência lhe ensinou a não acreditar muito naquilo que, para funcionar perfeito, precisa de governo.
Capobianco, do ponto de vista técnico considerado especialmente capaz por seus pares, ainda é pessoa que acha que decisões de governo, principalmente se respaldadas por vontade política, ainda são válidas. Foi em torno dessas diferenças que ocorreu a conversa dos dois no Ministério do Meio Ambiente. Seu resultado final deu empate. Guerreiro ganhou em alguns pontos. Por exemplo, ao Norte e a Oeste, ao longo do Rio Iriri, Brasília queria ver mais área na categoria de proteção integral. O secretário mostrou que a presença humana tornava essa redefinição letra morta logo de cara. Ganhou a discussão. Nas audiências públicas os presentes vão ver o mapa reservando essas áreas para florestas estaduais.
Ao sul, quem ganhou a discussão foi Capobianco. Ele conseguiu cercar a área de maior pressão antrópica com unidades de preservação integral, inclusive erigindo um Parque que corre do Sul para o Norte separando as duas maiores áreas de presença humana na Terra do Meio – a da BR-163 a Oeste, e a de São Felix do Xingu a Leste. Os técnicos do governo do Pará acham que isso é uma bobagem. Para início de conversa, argumentam que o critério principal para implantação de unidades de conservação de proteção integral deve ser a baixa presença humana nas bordas e no interior de uma região e o seu grau de biodiversidade.
No Parque que vai ser instalado para barrar o avanço em direção a Oeste, a presença humana é grande e, portanto, a densidade de biodiversidade muito baixa. Além disso, como os governos no Brasil não têm tradição de defender com unhas e dentes esse tipo de unidade, acham que podem estar sendo criados na região parques de papel. Resolve o problema fundiário, é verdade, mas não a questão ambiental. Eles defendiam a implantação de unidade de uso sustentável restrito na maior parte da Terra do Meio, como Florestas estaduais ou nacionais. Suas terras permanecem com o poder público, que pode entregar o cuidado e manejo em regime de concessão à interesses privados.
Os técnicos acreditam que na Amazônia de hoje, só mesmo empreendimentos florestais legalizados têm os recursos necessários para constituir um exército privado capaz de enfrentar outro exército privado muito atuante na região: o dos madeireiros e pecuaristas clandestinos. Com o redesenho da Terra do Meio, logo será possível saber quem tem razão.
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