Reportagens

A natureza ditará o futuro

20 milhões de dólares poderiam ter impedido a morte de 150 mil pessoas no Oceano Índico, em dezembro. Bastava ter dado crédito aos especialistas em tsunamis.

Sérgio Abranches ·
21 de janeiro de 2005 · 20 anos atrás

Um sistema de alerta sobre tsunamis com cobertura global não parece estar muito distante no futuro. É o que afirma o jornalista Douglas Mulhall, que escreve sobre tecnologia e meio ambiente. Ele defende o desenvolvimento imediato do sistema, para o qual afirma já existir a infra-estrutura necessária, no Grupo de Coordenação Internacional do Sistema de Alerta de Tsunamis do Pacífico.

O que a imprensa não divulgou, conta ele, é que em 2003 esse grupo já havia criado os mecanismos para extensão do sistema de alerta para a América Central, Europa, Atlântico Sul e Oceano Índico. Precisaria apenas de pequena quantia de recursos para pô-lo imediatamente em operação. Realmente, o custo para implantar um sistema de alerta global estimado pelo Centro de Alerta de Tsunamis do Havaí, de 10 a 20 milhões de dólares, não parece nada extraordinário diante dos bilhões perdidos com o último desastre, sem contar as vidas humanas que teriam sido salvas se a área estivesse coberta pelo sistema de alerta.

Mulhall é jornalista e autor de Our Molecular Future: How Nanotechnology, Robotics, Genetics and Artificial Intelligence Will Transform Our World, muito apreciado pelos futurólogos. Andou pelo Brasil, nos anos 90, desenvolvendo projetos de qualidade de água e criou O Instituto Ambiental, com um grupo de ecologistas brasileiros, que toca vários projetos de reciclagem, agricultura orgânica e gestão integrada de biossistemas.

Em artigo para a revista especializada em futurologia, The Futurist, sobre “como sobreviver a mega-desastres”, ele afirma que, hoje, temos condições de desenvolver a tecnologia que permita nos adaptar a desastres naturais de mega proporções, capazes de se tornar fenômenos de destruição em massa. Segundo ele, esses mega-desastres constituem um dos mais profundos desafios ambientais, porque o ciclo da natureza inclui rupturas periódicas que podem, simplesmente, causar a regressão da humanidade a estágios primitivos de vida.

Ele quer ver realizado um cenário positivo. Ao invés do cenário-de-fim-do-mundo da ficção de desastre, um cenário no qual “sobrevivemos ao Armageddon e a humanidade mal pararia para recuperar o fôlego após o choque de um desastre natural de larga escala. Ao contrário, reocuparíamos imediatamente as áreas devastadas, substituindo plantações e evitando a morte por inanição”. Nós estamos desenvolvendo os meios que tornariam esse cenário possível, acredita, mas, para “sobreviver no futuro, precisaríamos remodelar a nós mesmos e partes de nossa ecologia. Embora ainda não possamos descrever, detectar ou nos defender inteiramente de fenômenos naturais severos, está ficando claro que os ecologistas precisam levá-los a sério”, afirma.

Mulhall reconhece que, do ponto de vista ambiental, “a idéia de uma alteração ecológica cria um horrível dilema”. Seria necessário abandonar a resistências às novas tecnologias, como a biotecnologia, para criarmos condições de proteger nossa própria espécie. “Além de asteróides que podem destruir o planeta e catástrofes induzidas pelo ser humano, outros eventos naturais podem vir a constitui sérias ameaças no futuro. Entre eles se incluem erupções vulcânicas, terremotos com reação em cadeia, enchentes sem explicação, mudanças solares ou polares significativas, e chuvas recorrentes de meteoros. Podemos sobreviver a cada um deles, embora possam causar perdas de infra-estrutura, ruptura do ciclo agrícola ou contaminação por destroços industriais”, argumenta. Para isso, seria necessário que recorrêssemos a uma variada gama de tecnologias, baseadas em genética, robótica, inteligência artificial, e nanotecnologia, que nos ajudariam a nos adaptarmos aos extremos ambientais.

Mulhall escreveu esse artigo em 2001, muito antes da tsunami asiática. O que pareceria ficção científica ou, na melhor das hipóteses, exagero, então, já não parece tão absurdo, quando nos lembramos daquelas cenas dantescas.

  • Sérgio Abranches

    Mestre em Sociologia pela UnB e PhD em Ciência Política pela Universidade de Cornell

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