Reportagens

Morde e sopra

No curto prazo, madeireiros paraenses e Ibama caminham para o confronto. Mas a longo prazo, a perspectiva para os dois lados parece ser a de entendimento.

Manoel Francisco Brito ·
1 de fevereiro de 2005 · 20 anos atrás

No início da noite de terça-feira, dia 1º de fevereiro, técnicos do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente (MMA) reunidos em Brasília davam os retoques finais numa proposta a ser feita aos madeireiros paraenses para pôr fim ao confronto entre os dois lados que, desde o início de janeiro, vem sacudindo a região Oeste do estado. Ela preservava a posição dura que o Ibama assumiu em relação à exploração de madeira em terras cujos títulos de propriedade foram considerados irregulares, mas ainda não tinha sido oficialmente aprovada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.

A crise começou em dezembro, quando o Incra publicou decreto exigindo o recadastramento de propriedades entre 100 e 400 hectares no Pará. Logo depois, a gerência executiva do Ibama em Santarém, seguindo recomendação da Diretoria de Florestas do órgão, suspendeu 39 planos de manejo em áreas suspeitas de terem sido ocupadas ilegalmente. A indústria madeireira reagiu e começou a organizar protestos por toda a região. Madeireiros fecharam estradas, entre elas a BR-163, e chegaram a ensaiar inclusive o bloqueio dos canais de navegação nos rios Amazonas e Tapajós.

Através da União das Indústrias Florestais do Estado do Pará (Uniflor), eles usaram as manifestações para pressionar o Ibama a rever não apenas as suspensões, mas a abrir 33 áreas no Oeste do estado a planos de manejo florestal, um pedido feito em agosto do ano passado. Eles alegam que sem essas áreas dificilmente teriam condições de produzir uma safra capaz de atender à demanda da indústria na região, que o Ibama estima ser de 1,5 milhão de metros cúbicos de madeira para 2005.

“As novas áreas para planos de manejo estão em terras públicas e algumas delas se sobrepõem a terras indígenas, por exemplo. Isso torna a idéia inviável juridicamente”, diz um técnico do Ibama que ajudou a desenhar a proposta que está sendo examinada pela ministra. Quanto à revogação da decisão de suspender os 39 planos de manejo tomada pela gerência de Santarém, por enquanto considera-se difícil revê-la.

Para solucionar a questão da safra de madeira para atender à demanda da indústria no oeste do Pará em 2005, pensa-se num outro caminho. “Vamos focar na exploração da madeira em regime de manejo nos assentamentos do Incra na região”, diz o mesmo técnico. Segundo ele, além de beneficiar essas comunidades, a proposta desvincula a questão de manutenção da operação da indústria da apropriação do solo. “Esse pessoal precisa decidir se quer madeira ou se quer terra”, afirma.

Essas idéias não agradam aos madeireiros. Eles até acham, como lembra Justiniano Queiróz Neto, vice-presidente da União das Indústrias Florestais do Pará (Uniflor), que o corte de árvores em assentamentos de sem-terra é parte de uma solução geral para a legalização das atividades madeireiras no estado. Só não acreditam que ela seja factível no curto prazo. “Esses assentamentos são muito heterogêneos do ponto de vista social. Falta a quem está nele um mínimo de visão comum e tino empresarial”, afirma. “Não é coisa que se possa ensinar em curto espaço de tempo”.

Claro, não é essa a visão da turma que cuida do meio ambiente para o governo federal e, portanto, pode-se imaginar que o relacionamento entre as duas partes, pelo menos no curto prazo, ainda será marcado pelo confronto. No longo prazo, entretanto, elas parecem concordar mais do que discordar. O que se está discutindo em Brasília agora é para tentar solucionar o horizonte imediato, e não é o que os madeireiros querem. Mas o que ouvem em relação ao futuro mais distante soa como música.

“Para solucionar esses problemas de uma vez por todas, vamos ter que definir uma política florestal nacional, que inclui inclusive a licitação de concessões em florestas nacionais para projetos de manejo florestal”, disse recentemente outro funcionário do Ibama a lideranças da indústria da madeira no Pará, onde independente do que se discutia em Brasília, o governo do estado se mexia para tentar dar uma solução para a crise. Na verdade, de tudo o que se discutiu em Belém, as propostas mais concretas só seriam capazes de produzir resultados também no longo prazo.

Na tarde de segunda-feira, dia 31 de janeiro, uma reunião de pessoal técnico na Secretaria de Produção do estado discutiu maneiras de acelerar o processo de criação de Florestas Estaduais, que seriam abertas ao manejo florestal em regime de concessão. Faz algum tempo que o assunto está na pauta do governo paraense, mas até a recente crise entre os madeireiros e o Ibama, ele vinha sendo empurrado com a barriga, tanto por dificuldades jurídicas quanto técnicas.

No ano passado, havia uma proposta do Executivo para abrir as terras devolutas que pertencem ao estado à exploração legal da madeira. Tinha um caráter emergencial. A Procuradoria estadual produziu a documentação jurídica necessária para pô-la de pé, mas ela não passou pelo crivo do Ibama. A bagunça fundiária no Pará é tamanha que até hoje não se tem certeza de exatamente quais terras públicas dentro de seu território são de propriedade do estado e quais pertencem à União. Além do problema de titulação, a papelada preparada pelos procuradores paraenses esbarrou em objeções constitucionais levantadas pelo Ibama com base em parecer obtido junto ao Ministério Público federal.

Na reunião de segunda, ficou decidido que a Procuradoria vai tentar responder a elas o mais rápido possível. “É um modo de tentar solucionar a crise no curto prazo”, conta Paulo Barreto, pesquisador do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia, um dos presentes ao encontro na Secretaria de Produção. No longo prazo, o que o estado precisa mesmo é implementar o mais cedo possível a sua política florestal. A lei que permite fazer isso já foi inclusive aprovada pela Assembléia Legislativa. Mas nunca foi regulamentada. O governo agora quer fazer esta regulamentação o mais rápido possível, o que significa preparar a minuta do decreto e submetê-la à consulta pública – coisa que dificilmente fica pronta antes do fim do ano.

Só depois disso é que se pode proceder à criação das Florestas Estaduais. Já existem dois exercícios sobre suas eventuais localizações geográficas e ambos foram discutidos na reunião de segunda-feira em Belém. Um, do governo paraense, feito com auxílio dos técnicos do Imazon. “Identificou-se 4 áreas ao Norte, ao longo do eixo da Transamazônica”, diz Barreto. Além delas, há estudos sobre a possibilidade de se implantar outras duas Florestas Estaduais. Uma na região de Itaituba, na confluência da BR-163 com a própria Transamazônica. A outra ficaria na Terra do Meio. O segundo exercício, realizado pelo pessoal do ministério do Meio Ambiente, aponta para a possibilidade de criação de Florestas Estaduais no eixo da própria BR-163.

“Juntando as duas propostas”, soma Barreto, “dá cerca de 9 milhões de hectares de terra”. Ele explica, no entanto, que até chegar ao ponto de transformá-las em Florestas Estaduais – e tomando-se como certo que a lei de política florestal do estado será regulamentada – ainda vai demorar um tempo. Novamente, a definição esbarra na desorganização fundiária. Presume-se que quase 30% dessas terras sejam de propriedade do estado. O resto pertenceria à União. Mas não se tem absoluta certeza. Além disso, algumas já estão ocupadas por grileiros. De qualquer maneira, o Instituto de Terras do Pará vai iniciar o levantamento da situação fundiária dessa área.

“Foi dado um prazo de 90 dias para que isso fosse terminado”, diz Neto, o vice-presidente da Uniflor, também presente ao encontro que discutiu a criação das Florestas Estaduais. Ele avalia que a reunião foi positiva, mas que não vai ajudar a resolver a situação de conflagração em que certas áreas do estado se encontram desde que o Incra determinou o recadastramento de terras entre 100 e 400 hectares.

“Isso é coisa que talvez só comece a dar resultado no ano que vem”, afirma. “É legal definir o futuro, mas é importante também não esquecer do que está acontecendo no presente”. Sem querer esperar por uma posição do pessoal da área ambiental do governo federal, a liderança dos madeireiros resolveu levar seus problemas tanto de curto como de longo prazo até Brasília. Nessa quarta-feira, desembarcam na sede da Confederação Nacional da Indústria na capital federal pedindo apoio duplo da entidade. Um em favor da revogação da suspensão dos planos de manejo. O outro para pressionar por uma política florestal nacional.

De lá, seguem para o Senado, onde têm encontro marcado com o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), cujo berço político, o Maranhão, está intimamente ligado à indústria madeireira paraense. A maioria de seus trabalhadores é oriunda do estado onde nasceu o senador e todas as siderúrgicas que lá existem são movidas à carvão vegetal importado do Pará. Os madeireiros querem que ele pressione o governo federal para mandar ao Congresso o projeto de Lei que libera o manejo florestal em regime de concessão por 30 anos em Florestas Nacionais.

O texto, que saiu do ministério do Meio Ambiente, está nesse momento parado em alguma gaveta da Casa Civil de José Dirceu. O deputado federal Fernando Gabeira (sem partido-RJ) acha positiva a pressão para tornar público o projeto. “Esse é um problema com o atual governo”, diz. “Sua agenda legislativa não anda e nunca é clara. É importante saber o que ele realmente propõe como política florestal”, diz.

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