Reportagens

A invasão do Brasil: UCs federais já registraram 290 espécies invasoras

Animais e plantas invasoras já dominam mais da metade das unidades de conservação federais do país. Abelha-europeia e mangueira são líderes da bioinvasão

Duda Menegassi ·
19 de fevereiro de 2025

Jaqueira, pombo-comum, javali e coral-sol. O que essas quatro espécies citadas têm em comum? Nenhuma delas é nativa do Brasil, apesar de estarem amplamente disseminadas pelo país. Esses forasteiros que ganham o nome de espécies exóticas e invasoras estão entre as principais ameaças à biodiversidade local. Ao todo, o ICMBio já tem registros da existência de 290 delas, entre fauna e flora, presentes em mais da metade das unidades de conservação (UCs) federais, com mais de 2.300 registros espalhados por todo país. As regiões sudeste e centro-oeste são as com maior número de casos de invasão. Os dados são da lista de espécies exóticas e invasoras em UCs federais, publicada pelo órgão ambiental na última semana.

“É a primeira lista oficial de espécies exóticas invasoras em nível federal, específica para as unidades de conservação, e isso traz o nosso primeiro diagnóstico para que a gente possa trabalhar em políticas públicas e instrumentos de gestão para as unidades de conservação que têm esse dever de proteger a biodiversidade”, destaca a coordenadora de Manejo de Espécies Exóticas Invasoras (CMEEI), Tatiani Chapla. A coordenação, parte da estrutura do ICMBio, orienta e apoia o manejo de espécies exóticas invasoras nas UCs.

Apenas com relação à flora, são 162 espécies exóticas invasoras já registradas em 156 UCs. A campeã de registros é a mangueira (Mangifera indica), presente em pelo menos 53 unidades de conservação federais. Apesar da manga ser um fruto popular no país, sua verdadeira origem está na Ásia. O capim-gordura (Melinis minutiflora), nativa da África e disseminado pelo seu uso em pastagem, aparece em segundo lugar na lista, com ocorrência registrada em 43 UCs. Outra gramínea de origem africana, o capim-colonião (Megathyrsus maximus) completa o top 3 da flora invasora, presente em 41 UCs.

Entre os animais, são 128 espécies invasoras já registradas em 227 UCs. O invasor que lidera esse ranking é a abelha-europeia (Apis mellifera), que como o nome indica tem sua origem no continente europeu e foi introduzida no Brasil inicialmente para produção de mel, porém hoje é uma ameaça às abelhas nativas em pelo menos 108 UCs federais. 

Atrás dela na lista de invasores mais disseminados está o pardal (Passer domesticus), nativo do Oriente Médio, mas que pode ser visto em diversas cidades brasileiras e pelo menos 85 UCs. E em terceiro, o camundongo (Mus musculus), originário da Europa e Ásia, hoje está é um invasor presente mundo afora. No Brasil, sua presença já foi registrada em 70 UCs federais.

Gatos e cães domésticos também aparecem na relação dos invasores em áreas protegidas. Em termos de diversidade, a maior invasão está entre os peixes, com 60 espécies forasteiras já registradas nas UCs, seguidos pelos invertebrados, com 36 espécies.

“A lista é importante porque ela identifica quais são as espécies exóticas e invasoras. Esse grupo representa a quinta maior ameaça direta à biodiversidade, em termos globais. Então é importante as pessoas terem esse conhecimento para que possam contribuir com esse enfrentamento”, completa a coordenadora do CMEEI.

A lista foi oficializada na última quarta-feira (12), no Diário Oficial da União.

As UCs com mais registros

A Área De Proteção Ambiental Ilhas e Várzeas do Rio Paraná, que abrange vinte e cinco municípios em três estados (São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul), foi a campeã de espécies de animais exóticas e invasoras, com 32 registros, sendo 27 de peixes.

Já na categoria flora, o líder de registros foi o Parque Nacional de Brasília, no Distrito Federal, com 31 espécies de plantas exóticas e invasoras, entre elas a leucena (Leucaena leucocephala), árvore originária da América Central.

Do javali ao coral-sol

A lista mostra o avanço do javali (Sus scrofa), hoje presente em ao menos 40 UCs federais, no Pampa, Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga. O javali é uma espécie nativa da Europa, Ásia e norte da África que foi introduzida no Brasil a partir da década de 60, no sul do país, para o consumo de carne. 

Sua invasão já foi registrada em UCs em todos os estados da região sul, como a Estação Ecológica Taim, no Rio Grande do Sul, o Parque Nacional de São Joaquim, em Santa Catarina, e a Reserva Biológica das Araucárias, no Paraná, até áreas mais ao norte do país, como o Parque Nacional da Serra das Confusões, no Piauí, e o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, no Maranhão. 

Única espécie cuja caça é permitida no Brasil, justamente para fins de manejo e controle, de acordo com o IBAMA o javali já foi registrado em 15 estados brasileiros.

As invasões biológicas também são um problema para áreas protegidas marinhas. Um dos principais casos tem como protagonista um gênero de corais chamado pela ciência de Tubastraea, conhecido popularmente como coral sol por suas cores alaranjadas e vibrantes. Nativo dos oceanos Pacífico e Índico, duas espécies do gênero chegaram em águas brasileiras, Tubastraea coccinea e Tubastraea tagusensis, já registradas em 12 e 10 UCs federais, respectivamente.

Invasões “domésticas”

As espécies exóticas invasoras não se limitam apenas àquelas cuja origem é estrangeira ao Brasil. Há casos de animais e plantas nativas em certas regiões brasileiras que, em outra parte do país, tornam-se invasoras. 

Um dos casos mais emblemáticos nesse sentido são os pequenos primatas conhecidos genericamente como mico-estrela, que correspondem ao sagui-de-tufos-brancos (Callithrix jacchus) e o sagui-de-tufos-pretos (Callithrix penicillata). O primeiro é nativo da região nordeste, enquanto o segundo é oriundo do Cerrado.

Levados para grandes centros urbanos da região sudeste, como as capitais Rio de Janeiro e São Paulo, por meio do tráfico de animais silvestres, os micos-estrelas prosperaram mesmo em meio às cidades e à abundância da Mata Atlântica. Os primatas, nesse contexto invasores, disputam espaço com os nativos, num embate genético que pode apagar do mapa os saguis-da-serra, residentes originais da região, por meio da hibridização entre as espécies.  O C. jacchus já foi registrado em 25 UCs federais e o C. penicillata em 20, a maior parte delas entre os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.

  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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Comentários 2

  1. João Almeida diz:

    É triste e lamentável agente lê uma notícia dessa. Pois esse problema é sério e teve um início, mas, por quê? Tem lá várias explicações. Mais o pior é o resultado daquilo que a reportagem se refere. E agora? Eu acho que é deixar do jeito que estar pra ver como é que fica. Aqui no Piauí a situação é triste e lamentável mas não vou entrar em detalhes…


  2. EDUARDO JOSE OLIVEIRA DUAILIBE MENDONCA diz:

    O NIM INDIANO (árvore) assassina abelhas e pássaros frugíveros. Teem que ser exterminada do território nacional.