Reportagens

Abin acha ligação entre garimpo ilegal no Pará e atos golpistas de 8 de janeiro

Análise de maquinário do garimpo ilegal permitiu rastrear empresas e empresários financiadores de manifestações golpistas

Caio Luiz ·
14 de agosto de 2023

Agência Brasileira de Inteligência (Abin) encontrou indícios de ligação entre os atos de 8 de janeiro e o garimpo ilegal. O Congresso em Foco teve acesso a um relatório de 2 de março de 2023 que revela que uma análise de maquinário identificado na prática de garimpo ilegal em área de proteção ambiental no Pará permitiu rastrear redes de empresas e empresários envolvidos não só com atividades ambientais ilegais, mas também com o financiamento de manifestações antidemocráticas em virtude do resultado das eleições presidenciais do ano passado.

De acordo com o documento, os empresários Roberto Katsuda e Enric Lauriano estão diretamente associados ao garimpo ilegal no estado. Também têm vínculos com políticos e com uma rede de apoiadores da prática ilícita e do ex-presidente Jair Bolsonaro na região.

Katsuda é apontado como diretor de uma das principais associações garimpeiras do Tapajós, a Cooperativa Mista de Mineradores do Alto Tapajós, a Cooperalto, localizada no sudoeste paraense, que integra uma comissão a favor do garimpo. A Cooperalto é uma das principais associações de garimpeiros do eixo Itaituba-Jacareacanga no estado.

A associação, segundo o relatório, esteve com várias autoridades políticas para impulsionar o Projeto de Lei 191/2020, que cria condições para liberar o garimpo em terras indígenas.

“Roberto Katsuda também seria responsável pelo financiamento de cooperativas garimpeiras na região. Segundo ele, seria a Hyundai quem financiaria os maquinários agrícolas em ltaituba. Em 2018, o montante financiado foi em torno de R$ 220 milhões”, afirma a relatora da CPMI dos Atos Golpistas, Eliziane Gama (PSD-MA), em seu requerimento ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que demanda um Relatório de Inteligência Financeira (RIF) da Cooperativa Mista de mineradores do Alto Tapajós, ligada ao empresário.

Já Enric Lauriano é acusado de financiar manifestações no Pará e na capital federal para contestar o resultado das eleições de 2022 e de estar presente nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.

Enric Lauriano é filho de Onício Lauriano, pecuarista com fazendas em pelo ao menos três municípios do Sul do Pará, investigado por desmatamento ilegal em áreas de proteção ambiental. O documento classifica Enric como um dos principais articuladores do PL 191/20, que libera a exploração de mineração em terra indígena, e consultor da Associação Nacional do Ouro (Anoro), responsável por fazer lobby a favor do garimpo em Brasília. 

“[Enric] Como membro do acampamento em frente ao quartel-general em Brasília e também atuou ativamente na divulgação da rede de financiamento do movimento extremista a partir de Marabá/PA, na qual foi utilizada uma empresa interposta para arrecadação de fundos: R. P. Cunha Informática, de propriedade de Ricardo Pereira Cunha, esse também proprietário de empresa de mineração Mineração Carajás Limitada”, diz a relatora Eliziane Gama em requerimento ao Coaf, que também pede um Relatório de Inteligência Financeira (RIF) sobre Enric.

João Marcos Amaral, diretor executivo da ANORO, afirmou que a Associação não conhece Enric Lauriano, que ele nunca prestou nenhum serviço e que jamais teve qualquer relacionamento com a instituição. Amaral reforçou que a “Anoro não representa nenhuma empresa de garimpeiros e que a Associação representa apenas empresas que negociam ouro ativo financeiro, DTVMs [Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários], que são instituições financeiras com funcionamento autorizado pelo Banco Central”.

Oito retroescavadeiras

Por meio de oito retroescavadeiras utilizadas em atividades ilegais dentro de terras indígenas Kayapó e Trincheira Bacajá, sudoeste do Pará, a Abin identificou que três delas tinham como última proprietária a empresa BMC Máquinas e Equipamentos Pesados, Engenharia e Locações Limitada (CNPJ 14.168.536/0001-25). Outras quatro retroescavadeiras chegaram a pertencer à mesma empresa, mas foram revendidas.

“Atualmente, a BMC conta com 22 filiais no Brasil, três delas em municípios paraenses com prática disseminada de ilícitos ambientais: Itaituba, Vitória do Xingu e Marabá”, relata o documento.

A filial da BMC em Itaituba, principal ponto logístico para o garimpo na bacia do rio Tapajós, apresenta o mesmo endereço (rua Antão Ferreira do Vale, 3564, Bela Vista, Pará) da empresa BMG Comércio de Máquinas Eirelli (CNPJ 26.001.755/0007-90), de propriedade de Roberto Carlos Katsuda.

O endereço físico não é ocupado nem pela BMC e nem pela BMG, mas sim pela P. Ribeiro Silva Comércio Eirelli, cujo nome de fantasia é Ideal Peças e Motores (CNPJ 23.379.227/0001-95).

Pró-garimpo, pró-Bolsonaro e pró-golpe

Roberto Katsuda é apontado como financiador da estrutura lobista pró-garimpo do deputado Wescley Silva Aguiar, conhecido como Wescley Tomáz. Ambos compõem uma comissão a favor do garimpo com Fernando Brandão, dono do maior escritório de advocacia de Itaituba, e Guilherme Aggens, engenheiro florestal da Geoconsult.

“Desde 2018, o grupo já realizou diversas reuniões com parlamentares e ministros em Brasília, inclusive com a participação do ex-presidente Jair Bolsonaro, para liberação do garimpo em unidades de conservação e terras indígenas. Por influência dessa comissão foi proposto o projeto de lei 191/2020, que visa regulamentar o garimpo em áreas de proteção ambiental”, acrescenta o relatório.

O Congresso em Foco enviou duas perguntas ao deputado Wescley Tomáz por meio de seu gabinete.

O senhor está envolvido com garimpo ilegal em regiões protegidas no sudoeste do Pará?

O nosso mandato e nossa trajetória política são reconhecidos pela luta da legalização da atividade garimpeira. Trabalhamos em diversas frentes e ações que promovem a luta pelo exercício legal da atividade. Resultado disto são as licenças legais, recentemente publicadas pela ANM que destinam mais de 240 Permissões de Lavra Garimpeira, somente na região de Itaituba. Nossa luta é legítima, pautada em fomentar o setor produtivo e dar condições de trabalho para quem precisa exercer sua função dentro dos rigores da lei e com as devidas licenças.

O senhor contribuiu com dinheiro para financiar atos antidemocráticos para contestar o resultado das eleições presidenciais de 2023?

Fomos eleitos a partir do exercício da democracia. Querer que ela não exista ou fomentar o não reconhecimento dela é fazer com que contestem também os votos que são destinados aos parlamentares que foram eleitos de forma legal e dentro das exigências propostas pelo Tribunal Superior Eleitoral. Nosso nome não foi citado em nenhum relatório oficial, tornando essa acusação improcedente. Desejamos que os responsáveis por estes atos criminosos que promoveram diversos prejuízos ao erário, sejam punidos como orienta a lei.

Direita Xinguara

Já a Ideal Peças e Motores tem como proprietária Patrícia Ribeiro Silva. Junto com Katsuda, Patrícia é diretora da Cooperalto com Vilelu Inácio de Oliveira, classificado como articulador da descriminalização da atividade garimpeira e apoiador de ações que bloqueiam rodovias.

Outro citado no documento da Abin é Ricardo Pereira Cunha, proprietário da RP Cunha Informática (CNPJ 07.104.231/0001-94) e da Mineração Carajás Ltda (CNPJ 09288166/0001-20). Cunha, segundo o documento da Abin, organizou financiamentos e ações golpistas por meio do PIX da primeira empresa em Marabá e em Brasília. Cunha, Enric e Onício integram o grupo Direita Xinguara, reconhecido por fazer campanhas a favor de Bolsonaro na região.

“Essas conexões evidenciam o vínculo entre a prática de ilícitos ambientais e atuação de grupos extremistas contrários à eleição para a presidência da república em 2022. Além de permitir identificar redes de práticas delituosas, abrangendo diversas atividades, atores e verbas oriundas da exploração ilegal de recursos naturais”, finaliza o relatório.

Resposta da BMC – Atualização

A empresa BMC entrou em contato com o Congresso em Foco na segunda, 21/08/2023, via assessoria de imprensa para se pronunciar sobre o conteúdo desta reportagem. Assim sendo, o conteúdo abaixo foi acrescentado na íntegra para atender ao pedido de resposta da empresa:

1. A empresa BMC Máquinas, Equipamentos Pesados, Engenharia e Locações Ltda. é uma distribuidora autorizada da Hyundai Heavy Industries no Brasil. Tanto os seus executivos como seus sócios jamais estiveram envolvidos em qualquer ação relacionada aos atos golpistas como também a qualquer prática de garimpo ilegal.

2. A matéria informa que foram identificados três equipamentos comercializados pela BMC, que eram utilizados em atividades ilegais dentro das áreas indígenas Kayapó e Trincheira-Bacajá, no sudeste do Pará. A BMC já comercializou mais de 25.000 dessas máquinas escavadeiras e não é possível relacionar qualquer envolvimento da empresa em atividades dessa natureza.

3. A matéria cita que a BMC tem filiais em Itaituba, Vitória do Xingu e Marabá. O fato é que a empresa possui apenas uma filial no Pará, na cidade de Marabá.

4. A BMC não faz financiamento para viabilizar vendas para seus clientes. As vendas são financiadas por diversos bancos do mercado de crédito brasileiro.

5. Por ser a única comercializadora de equipamentos pesados da marca Hyundai no Brasil, a BMC vende seus produtos para mais de 100 revendas no Brasil. Entre essas revendas, a BMC já manteve relações comerciais com a BMG Comércio de Máquinas.

6. Em maio de 2023, a BMC tomou conhecimento de relatório elaborado pelo Greenpeace, que apontava que os equipamentos da marca Hyundai, vendidos pela BMG, estavam sendo utilizados em garimpos ilegais no estado do Pará. Ato contínuo, após acordo firmado entre o Greenpeace e a matriz da Hyundai, na Coreia do Sul, a BMC notificou a rescisão do contrato com a BMG.

7. Em suas diretrizes de governança corporativa, a BMC, ao vender seus produtos, exige que os clientes declarem, expressamente, que não exercem qualquer atividade ilegal, principalmente, mas não tão somente, atividades de desmatamento de florestas, destruição do meio ambiente, violação de terras indígenas e mineração ilegal.”

Congresso em Foco entrou em contato com os nomes e empresas citados. Individualmente, todos os citados foram procurados por telefone ou e-mail por meio das empresas que representam. Entretanto, alguns nomes não foram localizados. O espaço está aberto para todos os mencionados que queiram se manifestar ([email protected]).

*Editado às 00h31 do dia 22 de agosto de 2023, para incluir o posicionamento da empresa BMC Máquinas, Equipamentos Pesados, Engenharia e Locações Ltda

  • Caio Luiz

    Repórter. Jornalista, produtor de conteúdo e roteirista.

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