Reportagens

Agenda antiambiental deve permanecer como um dos riscos na Assembleia de Rondônia

Extinção de áreas de proteção esteve como principal proposta apresentada por parlamentares para a área ambiental; mudança no zoneamento ecológico é o próximo alvo do legislativo

Fabio Pontes ·
16 de fevereiro de 2023 · 1 anos atrás

A nova Assembleia Legislativa de Rondônia, empossada no começo do mês, tende a apresentar (e aprovar) projetos de lei no sentido de enfraquecer as normas ambientais do estado, além de acabar ou reduzir o tamanho das unidades de conservação. Assim, a atual legislatura eleita em 2022 deve manter inalterada a agenda antiambiental característica do parlamento rondoniense, cuja boa parte das 24 cadeiras é ocupada por políticos ligados ao agronegócio. 

“Houve uma renovação de deputados, mas a gente não sabe muito bem o que esperar desses novatos. Alguns já são conhecidos por estarem ligados ao agronegócio e ao desmatamento da forma mais agressiva possível. A tendência é a a Assembleia Legislativa de Rondônia continuar com seus atentados contra as questões amnientais”, avalia Paulo Henrique Bonavigo, presidente da Ação Ecológica Guaporé (Ecoporé). 

De acordo com ele, nenhum dos parlamentares eleitos em outubro de 2022 tem alguma ligação com a pauta do meio ambiente no estado. A que apresenta um perfil mais próximo é a deputada Cláudia de Jesus (PT). Ex-vereadora do município de Ji-Paraná – o segundo mais populoso do estado – sua atuação política foi construída junto aos pequenos e médios agricultores, a agricultura familiar. 

Em um ambiente predominantemente masculino e bolsonarista, a petista diz ser um grande desafio o exercício de seu mandato. Segundo ela, não fosse a eleição de Lula para presidente, as condições postas seriam bem piores. 

“Até o momento os demais deputados têm tratado a gente com respeito, mas a gente entende que vai ser desafiador. Eu tenho colegas que são extremistas. Tem um deputado que chega a ser extremista. Isso já demonstra que vamos ter muita luta. A gente vem pra cá porque temos pautas importantes a debater”, diz Cláudia de Jesus ao ((o))eco. 

Sobre a pauta ambiental no estado, ela analisa que a posse de Lula serve como um freio aos ímpetos locais de avanço do agronegócio sobre as áreas de floresta. A deputada do PT afirma que estará atenta ao movimento de projetos relacionados ao meio ambiente, para quem “é um dever de todos proteger”. Mas com a maioria de seus colegas com visão contrária, de fato a atuação parlamentar caminha para ser bastante desafiadora. 

Com o governador bolsonarista Marcos Rocha (União Brasil) reeleito, a perspectiva é que a ofensiva legislativa contra os mecanismos de proteção ao meio ambiente tenha o aval do poder Executivo. 

Resex Jaci-Paraná. Foto: Christian Braga / Greenpeace

A “dobradinha” antiambiental entre governo e assembleia já aconteceu nos últimos quatro anos, quando Rocha enviou para a Assembleia Legislativa o projeto de lei complementar (PLC 80/2020) que desafetou a Reserva Extrativista Jaci-Paraná e o Parque Estadual Guajará-Mirim. O texto foi aprovado pela Casa e sancionado pelo governador. 

Após recurso movido pelo Ministério Público, a lei foi considerada inconstitucional pela Justiça. Em 2022, dias antes da votação do segundo turno, Marcos Rocha extinguiu, de ofício, a Estação Ecológica Soldado da Borracha. À época, ele enfrentava uma disputa acirrada com o também bolsonarista Marcos Rogério, senador pelo PL. 

O governador não apenas conseguiu um novo mandato, como conquistou uma base política sólida dentro da Assembleia Legislativa. Sozinho, o União Brasil elegeu cinco deputados. As demais cadeiras são ocupadas por partidos de centro e de direita (PL, PP, MDB, PSC, Patriotas), cujas posições de apoio à pauta antiambiental já são conhecidas.  

Entre os parlamentares reeleitos está Jean Oliveira (MDB), relator do PLC 80. Ele é um dos principais entusiastas da desafetação de unidades de conservação. O deputado é investigado por grilagem dentro de áreas protegidas – crime bastante comum dentro de Rondônia. A invasão de terras indígenas é outra prática ilegal rotineira.      

Ao todo, as áreas protegidas (somando UCs federais e estaduais, além das terras indígenas) representam 42,41% do território rondoniense. Toda essa área é cobiçada para a expansão do agronegócio. É comum no estado a apresentação de propostas, em período eleitoral, para revogar os decretos de criação das unidades de conservação do estado.   

A maior parte da classe política é eleita com discurso de privilegiar a produção agrícola como o mais importante vetor de desenvolvimento de Rondônia. Por outro lado, as leis ambientais e a causa de defesa das áreas de florestas remanescentes são vistas como empecilho para o “progresso” local. Muitos destes políticos, aliás, são acusados de incentivar a invasão de terras públicas em Rondônia.   

Toda essa ofensiva ao meio ambiente ocorre num dos estados mais impactados pelo avanço do desmatamento e das queimadas. Conforme os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Rondônia é o terceiro estado com a maior taxa de incremento do desmatamento dentro da Amazônia Legal, atrás do Mato Grosso e Pará. 

Desde 2008 já foram mais de 14,1 mil km2 de floresta derrubada. Entre 2019 e 2021 o estado apresentou aumento da área destruída: 4,5 mil km2 no período. O ano de 2021 foi o pior desde 2008. O levantamento sobre 2022 ainda está em análise. 

Zoneamento ecológico na mira 

“A gente tem governos estaduais que sinalizam o contrário [de preservação ambiental]. Isso estou falando dos governos. O Poder Legislativo, às vezes, é até pior. A gente tem bancadas de deputados em estados da Amazônia que são 100% de divergência com a questão ambiental, são contrários à questão ambiental”, diz Paulo Bonavigo, da Ecoporé. 

Entre os pontos destacados por ele está a proposta de revisão do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) pela Assembleia Legislativa. A proposta dos parlamentares é flexibilizar as atuais normas para permitir a expansão de áreas agricultáveis para regiões hoje protegidas pelo ZEE. Essa atualização é uma das principais promessas eleitorais de Marcos Rocha, e que tende a ser aprovada sem resistências pelo parlamento ainda em 2023. 

“O zoneamento é antigo, é do ano 2000, de fato precisa de atualização no que diz respeito a critérios técnicos da dinâmica do uso do solo. Porém, a Assembleia Legislativa, tanto a passada quanto a atual, e muitos se reelegeram, eles foram pra cima, mudando pontos técnicos sem o mínimo critério”, afirma Bonavigo.  

“A gente pode ter mudanças no zoneamento ecológico de Rondônia que podem ser catastróficas para a questão ambiental. Vão trazer malefícios. Vão mudar zonas que hoje deveriam ser para manejo florestal para zonas totalmente produtivas [agrícolas]”, finaliza.   

A chegada de Lula ao Palácio do Planalto até amenizou os danos do governo anterior de desmonte das políticas de proteção ao meio ambiente, em particular da Floresta Amazônia. Todavia, na realidade política dos estados da Amazônia Legal, o bolsonarismo – e por consequência uma postura antiambiental da classe política – ainda sobrevive com bastante força. Os desafios estão postos, e a porteira não foi fechada por completo. 

  • Fabio Pontes

    Fabio Pontes é jornalista com atuação na Amazônia, especializado nas coberturas das questões que envolvem o bioma desde 2010.

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