Reportagens

Agricultura orgânica pode ser prejudicial para o clima

Artigo publicado na Nature aponta que a ausência de fertilizantes químicos no cultivo orgânico faz com que a emissão de carbono seja até 70% maior do que na produção convencional

Nanda Melonio ·
8 de janeiro de 2019 · 5 anos atrás
Foto: Pixabay.

Um estudo da Chalmers University of Technology, na Suécia, sugere que a produção orgânica pode ser mais prejudicial ao meio ambiente do que o cultivo no modo convencional. O artigo, publicado na Nature, sustenta que a ausência de fertilizantes químicos faz com que a área necessária para o cultivo seja maior, o que resulta na emissão de 70% a mais de carbono do que na agricultura convencional. Os autores afirmam que mesmo a carne e os produtos lácteos orgânicos são – do ponto de vista climático – piores do que seus equivalentes produzidos em larga escala.

“Nosso estudo mostra que as ervilhas orgânicas, cultivadas na Suécia, têm um impacto climático 50% maior do que aquelas cultivadas convencionalmente. Para alguns alimentos, há uma diferença ainda maior – por exemplo, com o trigo de inverno sueco orgânico, a diferença é mais próxima de 70%”, diz Stefan Wirsenius, professor associado da Chalmers, e um dos responsáveis pelo estudo.

O foco do artigo foram os cultivos de ervilhas e trigo de inverno, mas os pesquisadores explicam que, a princípio, as descobertas também se aplicam à carne e aos laticínios, embora não haja exemplos concretos com estes produtos no artigo: “Como a produção orgânica de carne e leite utiliza matérias-primas orgânicas, também requer mais terra do que a produção convencional”, diz Wirsenius.

A conversão de florestas e outros habitats nativos para uso agrícola é responsável pela liberação de grandes quantidades de carbono armazenadas na vegetação e nos solos, e continua a ser um dos principais contribuintes para as mudanças climáticas. De acordo com Wirsenius, a agricultura orgânica aumenta o desmatamento porque precisa de maiores áreas de cultivo para produzir a mesma quantidade de alimento que no método tradicional, uma vez que não são utilizados fertilizantes químicos.

As lavouras convencionais ocupam uma área significativamente menor do que na agricultura orgânica. Crédito: Yen Strandqvist/Chalmers University of Technology.

No estudo, aponta-se o atual paradoxo mundial: é preciso estabilizar o clima e eliminar as emissões de carbono, e praticamente todas as estratégias acordadas globalmente passam por reflorestamento em larga escala. Ao mesmo tempo, se faz necessário um aumento de mais de 50% na produção agrícola até 2050 – e crescimento ainda maior na produção de carne e leite, por causa das pastagens. Como a área global é fixa, a questão é que utilizar a terra simultaneamente para manter ou armazenar mais carbono enquanto se produz mais alimentos, requer, portanto, maior eficiência no uso do solo.

Método utilizado no estudo prevê cálculo de benefícios do carbono para avaliar uso do solo

Para realizar o estudo, os pesquisadores usaram uma nova métrica batizada por eles de Carbon Opportunity Cost (Custo de Oportunidade de Carbono) para avaliar o efeito de um maior uso da terra, levando em conta a quantidade de carbono que é armazenada nas florestas e, portanto, liberada como dióxido de carbono proveniente do desmatamento.

O trabalho define a eficiência da terra para mitigação da emissão de gases do efeito estufa, chamada de “eficiência de carbono”, como o rendimento de cada hectare ao contribuir para a redução destes níveis atendendo à mesma demanda de alimentos. Esta capacidade pode aumentar armazenando mais carbono ou reduzindo as emissões do processo de produção agrícola.

Essa eficiência é difícil de ser medida porque a terra produz resultados muito diferentes – não apenas maçãs e laranjas, mas também armazenamento de carbono na floresta ou bioenergia que substitui os combustíveis fósseis. Intuitivamente, em um mundo que precisa tanto de trigo quanto de floresta, se um hectare é bom na produção de trigo e ruim na produção de florestas, então o trigo provavelmente será o uso mais eficiente e vice-versa. Mas como essas mudanças podem ser medidas? Os benefícios da floresta poderiam ser mensurados no armazenamento de carbono e os benefícios dos biocombustíveis podem ser calculados com os combustíveis fósseis deslocados, mas o carbono no trigo ou na soja é consumido. Quão valioso, portanto, é um quilo de trigo versus um quilo de soja ou um quilo de armazenamento de carbono na floresta?

Em um mundo que precisa tanto de trigo quanto de floresta, se um hectare é bom na produção de trigo e ruim na produção de florestas, então o trigo provavelmente será o uso mais eficiente e vice-versa. Foto: Pixabay.

O gerenciamento do solo também pode ser alterado de formas que modificam seu armazenamento de carbono. Ao considerar as mudanças em todos os aspectos – rendimentos de produção, emissões de produção e carbono do solo – deve-se calcular os ganhos ou perdas líquidas nos efeitos climáticos de forma distinta.

A pesquisa aponta que os métodos normalmente usados para avaliar se as mudanças no uso ou manejo do solo mitigam a mudança do clima não medem o efeito sobre a eficiência da terra em atender às necessidades climáticas e alimentares, simplesmente porque não levam totalmente em consideração a oportunidade de utilizar a terra para armazenar o carbono que não for usado para alimentos ou bioenergia – este seria o custo de oportunidade de armazenamento de carbono da terra.

Wirsenius diz que o consequente impacto climático proveniente do maior uso da terra frequentemente não foi levado em consideração nas comparações anteriores entre alimentos orgânicos e convencionais: “Isso é um grande descuido, porque, como mostra nosso estudo, esse efeito pode ser muito maior do que aqueles provenientes dos gases do efeito estufa, que normalmente são incluídos”. Devido a essas limitações, o artigo diz que as decisões destinadas a mitigar as mudanças climáticas, alterando o que a terra produz ou os processos de produção, podem ser ineficientes.

Para resolver essas limitações, os pesquisadores desenvolveram um novo método quantitativo de medição da eficiência do uso do solo chamado Carbon Benefits Index (Índice de Benefícios do Carbono). Se a gestão da terra muda o que produz, por exemplo, de trigo para lentilhas, para laticínios, bioenergia ou floresta, o índice pode medir se a mudança proporciona um ganho líquido, uma perda líquida ou não afeta a eficiência global com base nos rendimentos de cada um dos produtos. O índice também avalia o efeito líquido da alteração de insumos ou da adição de mais fertilizantes, por exemplo. Para aplicar o índice a parcelas individuais de terra, é utilizada uma Calculadora de Benefícios do Carbono, medindo a vantagem comparativa de usar um hectare para diferentes propósitos, por exemplo, uma cultura ou outra, ou floresta.

“O Índice de Benefícios do Carbono apenas mede a eficiência do uso da terra para a mitigação de gases de efeito estufa; não avalia os efeitos sobre a biodiversidade ou outros valores do ecossistema.”

O Índice de Benefícios do Carbono apenas mede a eficiência do uso da terra para a mitigação de gases de efeito estufa; não avalia os efeitos sobre a biodiversidade ou outros valores do ecossistema. De acordo com o estudo, a preservação de habitats ricos em carbono, como florestas, zonas úmidas e muitas savanas lenhosas, tende a beneficiar a biodiversidade, mas também há exemplos em que isso não aconteceria: “Por exemplo, o estabelecimento de florestas plantadas em savanas nativas armazenaria mais carbono, mas prejudicaria a biodiversidade. O valor da terra para a biodiversidade, no entanto, depende de sua paisagem mais ampla e, portanto, não pode ser avaliado por um índice como o nosso. A biodiversidade e outros efeitos ecossistêmicos das escolhas de uso da terra devem ser analisados separadamente”.

E se o mundo fosse capaz de parar a expansão agrícola?

Mesmo que hipoteticamente o mundo parasse de expandir o uso do solo para a agricultura, a terra usada para a produção de alimentos ainda teria um custo de oportunidade na perda do armazenamento de carbono. Nesse caso, o benefício de uma produção ou consumo alimentar mais eficiente em termos de terra seria a capacidade de retirar mais terras da produção de alimentos para cultivar florestas. O Índice de Benefícios do Carbono inclui uma variação para essas circunstâncias, que calcula os lucros em potencial com base na quantidade de carbono que poderia ser armazenada em média através do crescimento da floresta, usando a quantidade de produtividade média necessária para produzir cada alimento. Utilizando-se uma taxa de desconto de 4%, o custo de oportunidade do carbono é similar para a maioria deles usando qualquer um dos métodos de cálculo do estudo.

Consumo consciente

Um dos objetivos atuais da Suécia – local onde o estudo foi desenvolvido – é o crescimento da produção de alimentos orgânicos. Wirsenius afirma que, se isso de fato ocorrer, a pegada ecológica da produção alimentar sueca certamente aumentará muito: “A produção mundial de alimentos é regida pelo comércio internacional. Logo, a forma como cultivamos na Suécia também influencia o desmatamento nos trópicos. Se usarmos mais terra para a mesma quantidade de alimentos, contribuiremos indiretamente para um maior desmatamento em outras partes do mundo”.

Pecuária dentro da Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará. Consumo de carne é pior para o clima que consumo de orgânicos. Foto: Bernardo Camara.

Os resultados do estudo, no entanto, não significam que consumidores conscientes devam simplesmente evitar ou parar de comprar alimentos orgânicos: “O tipo de comida é frequentemente muito mais importante. Por exemplo, comer feijão orgânico ou frango orgânico é muito melhor para o clima do que comer carne produzida convencionalmente. Os alimentos orgânicos têm várias vantagens em comparação com alimentos produzidos por métodos convencionais, como por exemplo, o cuidado com o bem-estar dos animais”, diz Wirsenius.

Para aqueles consumidores que querem contribuir com os aspectos positivos da produção de alimentos orgânicos, sem aumentar seu impacto sobre o clima, uma maneira eficaz de fazer isso é mudar a dieta: substituir carne bovina e ovina, assim como queijos duros, por proteínas vegetais como o feijão, por exemplo, foi uma das medidas de maior efeito. Carne de porco, frango, peixe e ovos também têm um impacto no clima substancialmente menor do que a carne de boi ou de ovelha.

 

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Comentários 9

  1. carina korb diz:

    Quem financiou esse estudo? Alguém tipo MOnsanto.


  2. Heloísa Torres diz:

    Falar em espaço? Aqui temos de sobra.
    Vamos viver nossa realidade.


    1. cucustela diz:

      Não era exatamente de espaço, era mais sobre emissão de carbono


  3. Heloisa Torres diz:

    Nada a ver. Este artigo refere-se à Suécia, país de clima frio ano inteiro, solo diferente do nosso e estão falando de plantação de trigo. NÓS NÃO PLANTAMOS TRIGO e, para nós, tradicional e convencional é o organico, sem veneno. Isso é coisa dos fabricantes de agrotóxico.


  4. Heloisa Torres diz:

    Pramil, nada a ver. Este artigo refere-se à Suécia, país de clima frio ano inteiro, solo diferente do nosso e estão falando de plantação de trigo. NÓS NÃO PLANTAMOS TRIGO e, para nós, tradicional e convencional é o organico, sem veneno. Isso é coisa dos fabricantes de agrotóxico.


  5. Paulo diz:

    E uma questão de um cancerzinho aqui, um cancerzinho acolá, ou uma leucemiazinha ali, um a degeraçãozinha inflamatoria que aparece do nada, Coisa "poca", não é mesmo "telespectador".

    Até


    1. Telespectador diz:

      Só falei que iria pegar minha pipoca e o cidadão se doeu, como sempre. Cadê a comprovação do que vc falou, quais os estudos? Corrente de internet não serve.


  6. Pramil diz:

    E agora em quem acreditar o que fazer


  7. Telespectador diz:

    Vou pegar minha pipoca pra acompanhar o choro nos comentários.