Discutida há pelo menos dois anos, a saída do Sistema Nacional de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente se concretizou no governo Bolsonaro. O recém-criado Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) passou a abrigar a Água Nacional de Águas (ANA), que deve assumir questões regulatórias, abrangendo o saneamento e seus ciclos econômicos. Ainda não está claro, porém, de que maneira essa nova configuração efetivamente funcionará. Há resistências, embates, discordâncias. ((o))eco apurou que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tentou manter a ANA, mas acabou sendo voto vencido.
Diretor-Presidente da ANA de 2010 a janeiro de 2018, Vicente Andreu, discorda da medida e enxerga mais uma prática que denota esvaziamento do Ministério do Meio Ambiente.
“Vai na linha do desmonte do MMA e representa uma mudança na concepção sobre a água, que deixa de ser um recurso natural e com visão ambiental e passa a ter visão utilitarista do recurso hídrico. E isso pode gerar conflitos dentro da própria ANA”, ressalta Andreu, para quem a visão dos líderes do governo do PSL remonta às décadas de 70 e 80. “O grande problema das nossas cidades é ausência de tratamento de esgoto. Quando você junta gestão das águas com saneamento, com quem fica a prioridade? Tenho quase certeza de que haverá frouxidão na autorização de lançamento de efluentes. A visão de que a natureza suporta tudo parece ter voltado com força”, observa.
Para Vicente Andreu, a transferência da ANA para o MDR precisaria ter sido debatida com a sociedade:
“Não teve qualquer discussão com comitês de bacias, nada”.
Pequenos municípios serão entregues às moscas, diz ABES
Enquanto o Rio sofria com um terrível temporal na tarde de terça-feira (09), uma audiência pública no Senado discutia a Medida Provisória 868, que versa sobre o novo marco regulatório do saneamento. O texto é uma versão atualizada – e quase idêntica – da redação da MP 844, editada quase no apagar das luzes do governo Temer, no dia da eliminação do Brasil na Copa da Rússia e sem discussão com a sociedade.
O superintendente-adjunto de apoio ao Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos da ANA, Carlos Motta, ressaltou que o governo federal está disposto a ajudar a alavancar o saneamento. Adotou um discurso conciliador e negou que a ANA vá concentrar as decisões ou adotar medidas autoritárias:
“(A agência) ficará responsável por normas de referência nacionais, com o objetivo de ajudar um sistema como um todo. A ANA vai discutir modelos tarifários? Pode discutir. Mas aplicação, cálculo e atribuição serão locais (prefeituras). A gente acredita que a ANA tem condições de contribuir para que o sistema avance”.
Uma das críticas mais contundentes à MP veio de Roberval Souza, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES). Ao criticar o novo modelo defendido pelo governo, ele lembrou que Manaus, ao optar por conceder o saneamento da capital a uma concessionária, em 2000, acabou se beneficiando com avanços no tratamento de esgotos. Os outros 61 municípios do Amazonas, atendidos por uma estatal, entretanto, acabaram por registrar queda no índice de tratamento de esgotos.
“Com esse modelo nós não vamos universalizar o saneamento. O que está no texto da MP vai levar o Brasil a ter seus grandes municípios resolvidos (em água e esgoto) e os pequenos entregues às moscas. Os governos federais e locais vão efetivamente investir nessas cidades?”, questionou.
Segundo a exposição de motivos anexada à MP, o Brasil “não pode conviver com 35 milhões de brasileiros sem acesso a água de qualidade, 104 milhões sem esgoto tratado adequadamente, num país considerado a 9ª economia do mundo e subjugada a 123º no ranking mundial de serviços públicos de saneamento ambiental”.
Um ponto parece ser pacífico entre governo e oposição: o país que necessita, com urgência, pisar no acelerador em saneamento. Segundo o governo, serão necessários investimentos que superam R$ 22 bilhões por ano até 2033 para universalizar a cobertura de água e esgoto em todo o seu território e evitar a morte prematura de mais de 15 mil pessoas por ano por doenças de veiculação hídrica ou causadas pela ausência de saneamento.
((o))eco tentou falar com o deputado Enrico Misasi (PV-SP), coordenador da Frente Parlamentar Pelo Saneamento, mas não teve resposta.
Em janeiro de 2018, Christianne Dias Ferreira assumiu a presidência da ANA, substituindo Vicente Andreu. No meio acadêmico, ela é professora de Direito Privado e professora assistente do Núcleo de Prática Jurídica do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) deste 2010. Christianne foi indicada a Temer por Gustavo do Vale Rocha, subchefe para Assuntos Jurídicos (SAJ) da Casa Civil. Rocha foi advogado do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, que está preso em Curitiba (PR). Os mandatos na ANA são de quatro anos.
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É facil colocar na reportagem só opinião de um lado. E ainda por cima do ex-diretor de outra linha política. Aí fica tranquilo fazer reportagem no estilo Globo chamando somente seus "especialistas".
Prezado Ronaldo, obrigado por seu comentário. Só para esclarecer que eu procurei a ANA, tendo inclusive falado com sua assessora de imprensa (dia 09/04) e por telefone com o presidente em exercício, Ney Maranhão. Infelizmente não obtive respostas.
Mas por que não está no texto essa informação? Só citou que procurou o deputado do PV.