Reportagens

Análise sobre novo texto do PL da Grilagem é adiada para 2022

Proposta do senador Carlos Fávaro (PSD-MT) seria apreciada em comissões temáticas do Senado nesta quarta. Novo texto agrava retrocessos, dizem especialistas

Cristiane Prizibisczki ·
15 de dezembro de 2021 · 2 anos atrás

As comissões temáticas do Senado Federal adiaram para 2022 a apreciação do novo marco da regularização fundiária em terras da União. A reunião deliberativa das Comissões de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e Meio Ambiente (CMA) sobre o novo texto do Projeto de Lei (PL) nº 510/2021, nos termos do parecer do relator da proposta, senador Carlos Fávaro (PSD-MT), estava prevista para hoje (15), mas foi cancelada na noite desta terça-feira. 

Fávaro apresentou, na última semana, seu relatório sobre o que ficou conhecido como “PLs da Grilagem”. O novo texto sugerido por ele agrega elementos dos dois PLs sobre o tema atualmente em tramitação – PL 510/2021 e PL 2.633/2020 – e adiciona novos artigos. 

O PL nº 510/2021, de autoria do Senador Irajá Abreu (PSD/TO), é fruto da Medida Provisória nº 910/2019, conhecida como MP da Grilagem. Este projeto de Lei tramitava em conjunto com outra proposta de alteração da norma fundiária, o Projeto de Lei nº 2.633/2020, de autoria do deputado federal Zé Silva (Solidariedade-MG), já aprovado na Câmara.

Na prática, se o novo texto for aprovado pelas comissões temáticas, o PL 2.633/2020 deixará de tramitar e apenas o PL 510/2021, na forma de seu substitutivo, continuará a ser discutido no Senado.

A apresentação do relatório do senador Carlos Fávaro aconteceu após a realização de quatro audiências públicas. Nesses encontros, várias entidades se posicionaram de forma contrária aos retrocessos trazidos nas propostas de alteração das normas fundiárias. Mesmo assim, o novo texto traz sérias mudanças na lei.

“Tanto os dois projetos quanto a nova versão em discussão apresentam retrocessos em relação à legislação atual que, se aprovados, estimularão mais ocupações ilegais e desmatamentos em terras públicas federais”, diz uma nota técnica produzida pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) sobre o assunto.

A proposta em discussão no Senado propõe novas regras para todo país, mas é na Amazônia Legal onde estão as maiores porções de terra ainda sem destinação fundiária: 29% de todo este território.

A área, que equivale à soma dos territórios de Minas Gerais e Mato Grosso, concentrou 42% do desmatamento ocorrido entre 2013 e 2021, segundo medições do Imazon.

“O próprio avanço da destruição da floresta nessas áreas não destinadas é um indício de que esse território sofre pressão para ser privatizado”, continua a nota técnica do Instituto.

Novo marco temporal

Ao longo de sua tramitação, o PL 510/2021 sofreu muitas alterações. Segundo site do senado federal, foram 188 emendas apresentadas pelos parlamentares, muitas delas acatadas pelo relator. “Temos certeza que vamos apresentar um projeto para ser votado em plenário que venha revolucionar a forma de fazer regularização fundiária no Brasil”, disse o senador, em entrevista à TV Senado

Apesar do tom otimista do relator, especialistas apontam para graves retrocessos, o principal deles é a alteração no marco temporal. 

A lei fundiária atualmente em vigor, Lei Federal nº 11. 951/2009, prevê como marco temporal a data de 22 de julho de 2008 para a regra geral. Ainda assim há, nesta lei, a possibilidade de regularização para ocupações até 22 de dezembro de 2011, na chamada “regra especial”, em que são cobrados os valores máximos da terra, de acordo com a tabela do INCRA – que já é bem abaixo do valor de mercado. Portanto, na prática, o marco na lei atualmente em vigor é 22 de dezembro de 2011.

Durante a entrevista à TV Senado, o senador Carlos Fávaro garantiu que o seu substitutivo manterá as mesmas datas da lei atualmente em vigor.

“Estou mantendo o marco de 2008. O projeto original, do senador Irajá Abreu, que fez com muita competência, estendia até 2012, ainda sim seriam 10 anos atrás, mas daria um viés muito ruim ao mercado […] Nós estamos mudando, aperfeiçoando a lei, mantendo o marco de 2008”, disse.

De fato, o novo texto fala que áreas ocupadas até 21 de julho de 2008 podem ser regularizadas se o ocupante pagar de 10% a 50% do valor mínimo na planilha de preços de terra do INCRA. Além dos valores já generosos, pagamentos à vista ganham 20% de desconto.

A proposta, no entanto, também considera passíveis de regularização áreas ocupadas após 2008 e até 5 anos antes da publicação da nova lei, desde que o ocupante pague o valor máximo da planilha de preços do INCRA. Portanto, na prática, se a lei for votada em 2022, o marco legal passará a ser 2017.

Além disso, após 2017, ainda é possível regularizar as terras invadidas via licitação, com critérios a serem definidos em decreto presidencial.

“Isso incluiria uma possibilidade de legalizar áreas invadidas após a publicação da lei, gerando um incentivo direto para novas ocupações seguidas de desmatamento. Ao mudar para 2017 o prazo de ocupação previsto em lei e permitir a legalização de ocupações posteriores, o texto reforça a expectativa de que novas extensões de prazo ocorrerão no futuro. Isso serve de incentivo para que ocorram novas invasões de terras públicas associadas à destruição da floresta”, diz a nota do Imazon.

Outros retrocessos

O relator do Projeto que muda mais uma vez as regras da regularização de ocupações de terras públicas, senador Carlos Fávaro (PSD-MT), durante reunião conjunta das Comissões de Agricultura e Meio Ambiente, na semana passada. Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

O Climate Policy Initiative (CPI/PUC-Rio), organização especializada na análise de políticas públicas, elencou uma série de outros retrocessos que a proposta do senador Carlos Fávaro traz, como a ampliação do procedimento simplificado de titulação por “autodeclaração”, atualmente somente para posses até 4 módulos fiscais, para posses de até 15 módulos fiscais.

Isto é, áreas até 1650 hectares – a extensão dos módulos fiscais é diferente para cada município do Brasil, indo de 5 hectares a 110 hectares – poderão ser tituladas sem que sejam vistoriadas previamente para averiguar os requisitos legais de ocupação, exploração e cultura efetiva, e existência de  conflitos fundiários ou eventuais danos ambientais.

Na prática, a proposta aumenta o risco de titulação de áreas sob conflito ou com outras demandas de regularização prioritárias, como territórios ainda não reconhecidos de comunidades tradicionais.

Além disso, o texto permite que desmatadores ilegais de terras públicas regularizem terras invadidas sem o compromisso de regularizar os passivos ambientais. Isso porque o parecer só exige a adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) para áreas que foram autuadas pela fiscalização, mas, atualmente, menos de 1% do desmatamento ilegal na Amazônia é objeto de autuação.

O novo texto do senador Carlos Fávaro também permite a regularização fundiária para pessoas que já são proprietárias de outro imóvel rural ou mesmo que já tenham sido beneficiadas por programa de reforma agrária ou regularização fundiária. Na lei atualmente em vigor, a regularização é vedada para tais casos, justamente para evitar que a ocupação de terras se torne um “negócio”.

Benefício aos grandes proprietários de terras

Em seu relatório e nas manifestações públicas, o senador Carlos Fávaro tem repetido que as mudanças trazidas na lei de regularização fundiária visam beneficiar os pequenos proprietários de terra. 

“Temos famílias brasileiras há 30-40 anos esperando o título de propriedade. Eu tive a oportunidade de sentir isso na pele. Cheguei no meu estado do Mato Grosso há 36 anos num assentamento de reforma agrária. Pude viver, com a minha família, a falta que faz o título de propriedade para que você possa produzir, buscar financiamento, ter, de fato, cidadania como produtor rural”, disse o senador, durante a entrevista à TV Senado.

Segundo especialistas, no entanto, as mudanças trazidas por ele no texto da lei beneficiam somente os grandes proprietários de terra. 

“Se o parecer for aprovado, a situação dos agricultores familiares não mudará em nada. Os pequenos ocupantes de terra continuam a ter os mesmos direitos e a seguir os mesmos procedimentos. A mudança no marco temporal beneficia quem pode pagar o preço máximo definido pelo Incra, então ela só favorece quem tem poder aquisitivo, quem ocupa a terra como negócio, isto é grilagem. A mudança no procedimento de auto-declaração de 4 módulos fiscais para 15 módulos fiscais também só favorece médios e grandes. Os pequenos continuam com o procedimento que já está em vigor. Quem ganha, então? O outro grupo”, explica Cristina Lemes Lopes, Analista Legal Sênior com foco em Direito e Governança do Clima no Climate Policy Iniciative – CPI/PUC-RJ.

Segundo ela, a regra atualmente em vigor – autodeclaração até 4 módulos fiscais – já atende cerca de 90% dos beneficiários da regularização fundiária. “Quem apoia a mudança da lei diz: ‘ 90% é relativo ao número de ocupantes, mas a área ocupada é bem menor’. Exato, mas é justamente porque essa área do outro grupo é uma área muito grande que a gente precisa colocar uma lupa na hora de regularizar” diz.

De acordo com Cristina Lopes, as alterações na lei fundiária desvirtuam a proposta para qual a norma original foi criada. 

“A ideia da regularização fundiária era de justiça social e essas novas regras desvirtuam totalmente a ideia do programa, que era a de facilitar o acesso à terra a quem não tem, titular a terra do agricultor familiar dos pequenos ocupantes. A ideia de justiça social de acesso à terra fica totalmente desvirtuada com essas propostas que aceitam quem já é proprietário, que facilitam procedimentos dos maiores, que ampliam o marco temporal”, diz. O CPI/PUC-RJ também divulgou, na última segunda-feira (13), uma publicação comentando os principais pontos do texto proposto pelo senador Carlos Fávaro. O texto completo você confere aqui.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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