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Câmara aprova projeto que proíbe auxílios, crédito e cargos a participantes de ocupações

Projeto articulado pela bancada ruralista prevê sanções válidas por até 8 anos; opositores apontam que punições se estendem até a familiares e criminalizam movimentos sociais

Gabriel Tussini ·
23 de maio de 2024

A Câmara dos Deputados aprovou, na noite de ontem (22), um projeto de lei (PL 709/23) que cria sanções para participantes de ocupações de propriedades rurais e prédios públicos. O texto final, aprovado por 336 votos a 120, prevê que quem for participante “direto ou indireto” de “invasões” no contexto de conflitos por terra seja proibido, por 8 anos, de participar do Programa Nacional de Reforma Agrária – perdendo o lote em sua posse, se já o tiver –, de receber benefícios do governo, de ter cargos públicos, de participar do Minha Casa, Minha Vida, de receber crédito rural e até de fornecer alimentos à administração pública. O projeto agora vai para o Senado.

O texto original, de autoria do deputado Marcos Pollon (PL-MS), recebeu nova redação – o chamado substitutivo – adotada pelo deputado Pedro Lupion (PP-PR), presidente da bancada ruralista e relator da matéria na Comissão de Constituição e Justiça, após emendas apresentadas pelo deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES). A nova versão ampliou o escopo do projeto – que inicialmente tratava apenas de ocupações de propriedades rurais, não de prédios públicos –, a quantidade de punições – que se limitavam a auxílios do governo e posse em cargos públicos – e o tempo das proibições, que não era previsto e passará a valer até para ocupações iniciadas antes da possível sanção da lei.

As punições também são aplicadas a quem cometer o crime de esbulho possessório – que ocorre quando um proprietário perde a posse de um bem por invasão, ocupação indevida, obstrução de passagem de moradores ou funcionários, desapropriação indireta ou recusa de devolução de propriedade emprestada ou alugada. A prática, como explica o portal da Câmara dos Deputados, também se aplica à posse de bens móveis, como carros.

O texto ainda estabelece que as penas também valem para quem “invade propriedades rurais, públicas ou privadas, bem como prédios públicos” com objetivo de “forçar o Estado” a executar políticas públicas, citando a reforma agrária e a demarcação de terras indígenas – ameaçando também as retomadas de terras tradicionais de indígenas. 

O projeto determina que a polícia identifique “todos os participantes envolvidos, direta ou indiretamente” e encaminhe os dados ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que deverá registrá-los em “sistema próprio”, sob pena de responsabilização. Ocupantes de cargos públicos, efetivos ou comissionados, condenados pelas condutas descritas na lei serão “desvinculados compulsoriamente”.

Para o deputado Patrus Ananias (PT-MG), o projeto é direcionado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o que seria inconstitucional. Ele afirma ainda que a perda de benefícios sociais puniria não apenas o acusado, mas toda a sua família, o que também seria inconstitucional. “Se a pessoa for condenada e ela recebe um programa social que é para a família, como por exemplo o programa Bolsa Família, vai atingir também toda a família, indo além da pessoa que foi em tese condenada”, criticou, citado pela Rádio Câmara.

Marcos Pollon, autor do projeto original, defendeu as punições, e fez referência ao MST. Para ele, o texto “traz algo que já deveria estar acontecendo no Brasil. Algo que é óbvio, que é criminoso ser tratado como criminoso. Impedir de ter contratação com órgão público, impedir de ter acesso ao benefício aquele que comete de forma organizada, como movimento terrorista que é, crimes reiteradamente. É algo simples, translúcido, sem problema nenhum. Ou nós vamos ficar passando a mão na cabeça de bandido?”.

Jandira Feghali (PCdoB-RJ) classificou o projeto como “inconstitucional”, e alegou que ele criminaliza movimentos sociais. “Está todo mundo vendo o crime que se comete com este projeto no Parlamento brasileiro. Porque é um projeto inconstitucional mesmo. É um projeto violento, que lesa direitos. Aqui ninguém está discutindo o direito de propriedade, que está na Constituição. O que nós estamos discutindo é quem decide a condenação e a retirada de benefícios. E nós queremos saber se vocês podem criminalizar a grilagem também, que está cheio por aqui”, disparou.

A aprovação do texto foi articulada pela bancada ruralista junto à Frente Parlamentar da Segurança Pública, a “bancada da bala”, em reunião organizada pelos ruralistas, nesta terça (21). O encontro contou ainda com as presenças do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e do então ex-deputado Nelson Barbudo (PL-MT), que tomaria posse na Câmara naquele mesmo dia. Na reunião, Pedro Lupion defendeu a aprovação da matéria. “Precisamos mostrar que isso não pode ficar impune. Esses projetos melhoram a legislação e criam punições para invasores de propriedades, e cabe ao Congresso dar esse recado”, disse, citado pelo Notícias Agrícolas.

  • Gabriel Tussini

    Estudante de jornalismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), redator em ((o))eco e interessado em meio ambiente, política e no que não está nos holofotes ao redor do mundo.

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Comentários 2

  1. Sérgio diz:

    O que esse marginal do Bolsonaro está fazendo aí? Deveria estar preso e para grileiros que invadem e queimam terras , não devem receber a mesma punição. ?


  2. Luanna diz:

    Esse projeto vai contra quase todas as políticas públicas. Impressiona o que são capazes de fazer…